Diálogos para desanuviar o ambiente político tóxico que reina no país têm sido frequentes entre integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF) e governistas. Em conversas elípticas, pautadas mais por meias palavras do que por frases objetivas, alguns tentam um pacto para garantir a Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão a conclusão do mandato de forma honrosa. Dentre esses interlocutores com o Supremo estão militares graduados, da ativa e da reserva. Desagrada a eles a possibilidade de que o governo em que mais se engajaram nas últimas décadas seja lembrado na História como um bando de milicianos tresloucados. Acham que é muito melhor do que isso e tentam recuperar o controle da narrativa, pelo menos ante seu próprio público.
Uma dessas conversas aconteceu dia 10 deste mês. O ministro do STF Gilmar Mendes se reuniu com o comandante do Exército, general Edson Leal Pujol, em Brasília. O jurista foi recebido por Pujol e por seu chefe de gabinete, general Fábio Benvenutti Castro, no Quartel-General. Gilmar justificou a visita, não programada, para entregar um exemplar da 15ª edição do seu livro Curso de Direito Constitucional. Na realidade, o objetivo era estabelecer uma ponte. Gilmar mencionou como inconstitucional a ideia de que as forças armadas podem fechar o STF ou o Congresso. Ressaltou que o Exército não é milícia, algo que ele inclusive tinha tuitado dias antes, em postura incomum para um ministro do Supremo.
Pujol ouviu e devolveu. Admitiu que entre os militares não pega nada bem posições recentes do STF, com destaque para ações do ministro Alexandre de Moraes. Acham que ele exorbitou de suas prerrogativas ao impedir a posse do diretor-geral da PF e ressaltam que um poder não pode invadir a área de outro. Algo que também não contribuiu para serenar ânimos foi a recente liminar do ministro do Supremo Luiz Fux na qual é sublinhado que a Constituição não permite intervenção militar sobre o Legislativo, o Judiciário ou o Executivo.
Pujol, um moderado que defende a separação de Forças Armadas e governo, confidenciou a amigos que considera os recados de Fux (e do próprio Gilmar Mendes) como desnecessários. Evita comentar o assunto.
GaúchaZH conversou com um ex-ministro militar que tem gastado horas ao telefone, na tentativa de firmar pontes entre o governo Bolsonaro e o Supremo. Esse general ressalta que, no Palácio do Planalto, o interlocutor mais frequente dos supremos magistrados é o ministro da Defesa, o também general Fernando Azevedo e Silva, por motivos óbvios: Azevedo foi assessor do atual presidente do STF, Dias Toffoli, e tem trânsito com Alexandre de Moraes, de longe o ministro de toga mais questionado na caserna.
A mediação dos militares se explica pelo fato de que eles são maioria como categoria profissional nos postos estratégicos do governo Bolsonaro, seja como ministros (são 10) ou no segundo e terceiro escalões (onde 2,9 mil ocupam cargos). Dentre os ministros do STF, a maior relutância dos generais de terno do Planalto acontece em relação a Alexandre de Moraes, a quem muitos se referem pelo apelido de Lex Luthor. Muitos acham que é inimigo declarado do governo Bolsonaro, a serviço do PSDB do governador paulista João Doria.
Mas, surpresa! Nem todas as decisões recentes de Moraes desagradam aos generais do governo. Os militares graduados lavam as mãos em relação prisão de extremistas de direita (como Sara Winter e o grupo dos 300) e buscas nas casas dos bolsonaristas suspeitos de impulsionar fake news, ordenadas por esse ministro do STF. A maior parte dos militares graduados não está disposta a estender a mão a essa gente, por dois motivos: acredita que extremismo é incontrolável (de esquerda ou direita) e porque também é alvo do fanatismo desses militantes.
Esses ativistas são considerados, pelos militares, mais direitistas do que Bolsonaro. Um exemplo: um dos mais entusiasmados bolsonaristas, o engenheiro Renan Sena, do grupo que se intitula Patriotas, foi preso por ameaças ao governo do Distrito Federal, ao Supremo e ao Congresso. Libertado horas depois, deu entrevistas gritando: “Pazuello e Braga Netto, pedem pra sair...vocês são dois fracassados”. Ele se referia aos generais-ministros da Saúde e da Casa Civil, respectivamente, dois dos maiores conselheiros de Bolsonaro.
Outro exemplo: cada vez que o vice-presidente, general Hamilton Mourão, reúne-se com representantes da mídia tradicional ou com políticos que lhes desagradam, fanáticos como esses que foram presos por ordem do STF criam hashtags do tipo #Mourão Traidor. Para horror da caserna.
A tentativa dos militares de esfriar a fervura do caldeirão político em que se transformou o governo Bolsonaro esbarra justamente no fervor de militantes bolsonaristas. Eles não querem conversa com o STF e continuam a estender faixas pedindo o fechamento do Supremo (e do Congresso Nacional) em suas manifestações dominicais. Costurar a governabilidade fica difícil, porque o próprio Bolsonaro não resiste e, vez que outra, comparece a esses atos a seu favor e contra a cúpula dos poderes Judiciário e Legislativo. Há desconfiança, também dentre os ministros do Supremo, de que o bolsonarismo impede pontes com Bolsonaro, o que contribui para manter acesa a chama da animosidade entre os poderes.