Tenho recebido recados de que João Alberto Silveira Freitas, 40 anos, o Beto, que morreu após levar uma saraivada de socos e ser esganado por seguranças de um supermercado em Porto Alegre, não era flor que se cheire. Um sujeito sempre pronto a revidar o que considerava ofensas. E se fosse esse seu perfil? Isso autoriza que ele seja golpeado e asfixiado até a morte? O assassinato, na base do dois contra um, foi um ato de covardia e despreparo. Para constatar isso basta olhar uma vez as imagens das câmeras de segurança. Lógico que não olhei apenas uma vez, até porque as cenas ganharam o Brasil.
Dispostos a defender os seguranças do supermercado, alguns mostram que João Alberto deu um soco primeiro. As câmeras gravaram isso. E aí? Mais uma vez, pergunto: autoriza a moer o sujeito a pancadas e esganá-lo?
Quem, como eu, cobriu júris nas últimas três décadas sabe que mesmo a legítima defesa – o revide de quem é atacado – tem de ser proporcional. Do contrário, é assassinato. Um lutador que decida quebrar inteira uma pessoa desarmada com quem ele discutiu não está agindo em legítima defesa, está tentando praticar um homicídio, sobretudo se quem apanha não é praticante de artes marciais. Isso porque os golpes que ele desfere podem ser mortais como armas (geralmente, são).
Existe uma regra para definir o que é defesa e o que é abuso: proporcionalidade. A reação tem de ser proporcional à agressão. Não foi o que aconteceu no supermercado Carrefour de Porto Alegre. Um segurança levou um soco, ganhou ajuda de seu colega para derrubar João Alberto e depois desferiu mais de uma dúzia de golpes contra o homem negro, que já estava caído, dominado. Despreparo total. Sem entrar no mérito do que causou a reação dos seguranças, porque não sabemos, o correto seria imobilizar o sujeito. Até porque eram dois contra um. Não. O assassinato foi consumado.
A ação dos seguranças foi um ato de racismo? Não dá para ter certeza. Não sabemos o que foi dito, que palavras trocaram, se já tinham desavenças anteriores. Mas, num país em que negro que passeia é visto como suspeito, o que sabemos já é suficiente e revoltante. As imagens falam por si.