Como acontece com quem luta pela liberdade, Mam Sonando se destaca por ser um tanto excêntrico. A entrada de sua estação de rádio, descrita pelos ouvintes fiéis como a única transmissão independente do Camboja, é decorada como uma boate, com luzes coloridas e bola de espelhos. E conta com pelo menos quatro santuários budistas.
- Eu sou viciado em ouvir música, disse Sonando, 72 anos.
Entre os artistas prediletos para tocar a todo volume estão Lil Wayne, Eminem e Jay Z.
Sonando é o fundador e proprietário intrépido da Rádio Colmeia. Ele também é uma pedra no sapato o primeiro-ministro cambojano, Hun Sen, no poder há quase três décadas.
Sonando foi preso três vezes por causa de reportagens na programação da rádio que agradaram muito o governo. A terceira prisão, dois anos atrás por insurreição, levou a uma condenação de 20 anos, sentença que foi derrubada - em meio à pressão considerável de governos ocidentais - e substituída por uma pena com suspensão condicional de cinco anos por incitar a agitação.
Os fãs de Sonando parecem ter crescido na mesma proporção dos problemas jurídicos.
Em janeiro, ele e os ouvintes se reuniram diante do Ministério da Informação para exigir que a Colmeia recebesse uma licença para televisão e que a estação de rádio ganhasse permissão para aumentar o alcance da transmissão pelo Camboja. A polícia de choque interviu na manifestação e se lançou contra ele com cassetetes elétricos. Sonando não foi ferido quando um grupo de ouvintes o cercou e sumiu com ele.
- Vou ajudá-lo em tudo que faz. É como se ele fosse meu próprio pai, disse Mech Samnang, um dos ouvintes que levaram choques elétricos enquanto tentavam proteger Sonando durante o confronto.
No último ano, a oposição vem crescendo contra Hun Sen, que até recentemente desfrutava de primazia política inquestionada. O principal partido de oposição vem boicotando o Parlamento desde que disputou as eleições em julho.
Sonando tem sido figura constante em muitos dos protestos contra o governo, alguns dos quais atraíram milhares de pessoas.
Revezando-se como jornalista, ativista e político, Sonando diz estar lutando para proteger as pessoas que foram vitimadas. Seu programa de entrevistas na Rádio Colmeia debate temas ignorados pela maior parte da imprensa cambojana: confisco ilegal de terras, destruição das florestas do país e corrupção.
- Eu acredito que haverá uma mudança, afirmou Sonando durante entrevista em seu escritório, que funciona como casa e sede da Colmeia. - Onde houver injustiça haverá luta que surge por causa dela.
Bandeiras do Camboja e dos Estados Unidos envolvem a escrivaninha; a segunda serve como símbolo da premissa dos EUA e dos ideais de seu povo.
Quatro cães circulam pelo complexo da estação de rádio, incluindo dois grandes pastores-alemães. Sonando é uma espécie de figura paterna para seus 22 empregados e lê poemas no ar entre comentários sobre a opressão no país.
Durante a entrevista, ele também mencionou por acaso que foi fotógrafo erótico quando morou na França, onde estudou e mais tarde buscou refúgio, em 1975, durante o governo genocida do Khmer Vermelho. Ele também tem dupla cidadania francesa e cambojana, tendo voltado à terra natal na década de 1990.
- Ele é uma personalidade muito interessante, disse Ou Virak, presidente do Centro para os Direitos Humanos do Camboja, organização independente em Phnom Penh.
Com uma queda pela franqueza e predileção por críticas no ar, ele é quase um Rush Limbaugh - comentarista político de direita dos EUA - cambojano, só que não segue uma ideologia em particular.
Sonando criou um partido político na década de 1990 e disputou uma cadeira na Assembleia Nacional, mas perdeu e desfez o partido.
- Quanto à rádio Colmeia, não existe nada tão crítico ao governo, garantiu Virak.
Em uma transmissão recente, Sonando reclamou durante meia hora do fato de que uma autoridade local em uma província do sudoeste ainda tivesse a mentalidade do Khmer Vermelho, não lhe permitindo distribuir doações aos moradores de povoados.
De muitas formas, Sonando personifica as dificuldades da imprensa independente no Camboja. Segundo ele, logo depois que a estação começou a funcionar, pessoas vestidas com uniformes da polícia e das forças armadas saquearam sua casa.
A Colmeia é alimentada por geradores porque Sonando teme que, caso se ligue à rede elétrica nacional, o governo possa desligá-la.
A estação, que começou a transmitir em 1996, foi batizada por causa de uma pergunta que o pai de Sonando fazia quando ele era criança: por que a sociedade cambojana não pode funcionar em harmonia, como uma colmeia?
De acordo com ele, a Rádio Colmeia sobrevive mês a mês. Ela precisa de aproximadamente US$ 16 mil mensais para se manter, e a maior parte provém de tarifas pagas por organizações externas que querem espaço para seus próprios programas, incluindo um favorável ao governo.
Sonando diz que o resto da receita vem de doações, principalmente de cambojanos do exterior. Ele viaja à França uma vez por ano e fica no apartamento do filho no subúrbio parisiense de Choisy-le-Roi.
Como exemplo das restrições à imprensa no Camboja, o país caiu abruptamente ao 143º lugar entre 180 países no Índice de Liberdade da Imprensa Mundial do ano passado, ranking calculado pelo grupo Repórteres Sem Fronteira. Neste ano, o país está na 144ª posição.
Contudo, a sobrevivência de Sonando, apesar de todos os obstáculos, também simboliza as nuances do cabo de guerra entre a imprensa independente no Camboja e Hun Sen. O governo pode ser autoritário, mas o Camboja é uma sociedade autônoma onde a pressão total sobre a oposição parece inimaginável.
Embora as estações de televisão e os jornais em cambojano sejam praticamente controlados por Hun Sem e magnatas aliados a ele, a internet não é censurada - ainda que pelo menos em uma ocasião sites políticos teriam sido bloqueados - , e os dois jornais em inglês, The Cambodia Daily e The Phnom Penh Post, tenham proprietários estrangeiros e regularmente publiquem reportagens criticando o governo.
A Rádio Colmeia vende espaço à Radio Free Asia e à Voice of America, ambas patrocinadas pelo governo norte-americano, e à Radio France Internationale, que pertence ao governo francês.
Sonando afirmou que submeteu seis pedidos - todos negados pelo governo - para aumentar o alcance da estação, que ele estima alcançar 60% do país. Sonando também solicitou formalmente um pedido para receber autorização para uma estação de televisão.
Khieu Kanharith, ministro cambojano da Informação, disse durante entrevista telefônica que o pedido da Colmeia por maior cobertura radiofônica era impossível por causa de questões técnicas.
- Não temos espaço suficiente no Camboja agora, então negamos a solicitação, ele disse.
O dial de rádios já está cheio, afirmou Kanharith, citando 150 estações privadas e outras 17 estatais no país.
Sonando diz ter submetido o primeiro pedido para expandir a cobertura há quase uma década - muito antes das outras estações. Segundo ele, o público cambojano tem maior consciência política hoje em dia e não aceitará por muito mais tempo as tentativas governamentais de calar as vozes independentes.
Todavia, ele afirma, talvez não de forma inteiramente convincente, que não deseja tomar partido na política e sustenta criticar tanto o governo quanto a oposição.
- Estarei ao lado de qualquer um que liderar e respeitar a vontade do povo e a Constituição, ele declarou, ao estilo do político que já buscou ser. -Eu sou a favor do povo.
Jornalista, ativista e político
Proprietário de rádio independente participa de atos contra o governo no Camboja
Mam Sonando diz lutar pela liberdade no país
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