Os dados do Cadastro Único mostram que a soma de pessoas que se declaram pobres ou extremamente pobres vem oscilando para baixo ou para cima desde 2015 em Caxias do Sul.
Naquele ano, por exemplo, o município tinha um total de 10.786 famílias nessas condições. Em 2019, são 9.617 famílias, queda de 10,7%. A variação para menos pode ter relação com a conquista de empregos a partir da recuperação econômica registrada em 2018, com a reorganização familiar ou até mesmo com a mudança de famílias que não encontraram oportunidade para continuar morando em Caxias.
O problema se sobressai quando os números são analisados separadamente.
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Em março de 2016, auge da retração econômica no Brasil, 4,2 mil famílias viviam com renda de até R$ 3 por dia per capita em Caxias, o que representava uma redução de 15,6% na comparação com 2015. Os números voltaram a crescer gradativamente a partir de 2017, com raros períodos de redução.
Em 2019, com 6.381 famílias abaixo da linha da pobreza, o acréscimo é de 27,4% em relação a 2015 e de 51% em relação a 2016. Se as informações prestadas pelas famílias são genuínas, fica escancarado que há muito mais pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza, um indicativo de quanto a miséria é maior do que há quatro anos e de como as histórias de fome e privação se multiplicam e exigem reações mais contundentes.
A explicação para o intenso empobrecimento seria a estagnação da economia, a elevação do custo de vida e a dificuldade para se conquistar um emprego formal. Mas também é preciso considerar a inclusão de pessoas que não estavam no radar da assistência social. Apesar dos números, Alexandra Sant'Anna, diretora de Proteção Social Básica da Fundação de Assistência Social (FAS), diz que não é possível afirmar que a pessoa classificada como pobre está migrando para a extrema pobreza e tampouco relacionar a situação simplesmente à perda de emprego.
— Dificilmente a extrema pobreza está relacionada a uma situação pontual, como a perda do emprego, mas pode ocorrer — pondera Alexandra.
"Meus filhos tiveram que comer pipoca no almoço e no jantar"
O arranjo familiar das pessoas em situação de extrema pobreza é parecido. Segundo a percepção de quem atua na assistência social, mulheres sem cônjuge e com filhos são as que mais aparecem na lista, mas também há muitos homens, idosos e moradores de rua. A diferença é a participação, notada desde 2015, de pessoas que perderam o emprego e passaram a viver de biscates por não terem qualificação suficiente para uma recolocação.
Sem dinheiro, muitos passam por situações graves, caso de uma moradora da área central. Ele pede o anonimato, pois teme perder a guarda dos filhos. A jovem de 23 anos é atendida pelo CRAS Centro e está há um ano e meio sem trabalho fixo. O dinheiro da pensão das crianças e os R$ 212 do Bolsa Família são usados para pagar o aluguel e a água. Parte do orçamento é completado com trabalho esporádico numa pet shop. A comida vem de doações, mas geralmente só dura até o final do mês, quando o drama se amplia. Dias atrás, as crianças passaram o dia comendo apenas pipoca por não ter outra alternativa.
— Meus filhos tiveram que comer pipoca no almoço e no jantar. Graças a Deus no outro dia consegui comida. Acredito em Deus. Vou arrumar um emprego, preciso de um emprego — emociona-se a jovem.
Eduarda Pinheiro de Oliveira, 21 anos, moradora do São Vicente, também se enquadra no perfil de mãe e desempregada. Ela não consegue trabalho com carteira assinada e vende lingerie e produtos de catálogo, renda que é incerta. Sua situação só não é pior porque compartilha a moradia com a mãe e outros familiares. A mãe dela, porém, ficou sem o salário de cuidadora.
A Pastoral da Criança, entidade parceira da rede de assistência social, detectou crianças com pouco acesso à comida nos bairros, situação que remete à década de 1980. São duas mil famílias e seus filhos monitorados pelas voluntárias do programa.
— Nossas líderes vão todos os meses nas casas e veem a vulnerabilidade aumentando. Está voltando a questão das crianças abaixo do peso por falta de comida, sendo que nos últimos anos era ao contrário. Ficamos angustiados porque se vê panelas vazias — alerta a coordenadora diocesana da Pastoral, Doracélia Mello dos Santos.
Em 2018, a FAS repassou mensalmente 589 cestas básicas para famílias de baixa renda, volume que aumentou para 655 neste ano _ em 2016, eram 800 cestas mensais. Para o segundo semestre, há uma estimativa de aumento na distribuição. Na Pastoral do Pão da Paróquia da Imaculada Conceição, na Zona Sul, a fila por cestas básicas é uma das maiores da cidade. O desafio é equilibrar as doações da comunidade com a alta procura. Em 2018, eram 220 cestas mensais, volume que aumentou para 300 cestas.
— Tem muito desempregado, solicitamos que mostrem a carteira de trabalho para ver há quanto tempo estão assim. A cada dia, tem gente nova — diz o coordenador da pastoral, José Adonir Rodrigues.