Oportunidades de trabalho como entregar comida são, muitas vezes, a salvação para os mais de 500 mil imigrantes ilegais que vivem e trabalham na cidade de Nova York.
Porém, recentemente, um incidente na base militar de Fort Hamilton, no Brooklyn, pôs em xeque essa premissa e gerou novas tensões na briga da prefeitura com as autoridades federais em relação às proteções para estrangeiros em situação irregular.
Pablo Villavicencio Calderon, de 35 anos, imigrante ilegal que trabalhava para um restaurante no Queens, fazia a entrega de pizzas para a base perto da hora do almoço.
De acordo com sua esposa, Sandra Chica, ele apresentou um cartão de identificação de Nova York, como fizera no passado. O cartão, supostamente, daria aos imigrantes ilegais um modo de provar sua identificação em agências municipais, que não têm autorização de perguntar sobre a situação de imigração no país — incluindo o departamento de polícia e as escolas.
Porém, no dia 2 de junho, o documento não foi suficiente para o policial militar de plantão na base, que pediu de Villavicencio a carteira de motorista, que ele não possui. Uma verificação de antecedentes feita pelo policial revelou uma ordem de deportação de 2010. Os militares o detiveram e chamaram funcionários da Agência de Imigração e Aduana, que o levaram sob custódia, de acordo com uma autoridade da agência.
Ele está para ser deportado para o Equador nos próximos dias, de acordo com a sua esposa.
— A detenção de Pablo com uma carteira de identificação municipal está deixando tensa toda a comunidade. Um dia, disseram a eles que poderiam ganhar a vida nesta cidade sem assédio da polícia. Agora, todos que têm esse documento temem o que pode acontecer — disse Eric Adams, presidente do Bairro do Brooklyn do Partido Democrata, em uma coletiva de imprensa em frente à base do Exército.
A administração de Donald Trump deixou claro desde o início que todos os imigrantes que vivem ilegalmente nos Estados Unidos estão sujeitos à deportação; não haveria mais prioridade para os criminosos perigosos.
De acordo com Catherine SantoPietro, porta-voz do comando do Exército na base, apenas uma identificação militar ou do Departamento de Defesa é aceitável para a entrada. Caso contrário, os visitantes devem obter um passe diário, o que requer uma verificação de antecedentes no local.
— Quando ele assinou uma permissão de verificação de antecedentes, que é o padrão do Departamento de Controle de Acesso do Exército para todos os visitantes, descobriu-se uma ordem de deportação no arquivo emitida pela Agência de Imigração e Aduana — disse SantoPietro em um comunicado.
O incidente expôs a proteção tênue que os imigrantes ilegais têm em Nova York, apesar do fato de que, por ser uma cidade santuário, limita a cooperação com os funcionários de imigração.
O uso de uma carteira de identificação da cidade de Nova York pode ter consequências imprevisíveis, pois pode ser um sinal de que seu titular é ilegal.
— Quando você a mostra, é como se dissesse: 'Olha, não tenho carteira de motorista'— afirmou a esposa de Villavicencio.
— Esta cidade, este estado ou este país estarão mais seguros porque um entregador de pizza foi deportado? —,questionou na coletiva de imprensa Justin Brannan, democrata do conselho municipal que representa o Brooklyn.
Adams se perguntou por que a política da base havia mudado, pois de acordo com Villavicencio, ele já havia feito entregas de pizza na base militar antes, sem incidentes.
— É por isso que, como uma cidade santuário, precisamos deixar claro para as instituições federais o que pode ser exigido de pessoas que entram neste local — disse ele.
Mas o senador republicano Martin Golden, da Comissão de Veteranos, Segurança Interna e Assuntos Militares do Senado, aplaudiu as ações da polícia militar, dizendo que ele "não esperaria nada menos do comandante de Fort Hamilton e de seu pessoal, que dedicam sua vida para proteger nossos cidadãos e nosso país".
Villavicencio sabia que existia o risco de deportação, disse a esposa. E não tinha antecedentes criminais, de acordo com um porta-voz da ICE, como a agência de imigração é conhecida. Em 2010, ele recebeu uma ordem de saída voluntária de um juiz de imigração, mas não foi embora, o que fez dele um fugitivo.
Villavicencio se casou com Chica há cinco anos. Ela tem 38 anos e é cidadã colombiana naturalizada. Eles vivem em Hempstead, em Long Island e têm duas filhas. Em fevereiro, havia solicitado um green card por ser cônjuge de uma cidadã americana, mas não tinha recebido resposta.
Ele trabalhava há oito meses para a Nonna Delia's, o restaurante no Queens.
— Entregar pizzas sem uma carteira de motorista foi seu erro — afirmou Chica.
Um gerente do restaurante disse que Villavicencio "é um cara bom", mas que não queria comentar mais, porque "a família está sofrendo." O restaurante fica a quase uma hora de distância da base, e o gerente admitiu que já havia feito entregas lá no passado.
Chica disse que o pessoal da base militar aceitou a entrega. Quando ela foi pegar o carro do marido, os dois grandes recipientes para transportar as pizzas estavam vazios.