Em um dia especialmente quente no verão de 1858, o cheiro do esgoto lançado no Rio Tâmisa se tornou tão insuportável que os legisladores molharam as cortinas do Parlamento com cloreto de cal. Quando nem isso foi capaz de aliviar o cheiro, os parlamentares simplesmente abandonaram o local.
O líder do Parlamento e chanceler do Erário Público, Benjamin Disraeli, - foi visto deixando a câmara com um lenço sobre o nariz - , de acordo com Stephen Halliday em sua história "The Great Stink of London" (O grande fedor de Londres, em tradução livre).
As pressões aumentaram para que o governo seguisse as recomendações do importante engenheiro civil Joseph W. Bazalgette para construir um sistema de túneis que coletasse o esgoto e o mandasse para outro ponto do rio, abaixo da capital, e a construção logo começou. Os túneis do sistema de 1.770 quilômetros - cobertos com 314 milhões de tijolos colocados meticulosamente por pedreiros vitorianos - continuam em condições surpreendentemente boas até os dias de hoje.
Todavia, construído para uma Londres com metade do tamanho atual, o sistema está sobrecarregado. Pelo menos uma vez por semana o esgoto não tratado acaba sendo jogado diretamente no Tâmisa, uma mudança drástica em relação ao século XIX, quando o sistema recém-construído ficava sobrecarregado menos de uma vez ao ano.
O aumento no fluxo de esgoto não tratado - causado tanto pela perda de espaços verdes que absorvam a água das chuvas, quanto do aumento da população - viola a lei ambiental europeia, afirmou a Comissão Europeia em 2009, e o governo prometeu que iria agir.
Porém, em uma era de austeridade e orçamentos curtos, não é o governo que vai pagar a conta de US$ 6,6 bilhões, mas a Thames Water, uma empresa privada com acionistas. O governo vai assumir o risco, o que significa que irá agir como financiador de última instância, caso ocorra um grande problema durante a construção, mas não será responsável por pagar pelo novo sistema.
Entretanto, é claro que há um porém: quem vai bancar o projeto na verdade são os clientes da Thames Water, com contas de água mais altas, uma perspectiva tão terrível para os londrinos de hoje, quanto o fedor enfrentado por seus antepassados no século XIX.
As contas de água dos 14 milhões de clientes da Thames Water em Londres e arredores vão aumentar de US$ 570 ao ano para cerca de US$ 700 dólares nos próximos anos, segundo a empresa. O dinheiro será utilizado para pagar os investidores iniciais, que também serão donos do novo sistema. E, mesmo assim, os túneis ainda serão propriedade da empresa, uma perspectiva que deixa os cidadãos ainda mais irritados.
Diversos políticos locais e especialistas do setor afirmam que o plano é o mesmo que jogar dinheiro no ralo, que as estimativas de custo estão baixas demais e que existem alternativas mais baratas e menos problemáticas.
- Os custos podem acabar na casa das 10 bilhões de libras - , afirmou Nicholas Botterill, líder do conselho de Hammersmith e Fulham, bairros a sudeste de Londres, - e eu não quero que o país desperdice tanto dinheiro - .
A situação também não seria boa para as pessoas que vivem perto dos locais de construção, afirmou. Até mesmo o engenheiro que fez os planejamentos iniciais dos novos túneis do esgoto, Chris Binnie, está dizendo que dois túneis menores e muito mais baratos seriam suficientes.
O sistema de Bazalgette custou cerca de 6 milhões de dólares, ou o equivalente a 6 bilhões de dólares em valores atuais, de acordo com o Thames Water, mas transformou o centro de Londres. Por exemplo, ele estreitou o Tâmisa por meio da construção do Victoria Embankment, uma rua elegante com calçadas que abrigam não apenas o túnel de esgoto, mas a primeira linha de metrô.
O escopo do projeto atual é muito menos intimidador. O novo túnel passaria basicamente sob o Tâmisa e coletaria o esgoto antes que ele chegasse ao rio, transportando-o para centros de tratamento. O túnel teria mais de 24 quilômetros de extensão, estaria a mais de 61 metros de profundidade e seria grande o bastante para abrigar três ônibus de dois andares um ao lado do outro.
Ann Rosenberg, jornalista aposentada da BBC, vive a uma quadra de um dos locais planejados para a construção do esgoto em Parsons Green. - O que fica atravessado na minha garganta - , afirmou, - é que vou pagar por esse túnel até morrer e meus filhos também vão pagar por ele, mas não seremos donos ao final, pois ele fará parte da base de ativos da Thames Water e seus investidores - .
Rosenberg também está preocupada com outros problemas. - Isso vai ser intolerável e irá afetar a saúde das pessoas - , afirmou de sua casa de três quartos, onde vive há 30 anos. - Eles falam sobre a vinda de veículos pesados a cada 15 minutos. Isso terá um impacto sobre a qualidade do ar - .
Michael Gerrard, diretor-executivo do projeto do esgoto da Thames Water, afirmou que os londrinos precisam contribuir com o futuro da cidade. - Se você quiser que Londres cresça, é preciso investir em infraestrutura - , afirmou. - Se nada for feito, teremos um problema de saúde pública.
A Thames Water não nega que haverá alguns problemas e diz que irá pagar para instalar janelas duplas nas casas das pessoas para protegê-las dos ruídos e até alocá-las em outros locais, caso a construção se torne insuportável. Entretanto, os detalhes de quando e sob quais circunstâncias esse tipo de ajuda será oferecida ainda são vagos.
- Haverá problemas e custos e as pessoas querem que isso acabe logo, mas não tenho o poder necessário para fazer isso - , afirmou Gerrard. - Acredito que não existam alternativas - .
Rosenberg e outros afirmam que existem alternativas. Binnie, que recomendou a construção do novo esgoto em 2006, argumenta agora que dois túneis menores seriam suficientes e custariam cerca de 2,4 bilhões de dólares. Novas formas de tratar o esgoto e prever seu fluxo total surgiram ao longo dos últimos seis anos e a Thames Water deveria rever essas opções, afirmou.
De acordo com a "Clean Thames Now and Always", uma organização sem fins lucrativos que se opõe à construção do superesgoto, uma dessas opções é a criação de mais espaços verdes na cidade capazes de absorver a água da chuva ao invés de levá-la à rede de esgoto. Outra opção é melhorar a qualidade da água oxigenando o rio.
- Queremos que o projeto seja revisto - , afirmou Botterill, o líder do conselho. - Queremos uma solução melhor do ponto de vista ambiental, social e econômico. Todos que observam isso com seriedade chegam à conclusão de que essa não é a melhor solução - .
A Thames Water afirmou que essas ideias são ineficazes e de curto prazo. Seria preciso criar espaços verdes equivalentes a 40 Hyde Parks para começar a aliviar o problema do esgoto, afirmou a empresa.
"Além disso", afirmou Phil Stride, executivo da Thames Water, - não dá pra deixar todo mundo feliz - .
Meio ambiente
Sistema de esgoto de Londres apresenta problemas de sobrecarregamento
Aumento no fluxo de esgoto não tratado devido à perda de espaços verdes que absorvam a água das chuvas e pelo aumento da população violam lei ambiental europeia
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