O primeiro-ministro da Romênia renunciou. O primeiro-ministro da Coreia do Sul renunciou. O prefeito de Buenos Aires renunciou. Depois de tragédias que mataram dezenas de pessoas, os três renunciaram. Não esperaram por inquéritos ou julgamentos. Num misto de confissão de culpa e incapacidade de se manter no cargo diante de tamanha tragédia, decidiram sair.
O prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer, não renunciou. Desde o dia do incêndio que matou 242 pessoas na boate Kiss, sua postura tem sido defensiva na direção de assegurar que não houve falhas, omissões, má-fé ou qualquer outra atitude dele ou do poder público municipal que possa ter contribuído para fabricar tamanho desconsolo, tamanho espanto e tamanho desejo de justiça para ao menos aplacar tantas perdas.
Não renunciar é direito de Schirmer. Ele foi eleito e reeleito para comandar a cidade, tem a legitimidade do voto e, imagina-se, refletiu profundamente sobre o episódio antes de optar por ficar. Deve ter considerado que tinha legitimidade, apoio, energia, competência para agir como um verdadeiro líder, fazer sua parte para ajudar a comunidade a superar o trauma e ao menos aprender a conviver com a dor sem fim.
No último dia 27, a tragédia da Kiss completou três anos sem que os processos na Justiça tenham chegado ao fim e com a sensação de que, em algum momento da análise do fato, responsáveis diretos podem ter se safado de um necessário julgamento. Um cheiro de impunidade que só contribui para aumentar a angústia de parentes, amigos e conterrâneos dos mortos. E onde estava o prefeito neste dia de tanta saudade e tantas cobranças em Santa Maria? Em férias. Fora do ar, fora do radar, fora do alcance. Jornalistas que o procuraram não tiveram retorno das ligações. Ele não testemunhou as homenagens às vítimas, não participou de nenhum ato, não deu chance a quem quisesse questioná-lo, cobrar suas posturas e convicções.
Não estão escritos os códigos de conduta de políticos que se negam a renunciar mesmo em situações extremas. Se estivessem, talvez deixassem claro que não podem se omitir nem desaparecer nos momentos críticos, que precisam estar ao alcance para cobranças e questionamentos, que ficar impõe uma permanente atitude de humildade para responder por seus atos, dar satisfação, repetir tantas vezes quantas for preciso as suas razões para se manter no poder. Pensando bem, alguns códigos nem precisam estar escritos para serem respeitados.