
Uma historinha oriental conta que um monge, no refeitório do mosteiro, logo após o almoço, interpelou seu mestre sobre um assunto que o inquietava: “Mestre, há muitos anos estou aqui, sigo todos os mandamentos, quanto tempo falta para minha iluminação?” Ao que o mestre rebateu: “Se já terminou de comer, vá lavar sua tigela”. Hum, lavar louça pode parecer uma tarefa nada elevada. É um ritual ordinário, dentre tantos de nossa rotina funcional, área da vida contemplada pelo signo de Virgem, enquanto a transcendência pelo espírito pertence ao signo oposto, Peixes. No entanto, como são signos complementares, os práticos rituais virginianos costumam ser veículos e critérios para a conexão espiritual pisciana.
Repare como as relações com o mistério divino, num mar de religiões, geralmente pressupõem o cumprimento de rigorosos rituais. Pode-se passar em orações as contas do terço, caminhar até um santuário distante, tomar banhos de ervas, repetir mantras, inclinar-se em direção à cidade sagrada em horas definidas, benzer-se diante de igrejas, usar amuletos, etc. Para sintonizar o divino, também podem ser necessárias uma dieta puríssima, roupas especiais e atitudes mentais de compaixão e entrega. No monge da historinha acima, a humildade de lavar a tigela soa como antídoto contra uma oculta ambição espiritual.
Pois bem, se Virgem rege, no eixo zodiacal com Peixes, a ritualística que propicia a comunhão pisciana com o sagrado, este signo terreno, governado pelo mental Mercúrio, costuma representar posturas críticas e céticas em sua manifestação mais individual. Virgem aprecia o pensamento científico, pautado em métodos e experiências. E isso rivaliza com a imaginação pisciana. Em seus extremos, o conflito milenar entre ciência e crença já resultou em terríveis violências, vide a prisão de Galileu Galilei e a morte na fogueira de Giordano Bruno. À luz desses embates históricos, precisamos atentar para os perigos que rondam nosso tempo no tocante ao fanatismo religioso.
No céu de 2019, os planetas Júpiter e Netuno, ambos regentes de Peixes, estão em ângulo tenso desde janeiro e até novembro. Isso vem resultando em desvarios netunianos sobre temas de Júpiter, como distorções das leis e manipulação da justiça, e excessos jupiterianos sobre assuntos de Netuno, como mentiras legalizadas e muita mistificação. Seja como for, é um aspecto propenso a fundamentalismos. Recebendo diretamente essa tensão celeste, Virgem se percebe abalado em seus critérios de discernimento e razão.
Virgem é o signo das pesquisas e dos dados estatísticos, assuntos que hoje são encarados com escárnio pelas instâncias governamentais. Sim, já não dá para disfarçar a existência de uma guerra desvairada contra a ciência e o conhecimento racional. Uma imagem representante desse insano estado de coisas é a legião de defensores da Terra plana. Ou seja, gente que se acha no direito de desprezar séculos de conhecimento científico em nome de um suposto direito a ter uma “opinião” divergente. Caramba!
Como tenho um forte lado virginiano e adoro pesquisas, procurei fatos históricos relativos à última vez em que esse mesmo trânsito aconteceu, com Júpiter em Sagitário tensionando
Netuno em Peixes. Cheguei ao ano de 1853, época do Segundo Império no Brasil. Um fato político marcante foi a criação do Ministério da Conciliação, por ordem de Dom Pedro II. Ele vinha enfrentando sérias dificuldades para governar por conta das disputas entre os partidos Conservador e Liberal. Juntar os diferentes no governo, em prol de interesses comuns, deu sustentação política ao imperador e culminou num dos mais prósperos períodos do império. Jogada de mestre de um governante que amava a ciência!
É pena que conciliar, hoje, seja um verbo caduco. Já os iluminados de certezas, bem que deveriam aprender a lavar tigelas.