República jovem, os Estados Unidos adotaram os molhos de várias origens: italiano, francês, russo e o mágico Thousand Island, é fato, mas com a criação e ascensão inexorável do ranch, estabelecemos uma receita verdadeiramente norte-americana.
Inventado na década de 50, ele é hoje, de longe, o molho para salada mais popular do país, segundo estudo feito em 2017 pela Associação de Molhos e Condimentos. (É o favorito de 40 por cento da população; o concorrente mais próximo, o italiano, fica com apenas dez por cento.) E acabou indo muito além da salada.
É acompanhamento rotineiro para asinhas de frango, minicenoura, batata frita, chips de tortilha e palitinhos de muçarela, foi incorporado em pratos clássicos nacionais como macarrão com queijo, frango frito, salada de batata e o recheio do peru de Ação de Graças e é regado sobre tacos, Tater Tots (bolinho de batata), refogados e, gerando grande polêmica, pizzas.
Ao contrário do Green Goddess ou Thousand Island, por exemplo, o ranch inspirou a criação de um fã-clube que vai além da comida, incluindo garrafas de refrigerante aromatizado com o molho, chafarizes em festas, tatuagens, memes e até brincos. É a estrela de inúmeros vídeos postados no YouTube por superfãs, que usam a iguaria no macarrão instantâneo, no sorvete e muito mais. "Tragam a minha mangueira de molho ranch!", exige Homer Simpson, rejeitando as atenções sensuais de um grupo de concubinas na famosa sequência de sonho em "Os Simpsons".
E o que faz do molho um ranch de verdade? É a combinação da cremosidade (do leitelho, do creme azedo ou, às vezes, da maionese) com o frescor das ervas (geralmente salsa, tomilho, endro), mais um toque suave de alho e cebola e uma pitada de pimenta-do-reino. A versão seca elimina o elemento cremoso, transformando-o em uma mistura pronta, como qualquer outra, para ser adicionada ao Chex Mix, à pipoca ou ao biscoito.
Qualquer pessoa que souber cozinhar pode fazer um ranch maravilhoso e cheio de sabor usando alho de verdade, pimenta moída na hora e ervas fresquinhas, mas o fato é que o gosto peculiar do molho tradicional só pode ser obtido com as versões desidratadas dos condimentos, ou seja, tudo em pó, inclusive o leitelho.
Steve Henson, encanador do vilarejo minúsculo de Thayer, em Nebraska, criou a mistura por volta de 1950, durante um período de vacas magras como peão de obra em Anchorage, onde de vez em quando também servida de cozinheiro para a equipe. Naquela parte do mundo, ingredientes perecíveis como ervas frescas, alho, cebola e produtos lácteos não eram nada fáceis de achar.
Em 1954, ele e a mulher, Gayle, se mudaram para a Califórnia e compraram uma propriedade caindo aos pedaços chamada Sweetwater Ranch, no San Marcos Pass, acima de Santa Barbara, Califórnia, rebatizaram-na de Hidden Valley e a abriram aos visitantes. Porém, de acordo com o filho, Nolan Henson, o local ficou ainda mais popular como churrascaria, onde o molho de Steve se transformou em souvenir de sucesso.
"Do jeito que meu pai fazia, só colocava ingredientes secos", conta. Hoje com 74 anos, diz que cresceu comendo ranch. (Gayle morreu em 1993 e Steve, em 2007.)
"O pessoal levava para casa em vidro de maionese. Parecia que estávamos sempre preparando o molho, e colocávamos em tudo, carnes, verduras e legumes, batata."
Sufocado pela demanda, no final dos anos 50, os Henson começaram a acondicionar os ingredientes secos em um envelope que podia ser entregue ou enviado pelo correio aos clientes, que em casa adicionavam o leitelho ou a maionese de acordo com seu gosto – muito parecido com a caixa de pó para bolo, introduzida ao mercado de massa em 1948.
O produto foi um sucesso estrondoso. "O molho tomou conta da nossa casa, da nossa vida", recorda Henson que, quando criança, passou horas enchendo os pacotinhos de mistura.
E assim começou também a tomar conta do país, saindo do Oeste para o Meio Oeste, ocupando os bufês ao longo dos anos 70; uma versão longa vida chegou aos supermercados em 1983. Porém, segundo Abby Reisner, autora do novo livro de receitas "Ranch" (Dovetail Press), a febre do ranch só tomou conta dos EUA em 1986, com o lançamento do Cool Ranch Doritos, com infusão do clássico cremoso de gosto marcante. O ranch já era popular sozinho, mas a combinação do creme com a crocância em uma única mordida – a famosa fusão "dip & chip" – provou ser um golpe de mestre.
O salgadinho abriu a porta para o ranch como tempero além da salada, que passou a aparecer frequentemente como dip para batata frita (substituindo o catchup), para a versão chips (em vez do molho tipo salsa) e para asinhas de frango fritas (disputando espaço com o molho de queijo blue).
E foi daí que fez a transição para a pizza.
Tim McIntyre, porta-voz da Domino's, explica que a empresa pôs as asinhas no cardápio em 1994, servidas sempre com uma porção de ranch, mas não demorou para que os norte-americanos começassem a mergulhar a pizza nele.
"É uma das minhas lembranças das festinhas de aniversário de quando eu era mais novo, e também ficava estudando até mais tarde na faculdade – ranch e pizza, pizza e ranch", conta Reisner, 25 anos.
Outros membros da geração dela concordam. "Passou a compor praticamente um novo prato. Você come a pizza, mas se continua com fome, pega a borda e mergulha no molho", ensina Alvin Lim, estudante de gastronomia de 31 anos de Providence, Rhode Island.
A iguaria é mais popular no Meio Oeste, segundo a Associação de Molhos e Condimentos. O Twisted Ranch, restaurante em St. Louis que serve 31 versões do condimento, foi inaugurado em 2015, gerando filas de três horas de espera. (Este ano se mudou para um espaço maior.)
"Já apostávamos tudo no ranch desde o início; sabíamos que não era só modinha", afirma Jim Hayden, um dos sócios da casa.
Ali, todos os pratos levam uma forma ou outra da iguaria: a versão da casa, a Bloody Mary, usa vodca e é servida em um recipiente com sal na borda. "Para criar as novidades, eu e meu sócio, Chad Allen, começamos pensando em um novo sabor para o molho, como o Grego, com queijo feta e oréganos, ou o Curry, com iogurte e especiarias indianas", explica Hayden.
"O início é sempre o molho; é a partir dele que sai o prato."
O ranch pode ser um fenômeno moderno, mas sua categoria não tem nada de novidade: muitos molhos clássicos também combinam cremosidade com o gênero allium, que inclui alho, cebola, alho-porró e cebolinha. O toum do Oriente Médio, o aioli mediterrâneo, o molho da salada Caesar, o dip de cebola francês e o molho de macarrão Alfredo servido em casas como o Olive Garden têm o mesmo perfil, ou seja, uma base neutra e mais refrescante que recebe o calor de temperos marcantes e pungentes.
E é essa refrescância que faz do ranch o parceiro perfeito para comidas apimentadas, chamuscadas ou fritas por imersão que compõem a grande maioria dos pratos norte-americanos mais populares. (Caso você não acredite que o sabor do molho representa o ápice da conquista culinária norte-americana, saiba que em muitos supermercados europeus ele é chamado de "molho americano" e que o sabor de Doritos nós conhecemos como "Cool Ranch", lá é "Cool American".)
Enquanto isso, em Santa Barbara, o Hidden Valley Ranch não existe mais. Steve Henson vendeu a marca à empresa Clorox, em 1972, por US$8 milhões; em 2017, os produtos Hidden Valley renderam mais de US$450 milhões, segundo analistas do setor. Ali perto, porém, a Cold Spring Tavern, primeiro lugar fora da propriedade a vender o molho, continua funcionando, desde 1868, quando ganhou vida como parada para carruagens.
Steve Henson chegou ali um dia com um punhado de ervas e temperos desidratados, segundo conta Debbie Wilson-Potts, historiadora não oficial e neta de Audrey Covington, que era a proprietária na época. Sua avó sempre usava as mesmas palavras para descrever o sabor quando o sentiu pela primeira vez: "Parecia um trem expresso na minha boca."
O restaurante continua servindo a receita original. "Acho que ela viria puxar o nosso pé de noite se mudássemos alguma coisa", brinca.
Por Julia Moskin