A obra que pretende encaminhar efluentes tratados de uma estação em Xangri-Lá até a bacia do Rio Tramandaí, no Litoral Norte, vem sendo criticada por grupos que apontam seus riscos ambientais. Na tarde desta quinta-feira (5), uma decisão da 3ª Vara Cível da Comarca de Tramandaí do TJRS suspendeu a construção até que a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) comprove que não há riscos ambientais envolvidos.
Na avaliação de Cláudio Frankenberg, professor do Curso de Engenharia Química da Escola Politécnica da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), a obra é necessária para resolver um problema real do Litoral, mas está permeado por uma série de dúvidas.
Licenciada pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), a obra envolve a construção de uma tubulação que levará efluentes da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) II, em Xangri-Lá, até o ponto de descarte final da rede, na bacia hidrográfica do Rio Tramandaí. O trabalho foi iniciado pela Corsan no primeiro semestre deste ano e, desde então, é questionado por especialistas que apontam risco de contaminação das águas.
Após uma reunião realizada na quarta-feira (4), o Ministério Público Federal (MPF) decidiu encaminhar os documentos apresentados pela Corsan e Fepam para uma análise técnica e avaliar o requerimento do Movimento Unificado em Defesa do Litoral Norte Gaúcho (MOVLN), que aponta os possíveis impactos ambientais. Atualmente, não há fundamentos técnicos ou jurídicos para parar a obra, conforme o procurador da República, Cláudio Terre do Amaral.
Ao analisar a situação, o professor da PUCRS destaca que há um problema de saneamento que precisa ser resolvido, já que houve aumento da população no Litoral Norte, impulsionado pela pandemia. Isso impacta em diferentes setores, como saúde, educação, segurança e saneamento, na distribuição de água potável e no tratamento dos efluentes gerados.
— A Corsan está fazendo um trabalho bastante grande na distribuição de água, mas tem toda essa geração de efluente. Uma boa parte dos nossos balneários ainda trata os seus efluentes com fossa séptica, que é uma questão mais rudimentar, para pequenas quantidades. Porque era bem aquela coisa do veraneio, então era suficiente. Só que com as cidades maiores, Xangri-Lá, Capão da Canoa, Tramandaí, precisa de todo um sistema de tratamento, que não vai ser mais esses rudimentares — explica Frankenberg.
De acordo com o professor, o tratamento consiste basicamente em retirar todos os dejetos do esgoto para tentar minimizar o efeito do produto final desse processo — ou seja, a água sem dejetos. Frankenberg ressalta que há uma evolução tecnológica envolvendo as operações e equipamentos utilizados para tratar os efluentes. Entretanto, o processo não garante que a água ficará completamente limpa:
— Conseguimos melhorar do ponto de vista tecnológico, mas o tratamento não é 100% eficiente, porque sempre tem alguma coisa que vai ficar. Temos observado muito a questão de fármacos, microplásticos e metais pesados que ficam solubilizados em água. Então, tem uma série de substâncias que podem ficar após esses tratamentos. Por mais que seja o mais próximo possível dos 100%, não é 100%.
O especialista da PUCRS avalia que o licenciamento dado pela Fepam demonstra um cuidado na tentativa de resolver o problema de saneamento. Isso porque o órgão estabeleceu que o descarte no Rio Tramandaí seja gradativo, com vazões pequenas e monitoramento para conferir se haverá algum efeito nas águas.
— Temos que avaliar o impacto que vai ter isso, porque pode ser que não tenha impacto nenhum ou que seja mínimo, como também pode ser que tenha um impacto significativo. O que não está claro, e essa é a preocupação, é: se tiver um impacto, o que vai ser feito? Vai parar tudo? Existem muitas perguntas aí, o que obviamente gera toda uma insegurança, principalmente naquelas pessoas que sobrevivem dessas águas. Por isso que existe uma preocupação, discussão e movimentos contrários.
Frankenberg aponta que a Corsan tem investido muito em tecnologia de tratamento, por isso, é provável que a ETE seja bastante eficiente, atingindo uma eficiência maior do que 90%. O problema é que não se sabe o quanto o percentual não tratado impactará na bacia hidrográfica.
— Mas não podemos afirmar hoje que é uma coisa que vai acontecer e que vai destruir o ambiente. Não podemos ser catastróficos nesse sentido. Lógico que, se mandasse o esgoto direto, sem tratamento, seria outra situação. Por isso existe uma necessidade de monitoramento em todo esse processo — finaliza.
O que diz a Corsan
Em nota enviada à reportagem de Zero Hora na quarta-feira, a Corsan destacou que a obra está licenciada e atende a todas normativas previstas pelas leis ambientais. Também informou que a estação que trata o esgoto “dispõe de tecnologia moderna e opera 24 horas por dia com monitoramento permanente por meio do Centro de Operações Integradas (COI) mantido pela Companhia".
Conforme a Corsan, esse local “também receberá investimentos ainda este ano, possibilitando a ampliação de sua capacidade e performance”. “O efluente, que é 100% tratado, tem total eficiência, atendendo aos parâmetros previstos em lei, devolvendo ao meio ambiente uma água límpida, preservando o ecossistema da região”, diz outro trecho do texto.