
O empresário Abel*, 44 anos, reside com a mulher e dois filhos, de 10 e dois anos, no bloco dos fundos de um edifício da João Alfredo. Mesmo assim, sofre com o ruído vindo da rua, amplificado pela parede de concreto de outro prédio – o barulho bate na muralha de cimento e reverbera no quarto do casal.
– O som (na João Alfredo) é muito alto – queixa-se Abel. – E o paredão atrás do nosso prédio potencializa o que vem da rua.
Segundo o empresário, diferentemente de outras pessoas, que sonham com finais de semana quentes e ensolarados, ele e a mulher sempre torcem para que chova, especialmente de quinta-feira a domingo. Diante do mau tempo, explica Abel, a presença de pessoas e carros de som em frente ao edifício onde mora caem significativamente, o que lhes garante noites mais tranquilas para dormir.
Dono de uma empresa de serigrafia digital, ele revela que passa madrugadas em claro em razão do barulho e diz que a falta de sono afeta a sua saúde e o seu humor:
– Quero dormir porque, no outro dia, tenho de acordar às 8h. Na última sexta-feira, eu estava tão irritado, que não queria nem atender os meus clientes.
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É que, agora, a harmonia entre moradores e notívagos foi quebrada, diz a psicóloga Débora*, 39 anos. Moradora da Baronesa do Gravataí desde 2006, ela passou a migrar para a casa de sua irmã sempre que pode. Busca uma noite tranquila de sono para concentrar-se em seu trabalho de doutorado.
– É uma briga pela harmonia, para que as coisas funcionem pela regra – afirma Débora. – Ninguém aqui é contra bar. Todo mundo que mora aqui gosta de curtir as coisas de forma harmoniosa.
Ela não é exceção: nas noites de sexta e sábado, outros moradores da Cidade Baixa optam por refugiar-se na casa de amigos ou parentes em bairros mais tranquilos. A educadora física Sabrina, 35 anos, evita ficar em casa aos finais de semana, quando toda noite "é um inferno".
– Meu quarto é de frente para a João Alfredo. O pessoal que fica tocando instrumentos e cantando a noite toda na rua – explica. – Às vezes, durante a semana, consigo dormir na sala. Mas, no fim de semana, nem com tapa-ouvidos eu consigo. Domingo é um dia em que trabalho. E, se não consigo dormir, não consigo trabalhar direito.
A aposentada Janaína*, 60 anos, mora na Cidade Baixa desde os anos 1980 e se diz "profundamente incomodada" com a atual situação do bairro, que, segundo ela, se tornou mais difícil nos últimos 10 anos:
– As pessoas me dizem: "Se muda daí". Como vou me mudar? Moro aqui há 34 anos. Quando vim para cá, não tinha isso. Sempre estudei e trabalhei com o lazer. Por isso, não entendo essa forma de lazer que agride os outros. É uma falta de respeito total.
* Com medo de represálias, os moradores pediram que tivessem seus nomes trocados.