Offenburg, Alemanha - O braço telescópico do guindaste de câmera Supertechno 30 sobrevoou a plateia de televisão ao vivo, enquanto o odor da pirotecnia de uma banda sueca pairava no ar. O ator americano Denzel Washington observava enquanto um alemão de óculos enfiava o dedo numa garrafa e fazia um som de estalo.
Washington aplaudia e incentivava como se estivesse de volta ao treinador de "Duelo de Titãs". Ele apoiava o jovem bávaro, Bernhard Siegel, que tentava adivinhar, através do barulho, quanta água havia numa série de garrafas - por glória, fama fugaz e a chance de ganhar um carro novo.
Era uma recente noite de sábado, e Washington, que estava ali para promover o filme "O Voo", havia entrado no universo bastante alemão de "Wetten, Dass
?", um show de variedades com 10 milhões de espectadores e frequentemente considerado o maior programa de televisão da Europa. Em mais de três décadas, ele se firmou na consciência alemã mesmo quando a audiência declinava e as críticas aumentavam - não só sobre o programa, mas também sobre o que ele representa.
"Wetten, Dass
?" - cuja tradução livre seria "Quer apostar que...?" - começou em fevereiro de 1981, e o formato, onde pessoas comuns competem para executar estranhas "apostas", ou provas, mudou muito pouco. Os desafios amalucados continuam sendo a alma de um programa que é uma instituição alemã amada, mas perpetuamente em luta.
- Algumas pessoas dizem que, se algo sobreviver a uma guerra nuclear, serão as baratas e 'Wetten, Dass
?' - afirmou o apresentador, Markus Lanz, de 43 anos, numa entrevista. Essa sobrevivência vem sendo muito contestada ultimamente. Um homem bem apessoado de 43 anos, Lanz assumiu o trabalho num momento de crise.
"Wetten, Dass
?" evitou por pouco o cancelamento após um trágico incidente ocorrido ao vivo. Em dezembro de 2010, Samuel Koch, um jovem usando grandes pernas de pau, caiu quando saltava por sobre um Audi dirigido por seu pai - e ficou paralítico diante de milhões de espectadores.
O duradouro e popular apresentador do show, Thomas Gottschalk, anunciou rapidamente que o programa noturno seria cancelado. No programa seguinte, ele declarou sua demissão. Muitos acharam que o acidente e sua saída marcariam o fim do programa.
Complicando ainda mais a situação, a maior revista de notícias da Alemanha, "Der Spiegel", reportou em janeiro que o irmão de Gottschalk teria acordos comerciais questionáveis com diversos patrocinadores do programa. Isso poderia ser um caso de publicidade imprópria na televisão estatal. Um desses patrocinadores era a Audi, cujos carros são usados como prêmios (inclusive no catastrófico quadro que aleijou o rapaz).
"Wetten, Dass
?" não é produzido por uma emissora privada, mas pela ZDF, uma das duas maiores emissoras públicas, similar à BBC na Inglaterra. Em 2011, o ano mais recente com números disponíveis, a televisão e o rádio na Alemanha receberam mais de US$ 10 bilhões em taxas de licenciamento de espectadores e ouvintes. Agora, todas as residências terão de contribuir.
O velho e respeitável programa se encontra no meio de uma discussão nacional sobre se o público estaria recebendo pelo que paga.
- Eles quase nunca aparecem com algo que valide todo o dinheiro colocado nesse sistema - afirmou Marc Felix Serrao, jornalista do jornal "Sueddeutsche Zeitung".
Tudo faz parte de um amplo exame de consciência sobre por que a Alemanha, com importantes tradições em literatura, teatro e filmes, basicamente perdeu a atual onda de uma televisão mais desafiadora e complexa. Em sua última edição, a "Der Spiegel" questionou: "Por que os alemães são os únicos a dormir frente ao futuro da TV?" A revista chamou os programas alemães de "televisão placebo, covarde e inofensiva".
O "Wetten, Dass...?" foi arrastado ao debate sobre o conteúdo dos programas da TV pública.
- Por um lado, eles deveriam produzir programas artisticamente incríveis, pois isso legitima o financiamento e a razão para termos emissoras públicas - explicou Dominik Graf, um diretor cuja série sobre a máfia russa em Berlim, "Im Angesicht des Verbrechens" (Na Face do Crime), é sempre comparada a "The Wire". - Mas por outro lado, os funcionários dos fundos de filmes falam apenas nos números da audiência.
O panorama da TV alemã é repleto de reality shows com competições de modelos e cantores. Jornais monitoram meticulosamente o desempenho de celebridades num acampamento na selva no programa "Sou um Astro, Me Tirem Daqui", no estilo de "Survivor". Mas as maiores críticas são geralmente reservadas a "Wetten, Dass...?".
Os ataques refletem um "amor decepcionado" de uma geração cansada do programa, afirmou Matthias Kalle, editor-chefe da revista do periódico "Die Zeit".
Em seu auge, "Wetten, Dass...?" atraía o número quase impensável de 23 milhões de espectadores. O popular romance "Generation Golf", de Florian Illies, começa com um garoto de 12 anos numa banheira, ansioso pelo início do programa. "Nunca mais, nos anos futuros, alguém teria um sentimento tão seguro de fazer exatamente a coisa certa no momento certo", escreve Illies.
Gottschalk começou a apresentar em 1987 e se estabeleceu como um dos maiores astros da Alemanha. Com seus cabelos loiros e ternos extravagantes, ele trouxe o clima de um Chapeleiro Maluco e a excentricidade de Willy Wonka a um programa massivo na televisão. Por outro lado, muitos críticos já descreveram Lanz como um aluno obediente e trabalhador.
A julgar apenas pelo número de membros da plateia tirando fotos avidamente, o show ainda tem um pulso forte. - Acho a forma como ele faz muito positiva - declarou Bernd Ruhlich, de 47 anos, sobre o apresentador Lanz. Ruhlich veio com a esposa e dois filhos para assistir à edição de janeiro (o show é feito cerca de sete vezes por ano).
Os produtores não facilitam para si mesmos. Em vez de apresentar o programa sempre no mesmo estúdio, ele é itinerante. Uma equipe de 250 pessoas precisa reconstruir o set - com 35 caminhões repletos de alto-falantes, luzes e camarins - em locações por toda a Alemanha, e até mesmo no estrangeiro. O show é coproduzido pela ORF, a emissora pública austríaca, e também já foi realizado em Majorca, na Espanha.
A última parada deste "circo errante", nas palavras de um funcionário da emissora, foi uma sala de convenções nesta cidade no sul da Alemanha.
Para astros de língua inglesa como Denzel Washington, há tradutores falando num fone de ouvido. Cada vez que ele falava, uma voz desencarnada o ecoava em alemão - às vezes declarando "ja" ou "nein" quando ele apenas meneava a cabeça.
O show pode ultrapassar três horas de duração. Em novembro, o ator Tom Hanks parecia infeliz num chapéu com orelhas de gato enquanto Lanz saltava ao seu redor numa corrida de saco de batatas. "Nos Estados Unidos, se você participa de um programa que se arrasta por quatro horas, todos os responsáveis por esse programa são demitidos no dia seguinte", afirmou Hanks a uma estação de rádio.
Para Lanz, esses comentários representaram duros golpes, sendo muito citados na mídia alemã. Washington satirizou a confusão ao usar o mesmo chapéu, antes de dizer que ele ficou melhor em Hanks.
Washington pode ter sido o maior astro no show de janeiro, mas Lanz era a personalidade que mais trabalhou. Ao longo do programa ele dançou com um convidado homem usando uma saia de balé, levantando-o diversas vezes. Ele disputou uma competição de memória com um membro da plateia - enquanto ambos usavam uma máquina de remada - e venceu. Um enorme competidor inclusive demonstrou um movimento de luta romana, saltando no ar e caindo sobre Lanz.
Lanz e Washington dividiram o palco com um grande medalhista olímpico em arremesso de disco, uma lenda do biatlo de esqui e tiro e diversas estrelas da televisão e cinema na Alemanha. Numa tela gigantesca, uma montagem de clipes de filmes mostrou as nádegas nuas do jovem astro de cinema Matthias Schweighoefer.
Washington tinha um filme para promover, e há poucos lugares melhores para isso na Alemanha, que é a maior economia da Europa. Lanz passou clipes de "O Voo", e Washington serviu biscoitos aos telespectadores de um cinema vizinho.
Naquela mesma noite, o público de "Wetten, Dass...?" viu um jovem executar cambalhotas numa esteira e um massagista identificar diferentes óleos de massagem em frente a um set da contracultura da década de 1960, incluindo um ônibus Volkswagen. O destaque provavelmente foi um motorista de empilhadeira e seu parceiro, que pegavam moedas de dois centavos usando as grandes pás do veículo e então derrubavam o dinheiro numa garrafa de refrigerante.
- Se apenas os gregos fossem tão cuidadosos com seu dinheiro - brincou Lanz. Os trabalhadores de um armazém fracassaram em sua prova, conseguindo colocar apenas três moedas (das quatro exigidas) dentro da garrafa. Washington ajudou o jovem Siegel - o que fazia estalos nas garrafas, e o mais novo ganhador de "Wetten, Dass...?" - a ganhar um Audi novinho.
- Todos conhecem o show, todos têm uma opinião a seu respeito, então há uma tendência a sobrecarregar a posição de 'Wetten, Dass
?' com excesso de significado - afirmou Kalle, o editor de "Die Zeit". - Mas o programa continua no ar.
The New York Times
Programa de TV alemão gera polêmica por conteúdo absurdo
No ar há mais de três décadas, show recebe críticas pelas atrações e pelo que representa à cultura nacional
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