Na linha de frente das emergências e Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) no Rio Grande do Sul, profissionais de saúde se desdobram entre plantões para atender pacientes infectados pelo coronavírus que precisam de auxílio médico. Há quase um ano, a rotina deles é regada a tensão, sacrifícios e exaustão.
Abaixo, confira relatos dos profissionais que se dedicam a combater a covid-19 no Estado:
"Nunca tinha feito isso (o profissional precisou informar para a central de leitos a ordem dos pacientes que teriam prioridade na transferência para UTIs). Sei que fizeram coisas assim fora do Brasil, mas não esperava chegar a esse ponto. Os mais jovens, com menos comorbidades, são prioridade. Também estamos fazendo algo que nunca aconteceu, que é adiar a entubação. A gente avalia: "Aquele paciente precisa ser entubado, mas acho que aguenta mais um pouco, então vamos deixá-lo sem o tubo e botar nele apenas a máscara de oxigênio". Porque, se chegar alguém com insuficiência respiratória pior, tem um respirador disponível. É muito triste, estamos exaustos. A impressão que eu tenho é de que, ao entubar, estou enviando as pessoas para a morte. Não acho mais que estou fazendo uma coisa boa."
Felipe Gonçalves, médico emergencista da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Moacyr Scliar, em entrevista ao colunista Paulo Germano, na terça-feira (23)
"A situação é totalmente crítica. Nossa capacidade técnica foi ultrapassada. Já vínhamos trabalhando com colegas dando suporte em UTI, pois intensivistas não tínhamos mais, isso vale para técnicos, enfermeiros etc. Quando você via no ano passado, na Itália, os profissionais exauridos, em hospitais empilhados de gente, não chegamos neste momento ainda, mas esse momento pode chegar. Sabemos que isso foi do efeito verão, a população toda estava em aglomeração, se espalhou pelo Estado, o vírus provavelmente mais infectante. A rapidez foi enorme. As cenas que a gente poderá vir a ver podem ser bem trágicas."
Fernando Bertoglio, diretor-técnico do Hospital Bruno Born, em Lajeado, em entrevista à Rádio Gaúcha nesta quinta-feira (25)
"Infelizmente, a gente vem tendo que escolher qual paciente receberá o atendimento, isso se tornou corriqueiro nos últimos 10 dias, o que nos dói muito. Pacientes que em cenário normal acessariam o nosso CTI (Centro de Terapia Intensiva) e teriam condições de se recuperar e voltar para casa, hoje não conseguem acessar, pois você tem que dar lugar a pessoas que têm mais chance de recuperação. São escolhas que fazemos diuturnamente com muito sofrimento, mas que são necessárias. Eu liguei para a minha mãe, que tem 77 e não tem nenhuma doença, e disse para ela não sair de casa, porque se ficar doente não vai ter UTI para ela. Essa é a realidade que a gente vive há uns 10 dias aqui em Porto Alegre. E é importante que as pessoas saibam que isso é desesperador."
Thais Butelli, médica intensivista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, em entrevista ao Jornal do Almoço, da RBS TV, nesta quinta-feira (25)
"Os pacientes não podem ser visitados presencialmente. Então, a gente liga para as famílias para dar notícias todos os dias. Geralmente, são notícias muito ruins. E o que nos choca muito, a toda a equipe, é o momento pré-entubação, que o paciente sabe que vai ser entubado, que explicamos que ele vai ficar inconsciente a partir daquele momento, que a família dele vai saber notícias dele por nós. Aí fazemos uma chamada de vídeo com a família antes da entubação. E nessa chamada a maioria deles se dá conta de que talvez seja uma despedida. Então, a gente vê filho se despedindo da mãe, mãe se despedindo de filho, de irmãos... E tem alguns que agente sabe que de fato não vão sair dali. Essa é a vivência que a gente tem nesse período de pandemia e que exacerbou nos últimos 15 dias, de a gente ter uma UTI cheia de jovens e ter pacientes de 50, 60 anos sem comorbidade e que não vão conseguir acessar o CTI."
Thais Butelli, médica intensivista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, em entrevista ao Jornal do Almoço, da RBS TV, nesta quinta-feira (25)
"A gente está passando por uma catástrofe, em que é preciso escolher quem tem mais probabilidade de viver. Isso é mais cruel com o paciente, mas também é para nós, que somos profissionais treinados para salvar vidas. Dar um suporte para um ou para outro paciente por probabilidade de quem vai viver é a pior experiência médica que a gente pode ter. A definição de colapso é não ter recursos para salvar um paciente. É o que aconteceu em Manaus, não ter oxigênio. As pessoas falam em tratamentos milagrosos. Tratamento milagroso é ter oxigênio para quem precisa, não há como um remédio funcionar se o paciente está com falta de oxigenação."
Marcelo Gazzana, chefe do serviço de pneumologia do Hospital Moinhos de Vento e médico do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, em entrevista à Rádio Gaúcha na quarta-feira (24)
"Neste momento, ter plano de saúde infelizmente não é garantia de leito para covid. Se estamos conseguindo atravessar essa fase aguda, até agora, deve-se muito ao setor de saúde, que vem fazendo um esforço bárbaro. Os hospitais estão adiando cirurgias e procedimentos eletivos (não urgentes) para encontrar espaço físico e equipes em número minimamente capaz de seguir salvando vidas."
Marcus Vinicius de Almeida, diretor-presidente do IPE Saúde, em entrevista à Rádio Gaúcha na quarta-feira (24)
"A nossa capacidade já transbordou, normalmente temos 60 leitos de UTI, mas montamos uma estrutura emergencial com mais oito leitos e já estão todos ocupados. É sem precedentes o que estamos vivendo agora e a melhor estratégia é cada um fazer o seu melhor na sua esfera de trabalho. Aqui tentamos ser o mais eficientes possível, mas é preciso que os órgãos que têm competência para a tomada de decisões relativas à pandemia o façam e que não sejamos deliberadamente raivosos com eles. Tomar decisões nesse momento não é fácil, precisamos ser empáticos."
Rafael Cremonese, diretor-geral do Hospital Mãe de Deus, em entrevista a GZH na quarta-feira (24)
"A pandemia trouxe um grande desafio, que foi o afastamento das famílias e entes queridos dos pacientes. O medo de estarem sozinhos, o pânico de não saberem o que está acontecendo em casa, isso a gente também vive com eles. A gente aprendeu a ter um paciente com celular para ter contato com a família, a consolar um paciente, para que essa quebra (de laços) entre o paciente e a família não ocorra. A covid-19 é uma doença que te afasta, te isola e te deixa sozinho. Então, as pessoas estão se sentindo sozinhas e abandonadas, e acho que isso é uma coisa que o ser humano nunca tolerou na vida. As pessoas têm que se conscientizar disso: ficar doente é ruim, ter risco de morte é ruim, mas passar por tudo isso isoladamente é pior ainda. Nós, profissionais de saúde, estamos cansados, mas a gente não desiste, a gente luta e trabalha. Não vamos nos entregar, porque faz parte da terapia intensiva e do trabalho dos médicos e das equipes. É isso que a gente veio fazer: tratar as pessoas, levar carinho e fazer o melhor tecnicamente e humanamente para toda a população que precisa de atendimento."
Leonardo Marques, médico intensivista do Hospital Nossa Senhora da Conceição, em entrevista à Rádio Gaúcha na quarta-feira (24)
"Nos últimos dias, percebemos uma elevação no número de internações em unidades de terapia intensiva, com pacientes chegando cada vez mais jovens, com quadros pulmonares complexos e graves e evoluindo de uma forma muito rápida."
Taiani Vargas, coordenadora da UTI do Hospital Conceição, em entrevista à Rádio Gaúcha na quarta-feira (24)