
* Professor da Universidade Federal do Paraná e tradutor de Graça Infinita e Ulysses
Professores.
Eu nem acho que tenha sido porque eles (na sua maioria) eram professores.
Acho que supor um ato pensado, intencional, direcionado contra uma pretensa vulnerabilidade de uma determinada classe de profissionais é supor raciocínio e articulação demais por parte do que no fundo não passou de imbecilidade, barbárie, selvageria: estupidez.
As pessoas que foram tratadas a cassetete, bala de borracha, bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo, cachorros policiais e helicópteros no dia 29
As pessoas que deixaram o seu sangue no terreno basicamente idílico da Praça Nossa Senhora de Salete, onde eu e a minha mulher costumamos levar o cachorro para passear no fim de semana As pessoas que ficaram estendidas no chão, na rua ou no saguão da prefeitura à espera de ambulâncias que registraram mais de 150 feridos (apesar de o governo contabilizar, vejam só!, apenas 40)
Acho que o fato de essas pessoas (na sua maioria) serem professores não foi determinante do resultado que se viu em Curitiba no dia 29. Acho que o comando da PM viu gente, viu oposição, viu "desobediência" e caiu em cima.
Podiam ser mineiros, motoristas de ônibus. Podia ser eu (que sou professor) e podia ser você.
Bastava estar "na frente". Bastava estar desarmado na frente de um batalhão de mil soldados treinados.
A bem da verdade, acho até que nós estarmos agora discutindo a barbaridade singular que nos parece ser esse ataque contra a classe dos professores do sistema público de educação (a minha classe) pode denotar, ao contrário do que afirmam alguns, até a estabilidade de um mínimo resquício do respeito que temos (nós: a população) pelos professores. Como classe.
Como talvez a última classe reconhecida como "à parte". A única que é termo de tratamento.
"Bom dia, professor", diz o porteiro do prédio, o caixa do mercadinho da esquina que te conhece.
Acho que a gente não diz "bom dia, engenheiro ".
É claro, por outro lado, que o desprezo que o governo do Estado do Paraná vem demonstrando precisamente por essa classe de profissionais é, sim, uma prova cabal da desimportância que esse governo devota à educação.
À formação da população.
Ao futuro.
E no fundo eu acho que é isso.
Quando me pediram para escrever, daqui, de pouco mais de mil metros ao Sul da Salete, para dar uma impressão "local" sobre aquilo tudo, me pediram para falar do impacto simbólico daquelas imagens.
E é essa mesmo a chave.
Porque a importância simbólica daquelas cenas, o peso icônico do fato de termos visto policiais atirando, sovando, atacando justamente professores na frente da Assembleia Legislativa do Estado do Paraná é, claro, imensa.
Tristissimamente imensa.
E é esse o símbolo que fica.
A marca e o sinal do governo de Beto Richa.
Pois se um governo que aparentemente quebrou um Estado por pouco mais e pouco menos que incompetência
Se um governo que decidiu criar um plano suicida de resgate das finanças estaduais que se embasa centralmente no saque (e não se pode chamar de outra coisa) de fundos que vinham sendo laboriosamente e disciplinadamente recolhidos pelos funcionários há vários mandatos, e que em breve permitiriam a total autonomia da previdência estadual
Se um governo que aceita comprometer todo esse investimento e esse planejamento do passado, e toda a perspectiva de gerações inteiras de funcionários públicos que contavam com os fundos do ParanaPrevidência (que agora servirão para dar caixa para o governo sair do buraco em que se meteu por incapacidade de fazer contas e igualmente servirão de caixa para as obras no interior que vão garantir a possibilidade da reeleição dos deputados que ainda votaram com Richa)
Ora, se um governo que parece plenamente disposto a sacrificar qualquer possibilidade de um futuro estável que iria muito além do seu mandato em nome apenas da chance de cuidar de um presente que ele fez o possível para comprometer de maneira quase já incontornável
Se esse governo vier a ficar simbolizado no Brasil (e já está sendo conhecido mesmo fora do Brasil) apenas por essas imagens
Essas imagens de policiais militares atacando os professores da rede pública de ensino, essas imagens tão violentamente simbólicas do desprezo pela formação, pelo investimento, pelo futuro do Estado
Terá sido mais do que justo.
Se você ataca um professor, é esse futuro que você está ameaçando.