A data está gravada na memória do caxiense Johnatan Guedes: 11 de junho de 2018. Foi quando o jovem de 27 anos finalmente conseguiu emprego, após dois anos sem ter a carteira de trabalho assinada. No auge da crise que afetou em cheio Caxias do Sul, ele havia sido demitido de uma empresa de manutenção de ar condicionado. Para se manter durante o período desempregado, teve de realizar bicos. Entre uma tarefa informal e outra, tentava se recolocar no mercado, mas sem sucesso.
– Fazia trabalho na construção civil, de manutenção elétrica, o que aparecesse. Dava para pagar as contas básicas e só. Tinha mês que trabalhava uma semana e ficava o resto parado. Foi bem complicado – recorda.
Leia mais:
Setor de serviços gera chance de recomeço para ex-funcionários da indústria em Caxias
Apesar de saldo positivo em 2018, Caxias tem déficit de 20 mil vagas
Até que, no início do ano passado, Guedes viu em uma rede social que estava ocorrendo processo seletivo com vagas em uma indústria da cidade. O anúncio não informava qual era a empresa, mas mesmo assim decidiu se inscrever. Ao passar na seleção, soube que a vaga era na Randon. Desde então, atua como montador na linha de produção. Ele conta que aprendeu a função na prática e, agora que se adaptou ao cargo, traça planos para o futuro. Pensa em crescer e se prepara para entrar na faculdade.
– Passei no vestibular e vou começar a cursar engenharia de produção no segundo semestre – comemora.
Em 2018, histórias de volta por cima, como a da Guedes, voltaram a acontecer com mais frequência em Caxias do Sul. Pela primeira vez desde 2013, a cidade fechou o ano com mais contratações do que demissões. Ao todo, foram geradas 5,1 mil vagas formais, de acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). O resultado acabou sendo influenciado, principalmente, pelo desempenho da indústria de transformação, que criou 4 mil oportunidades. Ou seja, oito de cada dez vagas abertas foram no setor produtivo.
Com as carteiras recheadas de pedidos, as principais empresas caxienses voltaram a admitir. Grandes levas de contratações foram realizadas já no primeiro semestre. Rudenval Tavares Junior, 24 anos, lembra que, quando começou na Randon, em fevereiro do ano passado, participou da integração com outros 96 colegas recém-contratados. Ele conseguiu o emprego depois de um ano e oito meses desocupado, fazendo apenas bicos. Hoje, trabalha no setor da caixa de carga da fábrica.
Para quem voltou a ter um emprego, até mesmo pequenos detalhes da rotina acabam sendo significativos. Tavares recorda do exato momento em que recebeu o primeiro contracheque.
– Quando veio o salário foi uma sensação de alívio. Eu me emocionei. Quando fazia bicos, às vezes tinha empresas que combinavam de pagar em uma data, mas chegava o dia e pediam mais tempo – lembra.
A tendência é de que o movimento de contratações na indústria siga em 2019. O presidente do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Caxias do Sul (Simecs), Reomar Slaviero, vê boas perspectivas para o mercado de trabalho nos próximos anos. Hoje, o setor conta com 37 mil empregados na cidade. Ou seja, ainda há margem para expansão. Porém, o dirigente alerta que dificilmente se chegará à marca de 55 mil trabalhadores que se atingiu no passado.
– É possível chegarmos a um volume de 45 mil trabalhadores, o que poderia ocorrer nos próximos dois anos – calcula Slaviero.
Para que as companhias admitam, será necessário continuar aumentando as vendas. No ano passado, o faturamento industrial em Caxias foi de R$ 15,2 bilhões, expansão de 16%. O número está longe do melhor momento do setor, que entre 2010 e 2014 tinha receita anual média de R$ 24 bilhões. De acordo com estimativa do Simecs, o segmento só voltará a superar a barreira dos R$ 20 bilhões a partir de 2021.
Do polo naval ao metalmecânico
Cidade mais industrializada do Rio Grande do Sul, Caxias se tornou conhecida por atrair mão de obra vinda de diferentes partes do Estado e até mesmo de outros lugares do Brasil. Durante a crise, essa movimentação arrefeceu. Agora, com a retomada das contratações nas empresas, ela volta a aparecer aos poucos.
Natural de Rio Grande, Márcio Soares, 27 anos, trabalhava no polo naval da cidade. Durante anos, a montagem de plataformas para a Petrobras transformou a cidade da região Sul, que passou a mobilizar milhares de trabalhadores nos estaleiros. Mas, em pouco tempo, o cenário mudou. Soares perdeu o emprego, na onda de demissões que atingiu o município após a queda abrupta na demanda no setor naval, e decidiu se mudar para Caxias em janeiro de 2017.
- Vim com foco de ir para a indústria, mas na época não havia vagas. Então, trabalhei temporariamente na construção civil. Um ano e meio depois de chegar a Caxias, comecei a escutar que estavam contratando na Marcopolo. Deixei o currículo e me chamaram – relembra.
Soares começou na unidade de Ana Rech da Marcopolo como auxiliar, em junho de 2018. Mesmo com pouco tempo de empresa, já ascendeu ao cargo de montador de equipamento de refrigeração. Adaptado a Caxias, o trabalhador não pensa mais em voltar a Rio Grande e tem como meta aprender novas funções na fábrica de ônibus.
- Quero chegar ao ponto de saber fazer todas as funções dentro da fábrica. É muito gratificante ver teu trabalho nos carros saindo da indústria - aponta.