É o caso do agricultor Aparício da Silva Machado, 57 anos, que mora em Criúva, no interior de Caxias do Sul. Ele substituiu as lavouras de milho pelo plantio de pasto para alimentar o gado.
— No ano passado não colhi quase nada, perdi mais de 100 sacas. Os javalis comeram tudo — lamenta.
Leonardo Alves Ramos, 20, mora com a família em São Jorge da Mulada, e também desistiu da cultura.
— Já não planto mais milho para não me incomodar com os javalis —conta.
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Não é de hoje que esses animais, também conhecidos como porcos-bravos, estão causando danos enormes nas lavouras do Rio Grande do Sul. Eles comem qualquer coisa: milho, batatas, aipim, pinhão, amendoim, pequenos animais.
— Por onde passam, não sobra nada — reclama Machado.
Por ser um animal originário da Europa, ele não encontra predadores naturais por aqui e sua reprodução aumenta extraordinariamente. Não há estimativa do número de javalis na Serra ou no Estado, mas uma fêmea pode parir em média sete leitões por gestação, duas vezes por ano. Considerando-se uma taxa de sobrevivência de 70% e que metade das crias sejam fêmeas, que passarão a reproduzir depois de um ano, um grupo inicial de dez fêmeas pode originar uma vara de 3,5 mil javalis em seis anos. Um javali pode derrubar mais de 50 pés de milho por dia.
Em Caxias do Sul, os principais problemas são registrados nas localidades de Criúva, Vila Seca, São Jorge da Mulada e se estende para os Campos de Cima de Serra, onde quase não existem cercas que os impeçam de arrasar lavouras.
Os cadernos técnicos da Equipe Javali no Pampa definem o animal como muito agressivo, especialmente se for acuado. Fêmeas que protegem os filhotes e machos solitários são perigosos. O javali é ágil e tem quatro dentes caninos afiados, de até 10 centímetros, que podem destroçar vestimentas e até a pele de animais. É um animal noturno e ataca as lavouras à noite.
A principal saída para controlar a superpopulação, segundo os produtores, é a caça do invasor. Caçadores profissionais são autorizados pelos proprietários das terras a entrarem em suas terras para procurarem e abaterem os animais. É uma tarefa árdua, que exige experiência e persistência. No Brasil, a caça foi liberada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em 2013. No Rio Grande do Sul, o abate está autorizado, via portaria, desde o ano de 2001.
Como o javali entrou no RS
Registros históricos indicam que o javali europeu chegou à América Latina trazido por fazendeiros da Argentina e do Uruguai para se tornarem atração em propriedades de caça esportiva no começo do século 20.
Os animais acabaram entrando no Rio Grande do Sul, que tem fronteira com os dois países, e ainda nos anos 80 iniciaram o cruzamento com o suíno doméstico, muitas vezes criado solto. O resultado ficou conhecido como "javaporco", um animal de maior robustez física e maior quantidade de carne, mas com as mesmas características selvagens do javali.
Nos anos 90, com a explosão do interesse pela carne exótica, produtores de todo o país obtiveram do Ibama a autorização para a criação em cativeiro do javali, com vistas à exploração comercial.
O negócio, depois do frenesi inicial, passou a não ser tão vantajoso, já que o tempo para a terminação do porco asselvajado corresponde a mais do que o dobro do necessário para o suíno doméstico. O custo de produção acabou sendo muito maior do que imaginavam e os investimento foram abandonados. Mas o javali ficou por aqui e a alta disponibilidade de alimento o fez reproduzir rapidamente.
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