
Foi encontrado em Antônio Prado o auxílio para a falta de juízes em Caxias do Sul. O magistrado Nilton Luís Elsenbruch Filomena, 58 anos, assumiu a substituição da Vara de Execuções Criminais Regional (VEC). Acostumado com uma rotina de aproximadamente 4,5 mil processos, agora o juiz de Antônio Prado precisa percorrer aproximadamente 400 quilômetros e é responsável por mais de 6 mil apenados entre regimes fechado, semiaberto, aberto e penas alternativas.
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Ao aceitar o convite do Tribunal de Justiça, o juiz Filomena repete os seus primeiros anos de carreira: em 1988, ele atuou por substituição na maior comarca da Serra quando o fórum ainda ficava na esquina da Rua Montaury com a Sinimbu — onde atualmente, é o Palácio da Polícia.
— Aceitei em 10 de junho e estamos à disposição. Antônio Prado é apenas uma vara judicial e, assim, faço de tudo, inclusive VEC, embora com uma competência mais restrito. Aqui é só VEC, mas são oito presídios para cuidar. É volume, mas não há um distanciamento muito grande na atividade jurídica — comenta Filomena, que é o único magistrado de Antônio Prado há nove anos.
Atualmente, faltam seis juízes em Caxias do Sul. A Corregedoria-Geral da Justiça informa que há um edital de promoção com duas vagas para a comarca, cujo prazo para votação deve ocorrer em agosto. A expectativa, portanto, é que as vagas no 2º Juizado da 1ª Vara Cível e a 1ª Vara Criminal, que é a responsável pelos crimes contra a vida, sejam preenchidas nos próximos meses.
A Corregedoria ainda aponta que um novo edital deve ser aberto, em data ainda não definida, com previsão de provimento ainda neste ano. No total, o Rio Grande do Sul tem 81 magistrados a menos do que deveria. Há um concurso para juiz de direito em andamento, mas estes não viriam para Caxias do Sul. O início de carreira acontece em comarcas menores, como Antônio Prado.
Como conciliar as duas responsabilidades?
Nilton Luís Elsenbruch Filomena: Fico em Antônio Prado nas segundas, quartas e quintas-feiras. Em Caxias do Sul, são terças e sextas-feiras. Isto, no que se refere as atividades presenciais. Porque, temos pelo computador a possibilidade de atividades remotas. Estou em Antônio Prado e posso despachar para Caxias do Sul e região. Em todas as sextas-feiras saio com a segurança criminal para visitar presídios.
Até quando o senhor ficará em substituição na VEC?
Não há prazo definido. Enquanto isso, estou 100% dedicado as duas comarcas. Fiquem tranquilos que irei dar o melhor que puder.
Mas, afeta o serviço?
Estou me desdobrando. Ainda estou com Antônio Prado em dia, tanto que ontem (segunda-feira) saí de lá sem nenhum processo concluso para sentença. Estamos trabalhando normalmente, fazendo as audiências da VEC e com visita agendada para sexta-feira. Evidentemente, não sou onipresente. Não posso estar nos dois lugares ao mesmo tempo. Haverá situações em que conto com a competente assessoria que temos. Eles fazem a linha de frente, recebem a matéria, trocamos comunicações e, assim, sairão decisões que podem ser assinadas de forma remota. Tudo está fluindo normalmente.
Qual a primeira impressão sobre a VEC?
Conhecia em parte a situação porque fiquei pouco mais de um ano respondendo pela VEC de Bento Gonçalves antes da regionalização. Então, já conhecia uma certa realidade e, agora, estou ampliando o conhecimento da realidade que é igual para todos. Praticamente, três por um. A única exceção, talvez, seja Penitenciária (Estadual de Caxias do Sul na localidade) do Apanhador. Todos os outros presídios são, praticamente, três presos por vaga. Estamos esperando por Bento, que terá a inauguração e a transferência dos presos para a nova casa prisional.
A preocupação é que aconteça como na Região Metropolitana, onde novos presos ficam em delegacias e viaturas?
Não é um cenário muito distante e pode ocorrer a qualquer momento. O que estamos pensando em fazer é a polícia prender e levar para o presídio, para não ficar em delegacia. Uma vez lá dentro do sistema, temos que pensar em uma forma de transferir para onde está menos lotado neste cenário de superlotação. A única ideia, situação ou proposta para não ocorrer o que já ocorre na Região Metropolitana, é deixar entrar no sistema. Não deixar trancado em delegacias. Uma vez dentro do sistema, tentamos transferir para acalmar onde está mais superlotado.
Continuam as decisões dos quatro presídios interditados (Caxias do Sul, Bento Gonçalves, Canela e Vacaria)?
Fui quem interditou Bento quando ainda substituía lá. Na época, Bento já estava com 300 e tantos presos, ou seja três por um, e, na época, fiz esta determinação para não ficar em delegacia: prende, leva para o sistema e transfere. Esta outra parte é mais morosa. Entrar no sistema fácil, transferir dentro do sistema está complicado. As decisões (de interdição) estão mantidas. Não vim para fazer alterações de grande vulto, neste momento. Primeiro temos que ter chão e depois projeto. Hoje, não temos projeto de vagas. Não existe. O que temos para desafogar é Bento. Precisamos sentar com a Delegacia (Penitenciária) Regional e ver o que fazer. Hoje, se pegarmos os presos fechados de Bento e colocarmos na casa nova, sobra espaço. Mas, vamos deixar assim? Ou iremos lotar o espaço que sobra com outros que serão transferidos? É algo que precisamos discutir.
Por fiscalizar e decidir interdições de presídios, um juiz da VEC é dos que mais sofre com a opinião pública sobre o prende e solta?
A responsabilidade não pode ser somente do juiz da VEC. Os presídios são do estado e administrados pela Susepe. Compete a eles, prioritariamente, adotar as medidas para manter um presídio e ampliar se for necessário. Nós exercemos um trabalho de fiscalização. Muitas vezes, podemos ajudar com os recursos da VEC. Mas, não podemos jogar tudo das costas do Judiciário. O Judiciário tem uma função e o Executivo tem outra. Construir ou ampliar presídios não é função nossa. Não somos um poder substituto. Temos que ter bem clara a ideia da tripartição de poderes. Somos independentes e harmônicos, mas cada um tem sua obrigação. A minha atuação é fiscalizatória e apontar os erros que encontrarmos, as vicissitudes e, se possível, dialogar para encontrar soluções. Mas, não vim assumir a competência de ninguém.
Fiscalizar presídios costuma ser apontar inúmeros erros...
Sim, a falência é geral. Mas, temos que ter o choque de realidade. O estado está quebrado. O estado não tem recursos. Temos que tentar trabalhar com o que existe. O que existe hoje não nos permite alçar voos. Não temos como construir presídios. O que propus em outra entrevista recente foi pedir para a população abrir um pouco a angular da sua lente. Sempre falamos em ajudar a polícia e ajudar a polícia. Mas, ajudando a polícia, estamos trazendo presos para o presídio. Quando iremos olhar para a Susepe e ajudar também a Susepe? É um trabalho social. Precisamos abrir nosso leque. A polícia precisa de viaturas? A Susepe também. Precisa de estrutura? A Susepe também. Precisa de efetivo? A Susepe também. A proposta que faço é ampliar este olhar. Segurança pública não é só polícia nas ruas, mas também é ter aonde colocar os presos. E colocá-los de uma maneira que não afronte tanto os Direitos Humanos. Esse, talvez, seja o nosso maior vício.
Como percebe a ressocialização na Serra?
Vejo a punição ao preso por um binômio: prevenção e ressocialização. Também podemos acrescentar a repressão. Em termos repressivos, nosso sistema está mil por cento. Quem cai lá dentro está realmente sendo punido. O que temos que trabalhar é esta parte de ressocialização. Não vim aqui para mudar nenhum projeto. Até agora, a VEC foi competentemente trazida pela doutora Milene (Rodrigues Fróes Dal Bó). O que podemos ter é alguns pontos divergentes em uma situação bastante peculiar e, se isto ocorrer, não haverá nenhum escândalo e . será bem tranquilo. Em princípio, tudo será mantido na medida das possibilidades. Mas, tenho aquela visão mais firme, a sanção penal também é a repressora.
Há um prazo para a Serra receber as novas tornozeleiras?
Estamos aguardando. Sexta-feira pude conhecer o modelo novo no Apanhador e é bem diferente do sistema que temos hoje com aquela cinta facilmente violável. É um sistema muito interessante, mas precisamos esperar receber. Temos que ver quantas iremos receber e que demanda podemos atingir. Só tivemos um encontro oficioso sobre isso, quando estivemos na outra sexta-feira no novo presídio de Bento numa solenidade em que o governador (Eduardo Leite, do PSDB) esteve para entregar armas e uma viatura. Conversamos rapidamente com o delegado regional que disse não estar confirmado o número de tornozeleiras. Quando receber, poderemos trabalhar. Mas, a primeira função é recolher as que estão nas ruas e substituí-las pelas novas. Depois, veremos quantas teremos para ampliar o leque de uso.
A preocupação é com os apenados em prisão domiciliar? Em dezembro, eram 504 aguardando por tornozeleiras em Caxias do Sul.
Não tenho um número atualizado. Não gosto de prisão domiciliar. Acho um verdadeiro estelionato com a sociedade porque estamos dizendo que o sujeito está preso e, na verdade, ele está em casa. Está cumprindo pena, mas não há um controle sobre isso. Só que não temos tornozeleiras e não há o que fazer. Não podemos deixar no fechado um apenado que é do semiaberto (o albergue prisional está interditado e precisa de reforma desde o dia 5 de agosto de 2016). É uma situação que estamos amarrados. O sistema todo está engessado. Infelizmente, acontece o que alguns chamam de preso da nuvem. Sujeito está preso, mas não está monitorado, não está em cela, não está em Instituto Penal, apenas está em casa.
A VEC da Serra completou um ano em junho. É vantagem ser regional?
O bom da VEC Regional é tentar dar uma sistematicidade. Ou seja, o que ocorre em uma casa prisional pode ocorrer nas demais da região. Esta é a grande vantagem. E ter uma pessoa só a percorrer as casas prisionais, ouvir os problemas e trazer para construção de soluções. Insisto nessa palavra, construir. Porque nada tem condições de hoje ser ditado, imposto. Temos que buscar soluções coletivas: Judiciário, Susepe e Executivo. Estamos vendo, até por Porto Alegre (presos em delegacias e viaturas), que a imposição não está dando resultado. Só estamos apenas escondendo os presos: os que estavam na (Avenida) Ipiranga, agora estão sendo escondidos em outro lugar. A situação continua a mesma. Soluções, neste caso, são construídas.
VARAS SEM JUÍZES:
Com edital aberto e expectativa de preenchimento nos próximos meses:
:: 1ª Vara Criminal (Vara do Júri) - em substituição está a juíza Gabriela Irigon Pereira, da 2ª Vara Criminal de Caxias do Sul.
:: 2º Juizado da 1ª Vara Cível - em substituição está o juiz Darlan Élis de Borba e Rocha, do 1º Juizado da 1ª Vara Cível.
Aguardam abertura de edital:
:: 2ª Vara Cível Especializada em Fazenda Pública - em substituição está o juiz João Pedro Cavalli, do Juizado Especial da Fazendo Pública em Caxias do Sul.
:: 2ª Vara de Família - em substituição pela juíza Milene Rodrigues Fróes Dal Bó, da 1ª Vara de Família de Caxias do Sul.
:: Vara de Execuções Criminais Regional - em substituição está o juiz Nilton Luís Elsenbruch Filomena, de Antônio Prado.
:: Vara da Infância e Juventude - em substituição está o juiz Emerson Jardim Kaminski, do Juizado da Violência Doméstica.




