Há décadas, as eleições presidenciais na América Latina costumam envolver um recurso bem conhecido nos noticiários de TV a cabo dos Estados Unidos: o consultor político norte-americano.
Na década de 1970, David Sawyer, pioneiro na área, trabalhou para o candidato venezuelano Lorenzo Fernández, que perdeu. James Carville, ex-consultor do presidente norte-americano Bill Clinton, trabalhou na vitoriosa campanha de Fernando Henrique Cardoso, em 1994, pela presidência do Brasil. Já Tad Devine, estrategista de Al Gore, ajudou Manuel Zelaya a ganhar a eleição presidencial hondurenha em 2005.
Porém, num desdobramento que reflete o declínio da influência de uma nação poderosa no hemisfério e a ascensão de outra, os consultores políticos brasileiros começaram a concorrer facilmente com os colegas norte-americanos, orquestrando campanhas por toda a América Latina e além. Ninguém exemplifica melhor essa mudança nos ares políticos da região do que João Santana.
No ano passado, Santana, 60 anos, supercompetitivo ex-letrista de uma banda de rock de vanguarda que se refere às eleições como um "combate quase sangrento", conquistou o feito extraordinário de comandar três campanhas presidenciais vencedoras ao mesmo tempo: Danilo Medina, na República Dominicana, Hugo Chávez, na Venezuela, e José Eduardo dos Santos, em Angola.
Como os estrategistas norte-americanos que o antecederam, Santana e outros consultores políticos brasileiros também sabem gerar polêmica. Enquanto ele cruzava o Atlântico para gerir campanhas na América Latina e na África, Santana também consolidava sua função como um dos consultores mais influentes nos bastidores do Partido dos Trabalhadores, no poder. Seu papel de eminência parda foi descrito pela revista "Veja" como "capaz de mapear os pontos fracos dos adversários com a precisão de um acupunturista".
Essa capacidade veio à baila na Venezuela, onde Chávez, que morreu de câncer em março, e seu adversário, Henrique Capriles Radonski, contrataram consultores brasileiros no ano passado. Para críticos de Chávez, foi uma disputa injusta em função do aparato de propaganda estatal à disposição do candidato.
Um famoso blog político venezuelano, o Caracas Chronicles, chegou ao ponto de chamar Santana de "Svengali", um manipulador, reconhecendo seu peso nas eleições.
"É a mais elevada forma de política de aerógrafo", afirmou Juan Nagel, economista e colaborador do blog, referindo-se à habilidade de Santana em suavizar a imagem de líderes como Chávez, cujas credenciais democráticas foram questionadas.
"A receita brasileira, não faz mal que esteja ajudando a eleger gente horrível, se resume a vencer", disse Nagel.
Numa rara entrevista, Santana rebateu a crítica por causa de seu trabalho com Chávez afirmando: "O impacto que nossa campanha teve entre os eleitores venezuelanos fala por si só".
Mais recentemente na Venezuela, Santana disse que está "auxiliando indiretamente" a campanha de Nicolás Maduro, herdeiro escolhido a dedo por Chávez, na eleição presidencial deste mês, sem montar uma equipe em Caracas, capital venezuelana. Um exemplo de seu trabalho é um videoclipe concebido por ele chamado "Ele renascerá", retratando o falecido presidente como uma força a permear a sociedade venezuelana.
Refletindo sua aceitação por clientes de todo o espectro político, Santana contou ter aceitado comandar a campanha, em 2014, do candidato do Mudança Democrática, partido de centro-direita do Panamá, além de ter aberto um empreendimento na Itália para começar a gerenciar campanhas na Europa.
Santana descreveu a política como uma atividade envolvendo teatro, música e ritos religiosos e, com uma ponta de humor, declarou a respeito de sua área de atuação: "Da mesma maneira que um psicanalista auxilia as pessoas a fazerem sexo sem culpa, nós ajudamos as pessoas a gostar de política sem remorso".
Antes de entrar para a política, Santana via esses desafios de outras perspectivas.
Sentando numa mesa reservada para ele no Parigi, restaurante frequentado pela elite paulistana, Santana relatou sua trajetória incomum. Nascido no interior da Bahia, Estado no nordeste brasileiro, o estrategista estudou em escolas jesuítas. Ele entrou no mundo da música como fundador da banda vanguardista de rock Bendegó, antes de se envolver com o jornalismo.
Naquela época, o longo período de governo militar no Brasil, de 1964 a 1984, cedeu espaço a uma transição democrática tumultuada. Em 1992, como repórter da revista "IstoÉ", Santana ajudou a garantir um furo famoso, a entrevista com um motorista de Brasília que descreveu o esquema de corrupção que levou ao impeachment do então presidente brasileiro, Fernando Collor de Mello.
Ele trocou o jornalismo pela política brasileira enquanto uma nova área se formava para os marqueteiros, como os consultores políticos são conhecidos em português. As leis forçam as redes de televisão a ceder espaço no horário nobre para a propaganda política, e os candidatos lutam para transformar temas de campanha em comerciais numa nação onde o voto é obrigatório.
Após anos de trabalho árduo numa série de campanhas, Santana teve sua grande chance em 2005, quando o então presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, o escolheu para comandar a campanha à reeleição. Era um momento crucial para Lula. O índice de aprovação de seu governo, fustigado por conta de um escândalo de compra de votos, caíra abaixo dos 30 por cento.
Santana ajudou a reverter esse declínio, reapresentando Lula como um líder sob o ataque das elites brasileiras, enquanto partia para a ofensiva afirmando que o adversário daria novo alento a um programa de privatização de estatais. Com a ajuda da economia em boas condições, Lula ganhou de lavada.
Recebendo milhões de dólares por algumas campanhas, Santana costuma se valer de grandes pesquisas com eleitores, ao mesmo tempo em que monta equipes enormes, incluindo cameramen, editores e músicos. Enquanto o Brasil começava a flexibilizar seu "soft power" no governo Lula, Santana e outros consultores brasileiros começaram a ser mais procurados.
No Peru, Ollanta Humala, figura militar nacionalista que perdeu a corrida presidencial em 2006 quando precisou rebater comparações a Chávez, contratou consultores brasileiros para a campanha de 2011. Ele venceu após se reposicionar como um moderado amigo das empresas, repetindo diversas vezes que Lula era uma fonte de inspiração.
Ainda assim, a ascensão dos marqueteiros do Brasil pode envolver fatores além do fascínio do modelo brasileiro de governar, que passou a ser criticado quando a presidente Dilma Rousseff encarou uma retração econômica. Santana também comandou a campanha de Dilma em 2010, ajudando-a - uma ministra que nunca havia disputado eleições - a se transformar numa comunicadora ágil na televisão.
Taylor C. Boas, cientista político da Universidade de Boston especializado em campanhas políticas latino-americanas, observou que o Brasil é uma grande república federal com uma série de eleições municipais, estaduais e nacionais. Segundo ele, o país divide características com os Estados Unidos e a Rússia, duas outras nações em que consultores políticos usaram campanhas internas como trampolim para trabalho no exterior.
"Na América Latina, os brasileiros têm a vantagem da proximidade cultural e idiomas que não são tão diferentes", afirmou Boas em referência ao espanhol e ao português. "E João Santana mostrou mais de uma vez que eles sabem administrar campanhas sofisticadas, e sabem como ganhar."
Além da América Latina, Santana foi posto à prova, ano passado, em Angola, a nação rica em petróleo onde Santos, no poder há mais de 33 anos, gastou grandes quantias para obter uma vitória da qual poucos duvidavam. Para Santana, era a chance de fincar o pé numa região que ganha contornos de fronteira para a consultoria política, à medida que crescem as economias africanas.
Segundo ele, os brasileiros têm laços sólidos com a África, citando estudos segundo os quais aproximadamente 70 por cento da população da Bahia, seu Estado natal, têm antepassados africanos, principalmente da região que agora forma o Benin.
"Tenho orgulho em ser um deles. Nosso DNA biológico e cultural apoia nosso trabalho na África."
The New York Times
Marqueteiro político brasileiro exporta campanhas vitoriosas
No ano passado, João Santana foi o consultor de três presidentes vencedores ao mesmo tempo
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