O ano mal começou, mas o setor vitivinícola da Serra já pode considerar 2016 um dos mais desafiadores da história. Primeiro, uma série de intempéries climáticas resultou em uma quebra de safra que deve chegar a 65%, baixa que não se via há pelo menos sete décadas. Em seguida, o governo federal não repassou o subsídio previsto para o seguro agrícola, obrigando os produtores a arcar com uma conta que não é deles para poder recuperar parte dos prejuízos. Agora, empresas da região têm solicitado às autoridades brasileiras a permissão para importar suco concentrado e vinho a granel, alegando que a quebra de safra motiva a falta dos derivados da uva no mercado.
Para representantes do setor vitivinícola, "abrir os portões" para os produtos estrangeiros seria uma decisão prematura e representa um risco à sobrevivência dos produtores. As entidades ligadas ao Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin) ressaltam ainda que há sucos, vinhos e outros derivados da uva em estoque para abastecer o mercado interno.
- Temos 250 milhões de litros da safra passada em estoque e prevemos que a safra atual vai contabilizar cerca de 150 milhões de litros. Em todo o ano passado, foram comercializados aproximadamente 400 milhões de litros de derivados, o que mostra que teremos produto para o ano todo se tivermos o mesmo resultado - destaca Darci Dani, diretor-executivo da Associação Gaúcha de Vinicultores (Agavi).
A tendência, porém, é que o setor não repita o resultado do ano passado. Conforme Dani, os produtos vitivinícolas chegarão mais caros ao mercado neste ano, já que passaram por custos maiores na produção em função das condições adversas de clima. A inflação nos itens - somada com a perda do poder de compra dos consumidores ocasionada pela crise - deve motivar quedas nas comercializações:
- Se vendermos o mesmo que no ano passado, o que vai ser difícil, teremos um estoque praticamente zerado para a outra safra. Nesse caso, teremos que, por volta de outubro deste ano, avaliar as condições das parreiras. Se a próxima safra for prevista como ruim novamente, aí sim, com calma, temos que discutir o assunto. Precisamos lembrar que 15 mil famílias dependem disso na Serra, as decisões não podem ser tomadas de qualquer jeito - avalia Dani.
Olir Schiavenin, coordenador da Comissão Interestadual da Uva e presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Flores da Cunha e Nova Pádua, lembra ainda que a legislação permite a importação de sucos, vinhos ou néctar em embalagens de até cinco litros. A restrição é apenas para modalidade a granel:
- Foi uma batalha muito grande termos essa proibição em lei. Abrir esse precedente prejudica todo mundo, inclusive quem tá pedindo isso, porque eles não pensam que pode vir uma empresa chilena, por exemplo, se instalar aqui e trazer derivados de fora, vendendo mais barato que eles - alerta Schiavenin.
A proibição de produtos vitivinícolas a granel está prevista no Regulamento Vitivinícola do Mercosul e na Lei do Vinho. O objetivo da restrição é preservar a produção nacional.
'Vai faltar produto'
Enquanto o setor vitivinícola afirma que há estoque suficiente para a demanda, as empresas que pedem permissão para importar alegam que o produto não está disponível no mercado. Andres Arecco, diretor da Golden Sucos, de Farroupilha, conta que conseguiu, até o momento, comprar apenas cerca de 20% da quantidade de matéria-prima que utilizou no ano passado.
- Sei que a situação de alguns concorrentes meus é a mesma que a minha. Vai faltar produto e ninguém conseguiu me provar o contrário - destaca.
Para Arecco, o estoque citado pelo setor deve já estar na mão de algumas empresas, o que vai impedir muitas outras de trabalhar normalmente. O diretor acredita que, neste ano, as companhias maiores vão conseguir disponibilizar sucos (mais caros que no ano passado) e as menores vão ficar sem.
- O setor diz que abrir a possibilidade de importação é um risco à sobrevivência para os produtores. Não abrir, porém, certamente é um risco à sobrevivência para a gente -justifica.
O diretor destaca ainda que a permissão solicitada pelas empresas é provisória, apenas até que a situação de abastecimento se regulamente.
Segmento vitivinícola
Produtores da Serra Gaúcha temem que importação de suco e vinho a granel seja permitida
Setor acredita que autorizar a compra de produtos de fora representa risco à sobrevivência
Ana Demoliner
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