
Depois de fechar a última safra com redução nos casos, as suspeitas de deriva têm aumentado no Estado no atual ciclo. Dados da Secretaria Estadual de Agricultura indicam que, até o momento, 76 amostras foram coletadas para a análise laboratorial, sendo mais de 50% da região da Campanha. Em igual período do ano passado, eram 45. Os laudos, que indicarão se há ou não resíduos de herbicidas hormonais (sendo o 2,4-D o mais recorrente) em outras culturas que não a da soja, onde são aplicados, ainda são aguardados. Entre os fatores apontados como razão para essa alta está o clima, ou melhor, as condições adversas trazidas pelo fenômeno El Niño.
— É um ano atípico. Podemos dizer que há uma relação direta com as condições de tempo e o aumento de suspeitas. As ocorrências de deriva começaram cedo, já em agosto, mas no final de novembro, início de dezembro, a coisa aumentou bastante — observa Ricardo Felicetti, chefe do Departamento de Defesa Vegetal da Secretaria de Agricultura.
A relação com o tempo vem do fato de que, com o excesso de chuva, a janela para uso do herbicida hormonal (usado no combate à buva, uma praga que ataca a soja) ficou curta. Quando a chuva cessa, o produtor se apressa para fazer os tratos culturais na lavoura — nem sempre com as condições de vento indicadas para a aplicação do produto. Desde 2019, instruções normativas regram o uso do produto nas áreas de soja. A iniciativa veio após exames laboratoriais, que começaram a ser feitos em 2018, confirmarem resíduos do químico em outras culturas — entre as mais afetadas está a produção de uva.
Na Campanha, o impacto da deriva aparece também nos vinhedos da Unipampa, que tem o único curso do país de bacharelado em Enologia. A área tem 4,5 hectares, mas abriga mais de 80 cultivares diferentes e é usada para capacitar os alunos e mostrar aos produtores o trabalho de pesquisa desenvolvido, explica Marcos Gabbardo, doutor em Enologia e professor da universidade.
— Desde que começaram as coletas, este ano foi o pior ano de deriva para nós. A severidade do dano foi maior. É a primeira vez que afetou 50% da área foliar do vinhedo — afirma Gabbardo.
O professor explica que todo a parte de pesquisa, de conclusão de curso está relacionada ao vinhedo. E acrescenta que os prejuízos se estendem para além do ano em que a deriva acontece:
— As perdas são no ano, no próximo ano e, o pior de tudo, na formação do vinhedo. O pior problema do 2,4-D é na implantação. Estamos fazendo teste com variedades resistentes a problemas da videira e vamos levar cinco a seis anos para formar o vinhedo.
Proprietário da Vinícola Guatambu, de Dom Pedrito, e representante da Associação dos Vinhos da Campanha, Valter José Pötter reforça que há uma grande incidência de deriva na fruticultura, especialmente nos parreirais:
— A incidência está mais concentrada neste ano pelo trato cultural da soja. Insistimos para os produtores denunciar.
Ele explica que em razão da continuidade do problema, sem ressarcimento das perdas, muitos haviam desistido de reportar os casos à secretaria. Pötter e Gabbardo avaliam que somente a suspensão da uso da molécula seria capaz de frear a deriva.
— O sistema, em teoria, funciona. O problema é que verifica (a deriva) quando já aconteceu. Para mim, não atinge o objetivo — diz o professor da Unipampa.
O chefe do Departamento de Defesa Vegetal da Secretaria de Agricultura observa que as alterações climáticas são um desafio para todos os setores E entende que "talvez tenhamos de adequar alguns métodos, algumas novas formas de trabalhar". Aos sojicultores, a recomendação principal é evitar "aplicações calendarizadas".
— O Simagro (Sistema de Monitoramento e Alertas Agroclimáticos) fornece um serviço que indica na região, no município a condição (de tempo) que está prevista, ou seja, o produtor consegue se organizar — orienta Felicetti.
O que é a deriva?
- A deriva ocorre por escorrimento do produto na planta ou pelo transporte das gotas produzidas na pulverização para áreas limítrofes à lavoura
- Nesse caso, o produto aplicado para o combate de problema em uma lavoura acaba causando danos a outras culturas
- O herbicida hormonal causa atrofia nas plantas, que deixam de crescer e não dão frutos