O chanceler russo Sergei Lavrov causou polêmica nesse domingo (1) ao retomar, durante entrevista a um canal de TV italiano, uma teoria de conspiração que data dos anos 1920 (leia mais abaixo). O ministro das Relações Exteriores da Rússia afirmou que o ditador alemão Adolf Hitler tinha "sangue judeu".
Lavrov tentava justificar a invasão russa à Ucrânia dizendo que seu país tenta "desnazificar" a nação vizinha. Confrontado com a informação de que o presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, é judeu — povo que foi alvo do nazismo e vítima do Holocausto —, o chanceler comparou Zelensky a Hitler, que, segundo ele, teria ascendência judia, e afirmou, ainda, que os próprios judeus são antissemitas.
— Há muito tempo ouvimos o sábio povo judeu dizer que os maiores antissemitas são os próprios judeus — afirmou Lavrov.
Israel condenou os comentários. O ministro das Relações Exteriores israelense, Yair Lapid, chamou as declarações de Lavrov de "um terrível erro histórico" e informou que convocou o embaixador da Rússia para consultas, de quem exigiria um pedido de desculpas.
No Twitter, Lapid classificou os comentários como "ultrajantes". "Os judeus não se mataram no Holocausto. O nível mais baixo de racismo contra os judeus é acusar os próprios judeus de antissemitismo", escreveu.
Em resposta, nesta terça-feira (3), o Ministério das Relações Exteriores da Rússia ampliou a polêmica. "Prestamos atenção nas declarações anti-históricas do ministro das Relações Exteriores (israelense), Yair Lapid, que explicam amplamente a decisão do atual governo de apoiar o regime neonazista de Kiev", afirmou o órgão em comunicado.
— A origem judaica do presidente (Zelensky) não é garantia de proteção contra o neonazismo desenfreado no país — reforçou a diplomacia russa.
O incidente complica as relações entre os dois países em um momento em que Israel procura preservar os laços com Moscou, apesar da invasão da Ucrânia, considerando crucial a cooperação para os objetivos de segurança nacional na Síria.
Velha teoria de conspiração
A sugestão do chanceler russo de que Adolf Hilter tinha sangue judeu é apenas a mais recente versão de uma teoria da conspiração que explora o vazio na genealogia do ditador. Os comentários de Serguei Lavrov no fim de semana, que geraram disputa diplomática com Israel, ressuscitaram os rumores sobre a identidade do avô paterno de Hitler.
O pai de Hitler, Alois, foi um filho ilegítimo cujo pai era desconhecido, explicou à AFP o historiador austríaco Roman Sandgruber. Sandgruber, que no ano passado publicou a primeira biografia de Alois Hitler, explicou que os rumores começaram a circular nos anos 1920, quando Adolf Hitler iniciou sua ascensão ao poder.
A teoria foi fortalecida por seus adversários políticos quando Hitler tomou o controle da Alemanha em 1933.
Depois da Segunda Guerra Mundial, as memórias do criminoso de guerra nazista Hans Frank, que governou a Polônia ocupada durante a guerra, reviveram as versões.
Em suas memórias, publicadas depois de sua execução em 1946 por crimes de guerra, Frank disse que investigou em segredo os ancestrais de Hitler a pedido do próprio líder nazista, que afirmou estar sendo chantageado por um sobrinho.
Frank disse ter descoberto que, na época, a avó de Hitler, Maria Anna Schicklgruber, trabalhava como cozinheira para a família judia Frankenberger, na cidade austríaca de Graz.
Seu patrão lhe pagou pensão para o filho Alois até ele completar 14 anos, segundo Frank, que esclareceu que, segundo Hitler, sua avó e futuro marido deixaram o judeu pensar que ele era o pai da criança por interesse financeiro.
Os historiadores, porém, seguem céticos.
Não há provas sólidas para respaldar a versão de Frank, de acordo com Sandgruber. Uma das inconsistências, por exemplo, é que na época judeus não tinham o direito de viver em Graz.
Mas então quem era o avô de Hitler?
— Esta é uma pergunta sem resposta — escreveu o historiador Ofer Aderet no diário israelense Haaretz.
Aderet lembrou que algumas pessoas citavam a versão da origem judia de Hitler para justificar sua derrota na guerra. Outros dizem que a vergonha desse passado levou o ditador a perseguir os judeus.
— A conclusão é que não há provas históricas de nada disso — afirmou Aderet.