A inflação não é um fenômeno novo na história econômica do brasileiro. Tão pouco do caxiense. Após 30 anos do Plano Cruzado, o primeiro de uma sequência de planos de estabilização dos anos 80 para domar a inflação, a escalada dos preços continua atormentando a vida dos brasileiros. E dos caxienses.
Não é a superinflação da década de 80. Mas o resistente IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) de 10,36% - acumulado dos últimos 12 meses - não autoriza comemoração.
Em Caxias do Sul, o cenário é ainda pior. A escalada passou dos dois dígitos. Índice divulgado ontem pelo Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais (Ipes) da UCS aponta para uma inflação de 11,10% no acumulado dos últimos 12 meses - 0,74% maior que a inflação do país. Um dos mais altos índices dos últimos 20 anos. Em fevereiro, a alta chegou a 0,94% contra -0,9% no país.
A cesta básica subiu 12,92%. Em fevereiro, chegou a 1,56%. A "mordida" é sentida diariamente pela dona de casa Ilse Bernardi, 63 anos, que vai todos os dias ao supermercado.
- Estou apavorada - resume.
A família de quatro pessoas teve que abrir mão de vários produtos na mesa. A carne foi uma delas. Só tem pratos com frango ou gado três vezes por semana.
- No resto dos dias vou inventando opções com frutas e legumes, que também não estão baratos.
O mamão, por exemplo, foi um dos vilões. Em fevereiro explodiu em 31%. Logo em seguida vem o pão de forma, com alta de 28%, e a cebola, com acréscimo de 17,4%.
- Está difícil sair para a rua. A pesquisa de preços já não adianta mais, nem mesmo na Feira do Agricultor - desabafa a dona de casa.
A alta do mamão foi sentida pelo programador de injetoras André Picolli, 42, que abriu mão da fruta no café da manhã.
- A alta foi absurda. Estou tentando substituir por outra fruta em oferta.
Segundo a pesquisa, um dos poucos itens em que o preço recuou foi a maçã: -13,1%. O tomate também baixou em 17,3%. Picolli perdeu o emprego em agosto de 2015. Apostou na produção de uva e caqui.
- A geada queimou quase tudo. Senti mais a perda da lavoura do que o emprego -revela.
Há um consenso entre os economistas de que sem uma política fiscal que gere superávit suficiente para reduzir a dívida bruta como proporção do PIB não haverá sucesso no combate à inflação. O doutor em Administração e coordenador do Ipes da UCS, Roberto Birch Gonçalves, diz que o combate tem que ser feito em conjunto. Governo, iniciativa privada e o povo.
- Todo mundo acha que a culpa é do outro. Cada um precisa fazer a sua parte. Ele cita como exemplo o caso do mamão.
- Se preço está alto, substitua por outra fruta. O caxiense dificilmente faz isso - diz Birch.
Mudança de hábitos
Quem vai ao supermercado toda a semana as finanças da casa precisa arrumar um jeito de driblar a crise. A economista Viviane Basso, 41 anos, conta que há um ano comprava e não olhava o preço do produto. Ia pegando conforme a marca que mais gostava. Hoje, a situação mudou. Com dois filhos adolescentes, conferir o valor passou a ser rotina.
- Não tem outro jeito. Tem que substituir ou deixar de comprar.
A dona de casa Olga de Almeida da Silva, 64, ainda costuma fazer o rancho mensal e está assustada com a alta dos produtos.
- Está tudo pela "hora da morte". Não dá mais para encher o carrinho até transbordar. Já deixei de comprar muita coisa.
Para o cozinheiro Altemir Carvalho Berlin, a saída é usar a criatividade. Ele realiza cerca de seis eventos/festas por semana. Segundo ele, é preciso elaborar pratos mais bonitos com menos valor. Quando isso não é possível, o jeito é repassar para o consumidor final.
- O mondongo, por exemplo, estava R$ 5 até a semana passada. Foi só esfriar um pouco que saltou para R$ 12.
Entrevista - Coordenador do Ipes da UCS, Roberto Birch Gonçalves
Pioneiro: Porque a inflação dos alimentos é maior que a inflação geral?
Roberto Birch: Principalmente por causa da sazonalidade e das variações climáticas. Os alimentos como frutas e verduras são mais sensíveis ao tempo. Quando há uma geada fora de época, excesso de chuva como aconteceu nos últimos meses, a quebra nas safras são muito altas. Os produtores que conseguem salvar parte da colheita e os revendedores ditam os preços. Tem também o efeito cascata do aumento do combustível para os produtos que chegam de outros estados. E o "tarifaço", que inclui o aumento do ICMS.
Porque em Caxias a inflação subiu mais que no país?
Porque aqui há um consenso de que o poder de compra é alto. De que é possível comprar, pois o caxiense costuma adquirir o que quer. Isso acontece na maioria das vezes.
Qual o remédio para a inflação?
Combatê-la em conjunto. Não comprar o que subiu demais. Selecionar o que vai consumir.
O que esperar para o ano de 2016?
A tendência é que a inflação encerre o ano em 8%. Já há sinais de desaceleração da alta do dólar. Isso deve se refletir no preço dos alimentos. Mas é preciso que haja uma estabilidade política e econômica também. Só assim teremos chance de iniciar um processo de recuperação permanente.
Economia
Inflação dos últimos 12 meses chega a 11,10% em Caxias do Sul
O índice é mais alto que o nacional, que ficou em 10,36%. Em fevereiro, a cesta básica na cidade teve alta de 1,56%
Ivanete Marzzaro
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