Mesmo sendo veloz e resistente a temperaturas extremas, uma borboleta que no mundo só é encontrada nos campos nativos da região Sul do Brasil e em partes do Uruguai, da Argentina e do Paraguai corre o risco de deixar de existir. A Campoleta (Euryades corethrus), que ganhou este nome numa eleição online realizada no ano passado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), enfrenta inimigos maiores do que a própria natureza: o homem e, consequentemente, o fim do habitat natural. É o que aponta a conclusão da tese de doutorado do biólogo Guilherme Atencio, que será defendida nesta terça-feira (14), na UFRGS. Dos 63 locais visitados em 10 mil quilômetros percorridos entre 2016 e 2017, em apenas 14 a borboleta foi encontrada.
Integrante da equipe de pesquisadores do Laboratório de Ecologia de Insetos, coordenado pela bióloga Helena Piccoli Romanowski, Atencio estuda há oito anos — desde o mestrado — a Campoleta. Com o auxílio de modelagem matemática e imagens de satélite que indicassem as condições ambientais adequadas para a borboleta, ele selecionou as áreas a partir dos pontos classificados como remanescentes de campo e onde a borboleta já havia sido localizada, tomando como base os estudos iniciados em 2010 pelo pesquisador Nicolás Mega.
— A situação é alarmante. Locais que, há poucos anos, eram áreas com abundância de indivíduos (borboletas) se tornaram vazios de fauna, virando lavoura, pasto ou loteamentos urbanos. Encontramos lavouras até nas margens da estrada, que seriam bons locais para refúgio da fauna. Todos os cantos foram ocupados por soja, até na volta de, pelo menos, quatro cemitérios por onde passamos — conta Atencio.
Endêmica dos campos sulinos, a Campoleta é considerada pelos pesquisadores como espécie-bandeira por alertar para a conservação destas áreas. Ela é a fase adulta da lagarta que se alimenta da popular Jarrinha (Aristolochia sessilifolia), uma planta rasteira recorrente em campos nativos. Sem área verde, porém, a planta não se desenvolve e acaba afugentando as lagartas, que, muitas vezes, acabam nem se tornando borboletas.
— Preservando a borboleta, estamos preservando toda uma cadeia. O campo nativo é capaz de fixar carbono às vezes, mais do que uma floresta. E ele tem uma vantagem: a maior parte do carbono que o campo fixa está embaixo da terra. Quando o campo queima, em geral, ele não devolve todo carbono para a atmosfera, como ocorre com a floresta. Mantê-lo é extremamente importante para a agricultura. A quantidade de polinizadores que uma área com flores nativas suporta é imensa, e mesmo que estes polinizadores não sejam específicos para a cultura, eles aumentam a produtividade das culturas nas áreas vizinhas. As pessoas só percebem o problema quando o sistema colapsa — explica Helena.
Durante as expedições, Atencio não localizou nenhuma Campoleta no Paraná e em Santa Catarina, onde ela já é considerada "ameaçada de extinção". Os pesquisadores locais acreditam que a borboleta tenha deixado de existir nos dois Estados. No Rio Grande do Sul, a Campoleta ainda é considerada "vulnerável à extinção", mas a tese do biólogo sugere que o status seja mudado para "ameaçada" na lista estadual e incluída na lista nacional.
Na quinta-feira passada, a equipe de Zero Hora acompanhou uma expedição com Atencio, Helena e o mestrando Diego da Silveira Martins, que também estuda a espécie, em busca da Campoleta. O trio esteve na Estação Experimental Agronômica da UFRGS, em Eldorado do Sul, um dos pontos onde a Campoleta havia sido localizada.
Entre 12h30min e 14h30min, com 37ºC nos termômetros e 41ºC de sensação térmica, pelo menos quatro espécies de borboletas foram identificadas na área. Infelizmente, a situação de estiagem era visível nos campos e no solo, sendo desfavorável para a atividade das borboletas. Apesar disto, alguns ovos da Campoleta foram encontrados nas plantas.
A Campoleta só foi localizada quando os pesquisadores haviam decidido retornar para Porto Alegre: uma fêmea se alimentava de flores nativas, nas margens de uma estrada de terra. Munidos de redes específicas para a captura de borboletas, Martins e Atencio correram por alguns minutos atrás do único exemplar. Mais rápido, Martins acelerou na via, subiu um descampado e conseguiu a façanha de recolher a Campoleta quando ela seguia na direção de uma cerca. A borboleta foi fotografada, registrada e liberada.
Atencio destaca que, a partir dos dados mais atuais, é possível sugerir que o Rio Grande do Sul seja o último refúgio da espécie.
— Chamamos a atenção para a Campoleta por ser uma borboleta grande, vistosa e fácil de ser reconhecida. Lembramos que conservando ela, não estamos mantendo uma borboletinha boba que não serve para nada. Estaremos conservando todo um sistema que também garante a nossa sobrevivência — adverte Helena, também orientadora da tese de Atencio.
A Campoleta
- O macho é mais colorido do que a fêmea.
- O macho tem as partes amarelas e vermelhas das asas mais destacadas.
- A fêmea tem as cores mais desbotadas.
- Ela é uma borboleta ágil, o que torna difícil capturá-la em campo.
- Resiste ao calor e ao frio extremo.
- Se alimenta de uma planta rasteira que só ocorre em campos nativos.
- Procria três vezes por ano — início da primavera, início e final do verão — e hiberna durante o inverno.
- A lagarta coloca um ovo por folha, na parte de baixo da folha.
Curiosidades
- O estudo de borboletas por fotos ajuda, mas não é completo. Ter o exemplar da borboleta permite um estudo mais detalhado e aprofundado.
- Para pesquisa, a borboleta é capturada pelo pesquisador. Quando elas são encontradas mortas, geralmente, já estão em mau estado e não servem para coleções.
- Capturar e matar alguns indivíduos não ameaça a espécie, pois as proles (ou seja, descendentes de apenas uma das "mães") são muito numerosas. Uma "mãe", dependendo da espécie, pode colocar centenas de ovos.
- Nenhum biólogo "gosta" de matar as borboletas. Mas, fazendo isso, salva a espécie inteira. Sacrifica algumas para salvar todas.
Fonte: Laboratório de Ecologia de Insetos - Departamento de Zoologia da UFRGS.