Apesar da grande repercussão internacional, a polêmica decisão de Donald Trump de retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris, anunciada na tarde desta quinta-feira, não deverá ter um impacto significativo no movimento global de combate ao aquecimento global.
Especialistas consultados por ZH foram unânimes ao afirmar que o país norte-americano está perdendo cada vez mais seu protagonismo no tema, e que a saída do tratado não irá fazer com que as grandes corporações deixem de investir em energias alternativas – já que hoje são mais motivadas por questões econômicas do que políticas. Além disso, defendem que o anúncio, além de ser uma mera formalidade, não irá conseguir tirar o foco de outros países que seguem buscando alternativas para reduzir a emissão de gases poluentes no planeta.
Leia mais:
China seguirá respeitando Acordo de Paris sobre o clima, diz primeiro-ministro
Cúpula do clima busca saída anti-Trump
Acordo de Paris entrará em vigor em 30 dias com apoio de pelo menos 72 países
De acordo com a presidente do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, Suzana Kahn, como o Acordo de Paris não prevê nenhum penalidade caso as metas de determinado país não sejam cumpridas – apenas geraria um constrangimento internacional frente às demais nações –, elas já não seriam uma preocupação para Trump mesmo se o país permanecesse no tratado.
A especialista afirma que a retirada do país das negociações pode até ser positiva, pois este é o momento em que os demais países irão se reunir para definir os instrumentos e parâmetros de medição da emissão de gases a nível mundial, o que começará a ser feito em 2020. Neste quesito, os EUA, sob o atual governo, poderia atrapalhar.
– Os Estados Unidos não estão contribuindo para e redução da emissão de gases desde o início do governo Trump, o que é tão ruim, ou até pior, do que essa decisão de sair do acordo. O retrocesso começou na eleição, então essa questão de deixar o pacto acaba nem sendo tão relevante, pois não adianta fazer parte sem estar disposto a colaborar.
Mas isso não significa que a postura adotada pelo país desde o início da gestão Trump não irá influenciar no combate ao aquecimento global a longo prazo. Segundo maior emissor de gases depois da China, os EUA respondem por 18% do carbono lançado na atmosfera terrestre. São cerca de 6,5 milhões de toneladas por ano.
A falta de preocupação com o tema, oficializada na tarde desta quinta-feira, tornará ainda mais difícil alcançar o objetivo final do acordo firmado dois anos antes: de reduzir, até 2030, o carbono na atmosfera de 69 bilhões de toneladas para 56 bilhões, e de negociar metas futuras para manter, até 2100, o aquecimento global no nível tolerável, inferior a 2ºC.
Caso não sejam cumpridas as metas, as consequências para o clima poderão ser, de acordo com o consenso dos cientistas, catastróficas e irreversíveis a nível global. Eles apontam como principais consequências o derretimento de geleiras, maior intensidade de tempestades, enchentes, secas e furacões.
Luta pelo combate ao aquecimento global deve se intensificar
Um dos receios sobre a decisão de Trump, de que a saída do país do Acordo de Paris poderia levar outros países a rever sua participação, não é uma preocupação para o físico Paulo Artaxo, professor da Universidade de São Paulo e uma das principais autoridades em mudanças climáticas do país. O especialista afirma, inclusive, que deve deve provocar um movimento inverso:
– Pelo seu posicionamento, Trump está se isolando na questão ambiental. China e diversos países europeus já anunciaram que, com a saída dos EUA do acordo, vão aumentar suas metas para atingir o objetivo global.
É o que defende também o astrofísico Luiz Gylvan Meira Filho, ex-vice-presidente do Painel Intergovernamental para a Mudança de Clima (IPCC) e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo. Para o especialista, há uma tendência de que os demais países ignorem o movimento dos EUA e fiquem mais firmes na missão de reduzir as emissões de gases de efeito estufa:
– Em, resumo acho que ninguém vai se importar muito com essa saída dos Estados Unidos. Acho que não irá induzir outros a sair, e inclusive haverá uma tendência dos demais países de preencher esse vácuo.
Gylvan argumenta, ainda, que muitos estados americanos têm fortalecido, de forma independente, medidas de combate à emissão de gases poluentes, mesmo contrariando a política do atual presidente:
– As grandes corporações americanas, por razões econômicas, estão investindo em energias alternativas, assim como estados norte-americanos estão aprovando leis que restringem e combatem a emissão de gases de efeito estufa. Sendo assim, a decisão do governo não deve influenciar esses movimentos.
Para Paulo Artaxo, a decisão de investir em energias alternativas e consequentemente reduzir a emissão de gases de efeito estufa é, atualmente, muito mais econômica do que política – o que enfraquece o poder de Trump frente ao tema.
– O preço da energia eólica e solar está se aproximando muito do preço da energia gerada pelo carvão, então é um péssimo negócio investir em tecnologias ultrapassadas. A China está na frente, investindo e conquistando um espaço no mercado internacional em relação a energias renováveis que os EUA estão perdendo. No fim das contas é isso que importa.
Saída do acordo não é imediata
O anúncio da retirada dos EUA do pacto feito entre 195 países em 2015 é apenas o primeiro passo de um longo caminho que Trump terá que percorrer para reverter todos os compromissos firmados pelo ex-presidente Barack Obama. Todo acordo diplomático tem um dispositivo que permite aos países signatários mudar de ideia, mas com algumas regras.
No caso do firmado em Paris, o país que decide sair tem que esperar até três anos após o pacto entrar em vigor, mais um ano de "aviso prévio". Ou seja, mesmo anunciando a decisão agora, os EUA só poderiam sair do Acordo no final de 2020.
– Essa saída pode levar algum tempo, não é uma coisa trivial, pois há uma serie de compromissos assumidos pelo governo anterior que deverão ser desfeitos. Além disso, em qualquer tratado internacional, existem cláusulas que obrigam o país a notificar os demais com antecedência sobre a decisão – explica a a presidente do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas.