Por Anthony Ling, arquiteto e urbanista, editor do Caos Planejado, plataforma digital sobre cidades
Porto-alegrenses se orgulham de ter uma das capitais mais arborizadas do país. No entanto, a cada temporal, caem árvores e, com elas, a luz. Voltam à tona pedidos para priorizar o enterramento da fiação aérea.
É preciso uma visão mais ampla. Em primeiro lugar, a cidade carece de uma gestão da sua arborização. Poucos se dão conta, mas quem executa canteiros e planta árvores – uma infraestrutura pública – não é a prefeitura, mas os proprietários dos lotes adjacentes, sem qualquer critério ou controle. Não há regramento ou fiscalização para escolha das espécies, tampouco controle das árvores que apresentam maior risco. O conflito de árvores mal geridas com a infraestrutura urbana, como galhos caindo sobre calçadas, prédios e veículos, assim como raízes levantando calçadas ou as próprias sonhadas canaletas enterradas, continua, independentemente do enterramento.
Os postes, ainda, sequer são da prefeitura, mas da CEEE, agora privatizada, e não se sabe exatamente o que passa por eles. Pensar em enterrar a fiação necessitaria, no mínimo, saber o que há para ser enterrado.
O custo do enterramento da fiação é estimado em R$10 milhões por quilômetro. A decisão de priorizá-lo significa colocar em segundo plano investimentos em infraestrutura em áreas críticas
Por fim, quem pede pelo enterramento normalmente fica “apenas” sem luz após temporais. Outros, menos afortunados, perderam casas, negócios, veículos – ou até suas vidas –, seja por alagamento ou levados pela água e pelo vento. Há inúmeras áreas de precariedade habitacional e de infraestrutura, domicílios que nem possuem ligação de luz e água, que requerem investimentos urgentes.
O custo do enterramento da fiação é estimado em R$ 10 milhões por quilômetro. A decisão de priorizá-lo significa colocar em segundo plano investimentos em infraestrutura em áreas críticas. Enterrar fios é positivo, mas é um certo luxo ao compararmos com outros desafios da Capital.
Colocando em perspectiva, Tóquio, uma das cidades mais bem geridas do mundo, tem apenas 7% da sua fiação enterrada. Com habitação acessível e de qualidade, uma rede de transporte de massa invejável e um dos sistemas de drenagem mais sofisticados do mundo, souberam priorizar o que era mais importante.