Passados exatos 37 anos da sua morte no exílio, o ex-presidente João Goulart, o Jango, será enterrado pela segunda vez hoje, em São Borja, no cemitério Jardim da Paz.
Diferentemente da primeira vez, em 6 de dezembro de 1976, quando foi sepultado às pressas por pressão do regime militar, Jango terá, agora, as honras e solenidades que não foram permitidas no passado.
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Os restos mortais do líder trabalhista devem chegar à cidade às 11h. A cerimônia religiosa e o enterro estão previstos para a tarde. Exumado no dia 13 de novembro por uma equipe de 14 peritos, sob supervisão da Comissão Nacional da Verdade e da Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República, o corpo de Jango foi levado para Brasília.
Especialistas fizeram coletas, e o material foi enviado para dois laboratórios europeus. Ainda não se sabe quantos meses de análise dos despojos serão necessários. No final, o objetivo é responder a uma dúvida histórica: Jango foi vitimado por um infarto, conforme registrado na documentação oficial, ou envenenado por agentes da ditadura militar no desenrolar da Operação Condor?
Enquanto a pergunta permanece sem resposta, o ex-presidente, afilhado político de Getúlio Vargas e natural de São Borja, voltará ao seu lugar de repouso, o jazigo da família Goulart. A ideia é envolver a população.
Na chegada, haverá salva de tiros de fuzil
No dia da exumação, o rigor técnico que cercava o trabalho impediu a aproximação dos moradores e a visualização da exumação. Agora, tudo deve ser diferente. Os vereadores aprovaram um projeto do prefeito Farelo Almeida (PDT), que decretou feriado geral no município no dia do enterro.
- Tudo vai ser aberto à comunidade. Estamos falando do João Goulart, o nosso ex-presidente. Isso só vai ocorrer uma vez na vida, temos de prestigiá-lo - diz Farelo, justificando o feriado, que sofreu resistência dos empresários.
Para a família, a expectativa é de que o momento seja de reencontro e homenagens, algo distinto do episódio da exumação, que se estendeu por 19 horas de espera e angústia.
- Se é que pode existir um segundo velório, ele aconteceu com a retirada do caixão. Foi um momento que trouxe uma carga emocional muito pesada. Agora, com o feriado, esperamos que seja um evento público - explica Christopher Goulart, neto de Jango.
Residente em Porto Alegre, Christopher será acompanhado pelo restante da família, que virá do Rio de Janeiro, incluindo a viúva Maria Thereza Goulart.
- A expectativa é de que São Borja receba o seu filho. Vamos devolvê-lo a sua terra, onde ele merece estar, junto dos seus conterrâneos - afirma o filho João Vicente Goulart.
Trazido da capital federal por um avião da Força Aérea Brasileira (FAB), o esquife será recebido, no aeroporto de São Borja, pelo Exército. Depois de retirada da aeronave, a urna será coberta com a Bandeira do Brasil. A solenidade terá prosseguimento com uma salva de tiros de fuzil.
Em caminhão do Corpo de Bombeiros, o caixão será levado para a Igreja São Francisco de Borja, onde haverá uma missa pública presidida pelo padre Irineu Machado Guedes, convidado pela família Goulart.
A população poderá se aproximar do esquife. Depois, por volta das 16h, o cortejo seguirá para o cemitério Jardim da Paz, onde uma parte da busca pela verdade sobre a morte de Jango será encerrada.
Para Simon, resgate da memória de João Goulart é ato de amor à pátria
No sepultamento, estão previstas apenas duas manifestações: uma de João Vicente Goulart, em nome dos familiares, e outra do senador Pedro Simon (PMDB-RS), que participou da histórica reunião em Porto Alegre em que Jango, Brizola e outros líderes discutiram o que fazer diante do golpe.
Jango quis evitar um banho de sangue e o risco de guerra civil, enquanto Brizola insistia em resistir aos militares. Simon, então deputado estadual, assistia a tudo.
- O que é mais importante é que estamos, como nunca se fez, reescrevendo uma parte da história do país que estava mal contada. O que se falava em 1964 é que Jango havia fugido para lugar incerto, e o Congresso alegou vacância do cargo, consolidando o golpe. Na verdade, Jango estava em Porto Alegre. É um ato de amor a nossa pátria fazer as coisas serem ditas historicamente da forma como ocorreram - diz ele.
A escolha de Simon como orador passou pelo crivo da família.
- Ele esteve no enterro do Jango em 1976, era um amigo pessoal do meu avô. Entendemos que Simon está acima da questão partidária. A figura dele contempla a história e a família - afirma Christopher Goulart.
João Vicente diz que a necessidade de desvelar a verdade não acaba com a exumação:
- A exumação é só um dos meios para esclarecer o que aconteceu. Seguimos esperando a coragem, a dignidade e a soberania do Ministério Público Federal, que, até hoje, não abriu ação cautelar para ouvir os agentes americanos envolvidos no processo da Operação Condor.