Pouco tempo depois daquele terrível dia dos namorados, a equipe de produção do anuário Aerie da Escola de Ensino Médio Marjory Stoneman Douglas só conseguiam pensar em uma coisa. Eles teriam que encontrar alguma maneira de fazer um memorial sobre a tragédia em suas páginas.
Primeiro, alguns alunos hesitaram. "Achei que seria demais", disse Elizabeth Stout, de 17 anos, que está no último ano e é uma das editoras-chefes do livro, sobre a ideia da equipe de escrever alguma coisa sobre os alunos mortos. "Naquela época eu não sabia nem se aquilo era a coisa certa a fazer."
Poucos jovens que sobreviveram a tiroteios em massa em escolas enfrentaram o mesmo dilema. As crianças de Sandy Hook eram muito novas. Os alunos de Columbine já estavam no final do ano letivo.
Na Stoneman Douglas, onde um ex-aluno é acusado de matar 17 pessoas em um ataque, os editores decidiram que o tiroteio não seria maior que o livro. Eles insistiram em preservar um registro dos dias que vieram antes, os preenchidos com as atividades regulares da vida no ensino médio: jogos de futebol, atividades do clube, o baile Sadie Hawkins.
Mas também sabiam que seus colegas manteriam o livro por décadas, carregando-os com eles para dormitórios e primeiros apartamentos e mostrando-os aos seus próprios filhos, que perguntariam sobre o tiroteio em Parkland e as vidas que foram perdidas. O livro também teria que contar essa história.
Por vários dias depois do acontecido, a equipe permitiu que o New York Times acompanhasse o grupo de 37 editores, designers, escritores e fotógrafos na montagem do livro – escolhendo as fotografias, desenhando as páginas e tomando as difíceis decisões sobre como honrar da melhor maneira possível os alunos e funcionários que morreram. O livro de 452 páginas deve ser publicado em maio e será distribuído para mais de 2.500 pessoas.
"Isso precisa ser lembrado para o resto de nossas vidas", disse Elizabeth.
Uma Manhã de Piadas e Balões em Formato de Coração
Apertada em um laboratório de informática improvisado para o livro anual, Sarah Lerner, de 37 anos, a conselheira dos alunos, estimulou a editora de fotografia, Rain Valladares, de 17 anos, a escolher imagens para as duas páginas que mostrariam os últimos momentos de normalidade antes do tiroteio de 14 de fevereiro.
O editor do livro, que tem o nome de um ninho de águia – uma referência ao mascote da escola – desistiu do prazo final de 9 de março. Um consultor de anuários do Texas criou uma campanha no GoFundMe que conseguiu arrecadar mais de US$47 mil para o Aerie e para o The Eagle Eye, o jornal estudantil.
Sentada no laboratório, com as paredes cheias de calendários, listas de prazos e uma cópia da primeira emenda, Rain, aluna do primeiro ano, disse que encontrou fotos do dia dos namorados em sua câmera quando recuperou seus pertences no colégio 12 dias depois do massacre. Mas achava que não havia tirado fotos suficientes naquela manhã.
"Não pensei que era a única tirando fotos!", disse ela.
As imagens mostram os amigos de Rain, alguns vestidos em vermelho festivo, comprando cravos na hora do almoço, sorrindo e se divertindo em um pátio externo. Quando Natasha Martinez, aluna do primeiro ano, de 17 anos e fotógrafa do anuário, se viu sorrindo em uma foto, segurando um balão cor de rosa em formato de coração, começou a chorar.
"Eu me lembrei de como estava me sentindo naquela manhã. Eu estava indo para o quarto período, Espanhol, e gritei: 'Rain!' Aquilo me deixou muito emocionada", contou Natasha.
Rain e a equipe selecionaram quatro fotos e as colocaram na página.
O livro está organizado em ordem cronológica. Depois do dia dos namorados, a equipe colocou sete páginas duplas, incluindo uma para cada um dos mortos.
Celebrando os Mortos em Tatuagens e Tributos
Para a equipe, criar essas páginas memoriais para cada uma das vítimas foi muito íntimo. Elizabeth ficou com a página de Carmen Schentrup, de 16 anos, que foi morta a poucos passos dela na aula de Colocação Avançada de Psicologia. Kyra Parrow, do último ano e também uma das editoras-chefes e editora de fotografia, conhecia outra das vítimas, Joaquin Oliver, de 17 anos. Isabel Chequer, de 16 anos, aluna do primeiro ano e fotógrafa, ficou ferida por balas que atingiram de raspão seu braço e seu pé.
"Quando estamos no jornalismo, é algo sobre o que temos que falar", disse Aly Sheehy, de 18 anos, aluna do último ano e editora de legendas, sobre o tiroteio. "É muito terapêutico e nos dá algumas coisa para fazer."
Vários membros da equipe e Lerner, a consultora, estão se consultando com terapeutas. "Palavras não conseguem descrever o que aconteceu", afirmou Isabel sobre o dia do massacre.
Os designers alternavam entre novos layouts mostrando os colegas com cabelos tingidos de louro, em homenagem a Joaquin, ou de azul em memória de Carmen. Outra página dupla mostrava as tatuagens dos alunos para celebrar os mortos.
Taylor Ferrante-Markham, de 16 anos, aluno do primeiro ano da equipe de design, tatuou "Love 17" em seu pulso esquerdo. Elizabeth optou por um coração com a palavra "Seventeen" escrita em sua costela. Nas costas de seu braço, Aly quer colocar 17 estrelas delineando a constelação de Hércules.
"Porque significa força", disse ela.
Como Escrever a Legenda Certa
A equipe escolheu o tema de 2018 "Como Um" no ano passado. Era para significar a união do ensino médio, mas ganhou uma nova pungência depois da tragédia, que uniu ex-alunos, moradores de Parkland e muitas outras pessoas.
Além das páginas do memorial, a equipe também queria documentar a dor e a reação do público nos dias que se seguiram ao massacre.
"Qual seria uma boa legenda para a vigília", perguntou Taylor.
"Você não ia querer colocar alguma coisa melosa", afirmou Thomas Holgato, aluno de 17 anos do primeiro ano, olhando sobre o ombro de Taylor enquanto ela observava a tela do computador.
Kyra decidiu na vigília de 15 de fevereiro – dia do seu aniversário de 18 anos, "Agora eu posso votar!" – que para celebrar o momento ela procuraria por imagens silenciosas de dor, com um estilo mais artístico do que jornalístico.
Ela não queria colocar fotografias de pessoas chorando "como a mídia faria", disse.
Taylor tentou um título para a seção sobre as vigílias. "É brega?", perguntou.
"Todo o amor", leu a fotógrafa do primeiro ano Genevieve Martin, de 17 anos. "Não acho que seja muito brega."
Taylor ainda não estava satisfeita.
"Achei!", disse ela alguns minutos depois. E escreveu: "Amados para sempre".
Os outros aplaudiram. Taylor agradeceu.
Lembranças Dolorosas Daquele Dia
Para os alunos do anuário, as lembranças do dia estão em todo lugar. A janela de vidro da porta do laboratório, o mesmo tipo de janela que o assassino quebrou com suas balas no prédio dos calouros, ainda estava coberta com papel marrom, para impedir um possível atirador de descobrir se havia alunos ali dentro. Aly cortou um buraco retangular para servir de olho mágico. As batidas na porta faziam alguns alunos se assustarem.
Enquanto continuavam a trabalhar nas páginas, alguns alunos ainda estavam tentando descobrir como falar sobre o que aconteceu. Elizabeth preferia referir-se a 14 de fevereiro ou simplesmente chamar de "o evento".
"Detesto chamar de 'o tiroteio'. Parece muito insensível. Acho muito brutal, muito duro", contou ela.
Três horas depois de uma sessão de trabalho da tarde, Taylor recostou-se em sua cadeira. "Vivo na sala do livro anual. Meu cabelo está maluco. Meu estômago está roncando. E eu continuo aqui."
"Tem que ser perfeito", disse Aly.
Por Patricia Mazzei e Sam Hodgson