Gaza, Faixa de Gaza - Khader Bakr, um pescador de 19 anos, ficou radiante ao saber que poderia pescar a até 6 milhas náuticas da costa, o dobro do limite de 3 milhas que Israel havia instituído desde 2009. A mudança era parte do acordo de cessar-fogo que interrompeu o combate entre Israel e o Hamas em Gaza, no mês passado.
Mas ao testar as águas no final de novembro, Bakr aparentemente navegou para longe demais. Um barco israelense que patrulhava contra o contrabando de armas ordenou que ele parasse e ficasse apenas de cuecas. Enquanto os israelenses afundavam seu barco, ele pulou no mar e foi puxado à embarcação israelense para interrogatório.
- Passei quatro horas tremendo - contou ele, antes dos israelenses ordenarem que outro barco de pesca palestino levasse Bakr de volta à costa.
Encontros com as patrulhas israelenses ainda são a maldição dos pescadores de Gaza. Na maior parte do tempo, porém, o novo acordo vem sendo uma bênção.
Os pescadores correram para aproveitar o terreno mais amplo de pesca, mais longe da costa - onde o esgoto é bombeado ao mar sem tratamento. As capturas aumentaram em quantidade, qualidade e frescor - e consequentemente, no preço. Os peixes são maiores e incluem espécies desejáveis como garoupa, salmonete e robalo do Mediterrâneo, que já não existiam perto da terra.
Mas os pescadores correm o risco de pescar em excesso rapidamente. - Nos primeiros dias, peguei peixes valendo de US$ 1.580 a US$ 1.850 - afirmou Yasser Abu al-Sadeq. -Hoje, fiz em torno de US$ 1.050.
Mas a situação ainda é melhor, garantiu ele.
- Antes do cessar-fogo, eu mal pegava US$ 790 - disse. - É como quando você entra numa casa que ficou abandonada por anos e começa a limpá-la. No começo da faxina, você tira muito lixo, mas quando volta diariamente, você retira apenas um pouco.
Ele e sua equipe partem por 24 horas a cada vez, explicou ele, cozinhando os pequenos caranguejos e lulas que apanham nas redes. Ele descreveu uma saída que ultrapassou o limite de 6 milhas, quando uma embarcação armada israelense circulou seu barco, ordenando que eles voltassem à costa.
Ele se lembrou de uma época de ouro antes da segunda intifada palestina, em 2000, quando ele podia ir até a 12 milhas náuticas - onde encontrava sardinhas e pequenas arraias. - Lá é uma reserva protegida por Deus - disse ele.
Os pescadores dizem estimar as distâncias, já que a maioria deles não possui sistemas precisos de navegação - mas geralmente há um indicador.
- Quando podíamos ir até 3 milhas, as embarcações militares nos atacavam em 2,5 milhas - afirmou Monzer Abu Amira, enquanto reparava redes verdes de nylon. - Hoje, eles se aproximam quando estamos em 5,5 milhas.
Os israelenses costumam usar alto-falantes e canhões de água, mas às vezes eles atiram munição real em equipamentos de pesca, no motor ou no próprio barco. Em teoria, os moradores de Gaza podem pedir indenização se os barcos forem danificados ou destruídos, mas na prática poucos o fazem.
Segundo um alto funcionário israelense, nunca houve um anúncio oficial de que o limite de pesca havia sido ampliado de 3 para 6 milhas, mas ele confirmou que 6 era a nova realidade. Israel continua negociando indiretamente com o Hamas, movimento islâmico que governa Gaza, tendo o Egito como intermediário, para transformar o acordo de cessar-fogo em algo mais permanente, explicou o funcionário.
- Temos interesse em prolongar a longevidade da calmaria - continuou ele. - Entendemos que o relaxamento de algumas das restrições pode conduzir a essa meta. A tranquilidade é nosso interesse. Assim, temos interesse em mostrar flexibilidade onde podemos, e de mostrar aos egípcios que estamos falando sério.
Além do de Bakr, houve outros casos de israelenses atirando em barcos de pesca, especialmente nos primeiros 10 dias após o cessar-fogo, segundo o Centro Palestino de Direitos Humanos. O centro diz que, em 29 de novembro, marinheiros israelenses interceptaram um barco de pesca a 5 milhas náuticas da costa, detendo e interrogando seis pessoas a bordo, incluindo uma criança. Pelo menos dois outros barcos de pesca foram alvejados ou abordados, e suas tripulações interrogadas, às vezes no porto israelense de Ashdod, antes de serem liberados.
Recentemente, forças navais israelenses feriram um pescador palestino, Mas'ad Bakr, que, segundo eles, estava além do limite de 6 milhas e foi "ferido por estilhaços" quando eles atiraram no barco para detê-lo, pois ele não teria respondido a ordens para parar. Ele foi levado a um hospital israelense. Nezar Ayyash, chefe do sindicato de pescadores de Gaza, declarou que o barco estava dentro do limite de 6 milhas.
Mushir al-Masri, representante do Hamas, disse que Israel era culpado por violar o acordo de cessar-fogo - que, segundo ele, permitia a expansão do limite de pesca. "Nós repassamos todas as violações aos patrocinadores egípcios da trégua", afirmou ele.
A expansão da pesca não mudou imediatamente os hábitos de compra dos restaurantes locais, que se acostumaram a comprar peixes de viveiro do Egito, contrabandeados através dos túneis. Os pescadores dizem que o peixe contrabandeado muitas vezes chega estragado, pois é difícil mantê-lo constantemente refrigerado por todo o caminho.
Para Rafiq Balaha, peixeiro de 38 anos vendendo seus produtos ao lado do porto, o Egito continua sendo uma fonte importante.
- Não há peixes suficientes nas águas de Gaza - afirmou ele. - Eu trago pargos -conhecidos localmente como "denise", que são criados em viveiros egípcios e israelenses. - O povo daqui adora esse tipo de peixe - acrescentou ele.
Hatem Bakr, que possui um restaurante local de frutos do mar, examinava a captura do dia. - Agora podemos comprar salmonete e robalo - disse ele. - Aqui as pessoas preferem comprar peixes locais, e não egípcios, porque gostam do sabor.
Ele acredita que os peixes continuarão caros pelo menos até os pescadores poderem sair até 10 milhas náuticas.
Segundo Abu Amira, os pescadores estão tentando alimentar suas famílias. - Eles lutam no mar para poderem alimentar seus filhos, e não para causar problemas entre eles e os judeus - argumentou ele.
Assim como os peixes, quando os pescadores são retirados do mar, eles morrem.
- O mar é tudo para nós, nosso hobby, nosso trabalho, nosso prazer, nossa renda -explicou Abu Amira. - Não sabemos nada sobre a terra. Se deixamos o mar, ficamos perdidos.
É lá que Khader Bakr está agora, sentado na costa, no pequeno porto da cidade de Gaza, lamentando sobre seu barco.
- Agora eu perdi tudo - disse ele. - Não tenho nada para ir pescar.
The New York Times
Cessar-fogo em Gaza ajuda, mas não salva pescadores
Acordo que encerrou os combates entre Israel e Hamas ampliou o terreno de pesca, embora os encontros com patrulheiros no mar ainda sejam o pesadelo de muitos trabalhadores na região
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