O presidente Michel Temer (PMDB) terá sérias dificuldades de escapar de uma condenação criminal. A opinião é unânime entre juristas de renome ouvidos por Zero Hora. Mesmo que alguns considerem que não eram tão explícitos como pareciam no início os diálogos travados pelo mandatário do Palácio do Planalto e o empresário Joesley Batista, bilionário dono dos frigoríficos JBS (que virou delator da Operação Lava-Jato), eles são graves e a postura presidencial, omissa.
Joesley gravou o presidente quando conversaram sobre, basicamente, três assuntos. Um deles, a neutralização do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB), que está preso e ameaça falar de parceiros de corrupção. No segundo tema, o empresário se vangloria de ter conseguido dois juízes e um procurador da República que lhe dão informação sobre processos criminais a que responde. E o terceiro momento, quando Temer indica um político (o deputado federal Rodrigo Rocha Loures, do PMDB-PR) para intermediar negociações conduzidas por Joesley – e o parlamentar, dias depois, é flagrado saindo de uma reunião com uma mala de dinheiro.
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Zero Hora ouviu Mamede Said (penalista brasiliense, diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília), Cezar Bitencourt (criminalista gaúcho, professor de mestrado e doutorado da PUCRS, ex-diretor da Escola Superior do Ministério Público), Márlon Reis (juiz aposentado, um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa, hoje advogado no Maranhão) e Thiago Bottino (professor de Direito da Fundação Getulio Vargas-Rio). Confira abaixo trechos dos principais diálogos gravados e a interpretação feita pelos especialistas:
DIÁLOGO SOBRE MESADA AO EX-DEPUTADO EDUARDO CUNHA
Joesley Batista – Deixa eu te ouvir um pouco, presidente, como o senhor está nessa situação toda aí? Eduardo... Não sei o que... Lava Jato...
Michel Temer – O Eduardo resolveu me fustigar, né? Você viu que...
Joesley – Eu não sei, como está essa relação?
Temer – Tá bem. Não tem nada a ver com a defesa dele. O Moro indeferiu 21 perguntas dele que não tem nada a ver com a defesa dele. Era só para me entrutar. Não fiz nada por ele no Supremo Tribunal Federal...
Joesley – Eu, dentro do possível, fiz o máximo que deu ali, zerei tudo. O que tinha de alguma pendência daqui para ali, zerou.
Temer – Tem que manter isso, viu?
Joesley – Todo mês, também. Estou segurando as pontas por aí. Tem os processos, estou meio enrolado aqui, no processo assim...
O QUE DIZEM OS ESPECIALISTAS:
- Mamede Said: "Apesar de Temer não falar em dinheiro, ouve passivamente a narrativa de apoio 'mensal' a Cunha, como se fosse algo trivial."
- Cezar Bitencourt: "Temer se referiu genericamente, aprovou a ideia de manter a boa relação com o Cunha. Não fala em comprá-lo. Ele não pode ser condenado pelo que não fez, já que não determinou a compra do silêncio do preso."
- Márlon Reis: "É a parte mais fraca do diálogo. Temer fica quieto quando deveria ter manifestado espanto diante da confissão de mensalidade."
- Thiago Bottino: "Achei que o diálogo era mais forte. Não é a prova que se imaginava, mas pode gerar inquérito."
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DIÁLOGO SOBRE A COMPRA DE DOIS JUÍZES E UM PROCURADOR DA REPÚBLICA
Joesley Batista fala a Temer sobre o procurador Ângelo Goulart Vilela, preso por dar informações privilegiadas ao empresário, e dois juízes sob investigação.
Joesley Batista – Tem os processos, eu to meio enrolado aqui.
Temer – Mas você tá com os processos?
Joesley Batista – É investigado, eu não tenho ainda denúncia. Aqui, eu dei conta, de um lado, do juiz. Dá uma segurada. Do outro lado, um juiz substituto que é um cara que fica "hm".
Temer – Tá segurando os dois?
Joesley Batista – Tô segurando os dois.
Temer – (Inaudível)
Joesley Batista – Eu consegui um procurador dentro da força-tarefa que está também me dando informação. E eu lá, que estou para dar conta de trocar o procurador que está atrás de mim. Se eu der conta, tem o lado bom e o ruim. O lado bom é que dá uma esfriada até o outro chegar e tal. O lado ruim é que se vem um cara com cargo que não sei o que.. O que está me ajudando está bom, beleza. Agora tem um que está me investigando. Eu consegui colar um no grupo. Agora estou tentando trocar...
O QUE DIZEM OS ESPECIALISTAS:
- Mamede Said: "É a pior parte. Temer ouve Joesley descrever, literalmente, a compra de um procurador e juízes. E não faz nada."
- Cezar Bitencourt: "Aí o Temer teria de ter agido. Ou repreendendo o interlocutor (Joesley), ou denunciando ele ao Ministério Público ou à polícia. Um cidadão comum até pode calar diante da suposta compra de magistrados. Uma autoridade, como o presidente, tem o dever de denunciar crimes."
- Márlon Reis: "Temer compactua com um crime. Pode ser enquadrado em crime de responsabilidade."
- Thiago Bottino: "O presidente deveria ter falado que é crime, que iria chamar o procurador da República. Não apenas por uma questão moral, mas porque ele é uma autoridade pública. Ele prevaricou."
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DIÁLOGO SOBRE O DEPUTADO ROCHA LOURES E A MALA DE DINHEIRO
Conforme Joesley Batista, o presidente Michel Temer indicou o deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) para agir em nome de interesses do grupo JBS. Loures foi filmado posteriormente, pela Polícia Federal, recebendo uma mala de dinheiro das mãos de um emissário de Joesley.
Joesley – Eu queria falar sobre isso, falar como é que é (...) vim falar contigo, qual a melhor maneira. Porque eu vinha falando através do Geddel. Eu não vou lhe incomodar, evidentemente, se não for algo assim...
Temer – Sei.
Joesley – Eu sei disso, por isso é que...
Temer – (inaudível)
Joesley – É o Rodrigo? Ah, então ótimo.
Temer – Pode passar por meio dele. É da minha mais estrita confiança.
Joesley – Eu prefiro combinar assim. Se for alguma coisa que eu precisar, e tal, eu falo com o Rodrigo. Se for algum assunto desse tipo, aí...
O QUE DIZEM OS ESPECIALISTAS:
- Mamede Said: "Homem de extrema confiança do presidente, indicado para lidar com Joesley, Rocha Loures usa o nome de Temer ao se apresentar ao emissário do empresário. E sai com uma mala de dinheiro. Vai ser difícil explicar isso no processo judicial. Para onde foi o dinheiro? O presidente sabia?"
- Cezar Bitencourt: "É uma situação delicada. Não sabemos se o deputado cobrou em nome do Temer, mas o presidente o indicou como interlocutor."
- Márlon Reis: "O presidente nomeia como interlocutor um homem que, dias depois, atua como cobrador de propina. Temer incorre em associação criminosa, participa do crime."
- Thiago Bottino: "Ele é o emissário de Temer, mas não se pode afirmar que o presidente sabia da corrupção. Caso fique comprovado, é caso de organização criminosa."
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AVALIAÇÃO DOS JURISTAS SOBRE TODA A CONVERSA:
- Mamede Said: "Não é nada republicano o chefe da nação travar diálogo, no Palácio do Jaburu, com um homem investigado em vários inquéritos criminais."
- Cezar Bitencourt: "Temer sofreu uma cilada, armada por alguém (Joesley) que será preso se não colaborar. Eu tenho uma obra sobre flagrante preparado (algo admissível) e sobre flagrante provocado (criminoso). Me parece um flagrante provocado, em que o presidente é induzido a ouvir relatos de crimes."
- Márlon Reis: "Toda a conversa é permeada de tráfico de influência. O empresário quer influenciar no Cade e na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e pergunta se pode usar o nome de Temer. O presidente autoriza: 'Diz que falou comigo'. Isso é muito grave, acaba com qualquer isenção."
- Thiago Bottino: "Me parece que, de modo geral, houve prevaricação do presidente (omitiu crimes do qual teve conhecimento)."
Confira abaixo a íntegra do diálogo: