“O futuro da Festa da Uva vai muito bem, obrigada”.
Assim, a coordenadora do programa de pós-graduação em Turismo e Hospitalidade da UCS, Maria Luiza Cardinale Baptista, abre seu comentário sobre os rumos que o evento, cuja 34ª edição encerrou no último domingo, em Caxias do Sul, pode seguir em seu futuro próximo.
Para a pesquisadora, o evento pode ser considerado consolidado por seu forte apelo à regionalidade, tendo a uva como estrela maior, mas por se mostrar aberto a procurar diálogos com outras culturas, com municípios vizinhos, e assim cumprir o papel principal de uma festa regional, que é a de proporcionar o encontro. Nisto, aponta Maria Luiza, a própria pátria dos imigrantes pode servir como um espelho.
— Olhar para a Itália pode ensinar muito. Na reflexão da origem e da imigração italiana, há quem pense que já se falou o suficiente, há quem ache que tem de se falar apenas disso, mas é preciso pensar no que é a Itália. É um país cuja característica é a multiplicidade. A origem italiana é de mescla, de mestiçagem, e o país tem sido desafiado a fazer essa transmutação e acolher cidadãos do mundo todo. Caxias, da mesma forma, só é o que é pela importância não só dos italianos, mas de todos os povos que aqui transitam — destaca.
Há, no entanto, pontos em que a festa deve avançar, na opinião da especialista. O principal é a construção de conceito e de narrativa, a fim de tornar mais rica a experiência do visitante:
— A partir de questionamentos sobre qual a narrativa da Festa da Uva ao longo dos tempos, e qual a narrativa de cada edição, pode-se começar a refinar e a pensar no encadeamento da questão principal, que é: “onde está a uva na Festa?” Em que momentos da experiência do visitante dentro do parque a fruta vai estar presente? Quem vai na festa encontra com a uva logo na entrada, depois é convidado a conhecer a tradição italiana, mas o que vem depois? É importante pensar na caminhada do turista como uma sequência narrativa em que não se perca o contato com o elemento principal. A Festa é uma joia de Caxias, existe um amor em torno dela, dos valores e dos hábitos que ela representa, por isso o seu conceito tem de ser pensado com todo o carinho.
Para o turismólogo e ex-secretário municipal de Turismo Enio Martins, a Festa da Uva é um evento que serve como referência para todo o interior do Estado, em especial outros municípios da região, que buscam se espelhar no evento caxiense ao organizar suas próprias festas populares. Esta é uma razão pela qual, segundo o ex-secretário, toda mudança deve ser pensada com muita cautela. Mas Martins vê pontos em que o evento deve se aprimorar. O principal é a receptividade, que deve ser tão calorosa quanto são, na sua opinião, os desfiles cênicos.
— Após assistir o desfile, eu saí da Sinimbu com o recado do sorriso e do calor humano transmitido pelos figurantes, pela corte, e este foi um ponto muito positivo. Mas acredito que faltou um pouco disso na entrada do parque. Claro que as pessoas não foram mal recebidas, mas o momento em que o visitante chega ao parque num dia de festa precisa ser muito diferente que o de chegar em um dia qualquer. É preciso que, nos 18 dias do evento, a recepção seja calorosa, e que aquela pessoa que se dispôs a ir viver um momento de alegria se sinta abraçada. Não precisa ser o abraço físico, que também é importante, mas às vezes com uma palavra você já consegue transmitir este carinho — avalia Martins, que esteve à frente da parte do Turismo entre janeiro de 2021 e fevereiro 2023.
Além de atrair, o desafio é reter os turistas
Para lideranças do setor empresarial ligadas ao turismo, a 34ª Festa da Uva surpreendeu positivamente, especialmente na adesão do público. Nisso concordam a diretora de Turismo da Cic Caxias do Sul, Luciane Perez, e a coordenadora do núcleo de Turismo de Experiência, Cristiane Biazus. Ambas, no entanto, veem que há pontos a avançar em planejamento e divulgação, a fim de tornar a festa um produto turístico ainda mais robusto para a cidade.
— A gente teve uma boa resposta de público, que ajudou a movimentar muito a cidade e trouxe muitos ônibus de turistas. Mas a festa precisa antecipar os seus preparativos, a fim de possibilitar que o visitante se programe para permanecer mais tempo em Caxias e assim desfrutar melhor da cidade. A divulgação ainda fica muito centrada nos Pavilhões, enquanto o centro da cidade só fica com cara de festa quando a arquibancada é montada para os desfiles, e nisso os estabelecimentos acabam não se envolvendo. Penso que, se houver uma chamada geral para a festa voltar a ser da cidade toda e também da colônia, que é a sua essência, não vai ser preciso ficar correndo atrás das pessoas quando a festa já estiver acontecendo — aponta Cristiane Biazus.
Para Luciane Perez, o ponto principal a se avançar é na disponibilização antecipada de informações sobre o que o turista irá encontrar no evento, permitindo ao trade turístico montar ofertas capazes de reter os visitantes por mais de um dia em Caxias do Sul:
— A expectativa quanto à festa deste ano foi superada. Há muitos pontos positivos a destacar, como a volta do espetáculo Som & Luz, o espaço destinado à moda, a programação infantil do Téti, a volta dos Jogos Coloniais, são todas atividades que podem ser ampliadas e aprimoradas. O ponto principal, porém, é que haja um alinhamento de comunicação e definição antecipada de programação, pensando em ajudar quem vende o produto Festa da Uva para as agências de turismo receptivo, que por sua vez irão elaborar seus pacotes e trazer os visitantes. Com mais antecedência sobre a programação da festa, sobre os locais onde vão ocorrer as olimpíadas coloniais, é possível manter o turista em Caxias por muito mais tempo e o parque pode ser só um gostinho de tudo o que tem de bom para ver e fazer na cidade.
A percepção do presidente
Presidente da Comissão Comunitária da Festa da Uva nas edições de 2022 e 2024, Fernando Bertotto concorda e acha pertinentes todos os pontos elencados pelos especialistas escutados pela reportagem. Considera que a questão envolvendo a necessidade de antecipar a divulgação do evento, a fim principalmente de contribuir para o trade turístico trabalhar a venda de pacotes, só não foi possível por conta de restrições orçamentárias e demora na liberação das verbas para o evento.
O presidente também ressalta que neste ano não foi possível contemplar o público em sua chegada no parque com música ao vivo, como ocorreu em 2022, por conta do estágio da pandemia, pensando em tornar a entrada no evento como um momento especial de boas-vindas.
— Nós tivemos este ano grupos itinerantes passeando pelo parque, ora também indo até a recepção, mas não foi como em 2022, quando havia as boas-vindas com música. É um ponto importante, porque o visitante, seja turista ou caxiense, fica mais animado quando é recebido não só por um segurança ou por alguém que está ali para recolher o ingresso. Concordo que a recepção precisa, sim, ser mais calorosa.
Bertotto observa ainda que a descentralização do evento é uma demanda que já tem sido considerada, especialmente devido a pedidos de visitantes que demonstram interesse em conhecer os distritos de Caxias. Da mesma forma, reforçar a uva na identificação visual e no percurso do parque é algo que será considerado:
— Tenho certeza de que a divulgação da programação tem de ser feita com mais antecedência, a fim de poder segurar os turistas mais tempo na cidade. A pessoa que vem para Caxias sabendo o que está acontecendo na festa e também no interior, consegue se programar para ficar mais de um dia na cidade e participar de um almoço de colônia, assistir a uma missa numa capela, curtir um rifão. Sobre a questão da identificação visual, com a uva mais presente ao longo do percurso no parque, é algo também a ser trabalhado, inclusive quando se pensa na descentralização da festa e de sua inserção maior na cidade e no interior.