Acordar cedo, caminhar, a cara no sol, resplandecendo com ele. Na rua, cheia de vida. Comprar pão: “quentinho hein, Jorge, que sorte!”. Cumprimentar pessoas desconhecidas: “bonito cabelo, moça!”. Papear besteirinhas com o vizinho: “separou, foi? não acredito!”. Sinto falta até de sair de casa a cumprir um sem fim de atividades, coisas comuns da vida comum que preenchem meu cotidiano de mulher-mãe-trabalhadora. E que, apesar de exaurir corpo e mente, eu sempre amei. Agora, aqui dentro de casa, aqui dentro de mim, sinto uma saudade absurda das pequenas coisas de conviver com o mundo.
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Em meio aos intermináveis dias de quarentena, trabalhando em casa, com mil afazeres, tenho me pegado constantemente pensando nas minhas pessoas. Com o peito apertado pela ausência, busco o sol, quando o encontro, dou-lhe de presente a minha cara aberta, meus olhos fechados. Lembro que minha amada gente está distante, mas sob o mesmo sol que eu. Respiro fundo, mando-lhes amor em forma de oração. Não sei bem no que creio, mas tenho muita fé. A angústia abranda, o coração restabelece o compasso. Sigo!
Dia desses precisei sair à rua, pagar boletos, comprar comida. De máscara, fui andando até meu destino. No caminho, a população mascarada ia, em distância segura, numa procissão. E quando o espaço físico individual era invadido, assustava. A iminência do contágio assombra. Vi uns e outros brigando por isso, eu não brigo, eu até entendo: quem nos preparou para este momento?
Não é fácil ir respirando, andando sem sair do lugar. Somos seres de futuro, todo humano é. Vivemos o hoje em busca do amanhã. Neste momento, vamos nos agarrando ao que há de mais palpável. Atentos aos números de curados, tentando não pensar a fundo no número de mortos. É que se parar para pensar de verdade, congelamos, porque a realidade nos vem como um soco no estômago e nos diz que os cadáveres são pessoas a quem alguém ama, e poderia ser eu, você ou um dos nossos.
Acordamos todos os dias pensando em quando isso vai acabar, torcendo por uma cura, uma notícia boa sequer. Esperando pelo momento em que faremos planos para o final de semana. Jantar com as gurias no sábado: levar aquele espumante maravilhoso de Garibaldi. Almoço de domingo em família: é churrasco, quem vai fazer a salada de batata? E poderemos, enfim, entre trabalho, casa, saúde e tudo mais, agendar nossa semana. À luz do sol, naturalmente.
Almejamos com força imensurável que a vida seja estabelecida logo, porque hoje só temos o dia, a noite, e dúvidas angustiantes: onde está o amanhã? Quando virá o tempo futuro onde a covid-19 seja passado?
Enquanto isso, somos forçados a viver o presente. Cegos, em meio à pandemia, tentando seguir nossas vida da melhor forma. Sem adoecer, sem surtar, sem passar fome, sem perder o que tínhamos, torcendo para que o universo nos entregue nossa vida de volta. Não importa que vida era, a gente quer ela. Era nossa! É nossa!