Um pequeno acréscimo no nível de distanciamento social adotado pelos gaúchos poderia resultar em uma redução significativa no número de contágios por coronavírus até o final do ano no Rio Grande do Sul.
Um modelo matemático elaborado por um pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) demonstra que um aumento moderado no índice de isolamento poderia evitar 560 mil infecções por covid-19 nesse período. O trabalho também estima possíveis picos de contaminação com base em quatro cenários diferentes de restrições à circulação de pessoas (veja no gráfico abaixo).
Até a noite desta segunda-feira (13) havia 39,6 mil casos confirmados no Estado, mas a análise leva em consideração também os casos subnotificados que acabam não entrando na contabilidade oficial.
Desenvolvido pelo doutor em Matemática e professor da UFRGS Álvaro Krüger Ramos, o trabalho calculou diferentes possibilidades de evolução da pandemia nos próximos meses com base em indicadores de contaminação e distanciamento social.
Caso se mantenham os níveis atuais de contágio e prevenção, o estudo antevê 957 mil casos acumulados de covid-19 até 31 de dezembro. Mas uma ligeira ampliação na taxa de isolamento, voltando a patamares intermediários como os verificados em abril, quando foi verificada uma média de 46,6% em dias da semana, 50,2% aos sábados e 57,7% aos domingos, já diminuiria a cifra de contaminados para 397 mil — uma redução de 560 mil pacientes ao longo desse período, com um alívio equivalente sobre a infraestrutura de atendimento à saúde.
Em junho, as médias ficaram em patamares inferiores: 40,2% na semana, 43,4% aos sábados e 51,3% aos domingos.
— Pelo que vimos até agora, as medidas adotadas não conseguiram elevar essas taxas de isolamento substancialmente — avalia Ramos, que vem realizando análises matemáticas sobre o andamento da pandemia.
Um aumento significativo no distanciamento social, com a retomada de índices semelhantes àqueles vistos no início da pandemia (48% em dias de semana e 67% aos domingos), levaria a uma queda ainda maior. Até dezembro, poderiam ser registradas 721 mil contaminações a menos.
O modelo também prevê novembro como possível pico de contaminações por coronavírus no Rio Grande do Sul se for mantida a tendência atual ou se houver uma pequena evolução do distanciamento.
— Esse pico poderia ser antecipado para setembro se houvesse restrições mais rigorosas, semelhantes a um lockdown, porque a taxa de transmissão é cortada e a pandemia não tem como se expandir mais. Mas é difícil manter isso por um período longo, o que também pode gerar uma segunda onda de contágio — afirma Ramos.
Professor de Infectologia da UFRGS, Alexandre Zavascki avalia que a estratégia comum a todo o país de evitar um lockdown (fechamento total), por meio de tentativas intermitentes de um distanciamento social, ajuda a alongar a curva e adiar o pico:
— A gente está fazendo um distanciamento frouxo. Quando você fecha, você interrompe a cadeia de transmissão. Picos programados aconteceram em locais onde o sistema colapsou e se fechou tudo. No Rio Grande do Sul, fizemos tudo certinho e, se segurássemos por mais tempo o isolamento do início, reverteríamos a curva. Mas se abriu quando a curva ainda estava ascendente. Esse distanciamento de abre e fecha é o pior e mais sofrido de todos. Ele posterga a situação: permite que se dê conta da demanda (por internações), mas não a finaliza. Dessa forma, o pico vai sendo adiado. Se você fecha tudo, você encurta a curva.
Variáveis biológicas também devem ser consideradas, diz especialista
Epidemiologistas ressaltam a importância de utilizar projeções matemáticas como forma de avaliar o benefício trazido por medidas de prevenção, mas recomendam analisar com prudência estimativas sobre possíveis datas para um pico da pandemia.
— As medidas de distanciamento social adotadas com diferentes graus de intensidade nas regiões do Estado contribuem, em alguma medida, para que o pico venha sendo postergado de junho e julho para os meses seguintes. Tais previsões são incertas porque baseadas numa curva única para o Estado, quando, na verdade, há várias curvas nas regiões, com diferentes tempos de crescimento e diminuição — pontua o epidemiologista Ricardo Kuchenbecker, gerente de risco do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e consultor para o governo do Estado no combate ao coronavírus.
O infectologista Ronaldo Hallal, consultor do Comitê Covid-19 da Sociedade Rio-Grandense de Infectologia, afirma que também é importante levar em conta fatores além da matemática:
— É bem interessante o modelo, mas não abarca variáveis biológicas. O distanciamento feito cedo ocorre para achatar a curva. Isso não quer dizer que não vá ter pico. O que queremos é que não seja um Everest, e sim um morro, para o sistema de saúde atender às pessoas adequadamente. Acho distante apontarmos para um pico em novembro, pré-verão, porque o padrão de doenças respiratórias é de pico no inverno. Isso pode sugerir que tenhamos muitos casos em julho e agosto e uma tendência de estabilidade quando o clima aquecer. Não significa que a epidemia vá desaparecer, porque isso só vai ocorrer com vacina.