Bangcoc - Durante décadas, Douglas A.J. Latchford, um colecionador de artes britânico de 81 anos de idade, construiu uma reputação como um dos melhores especialistas em antiguidades Khmer do mundo, cujas devoluções generosas ao Camboja lhe renderam um título nobre no país em 2008.
Mas em novembro, Latchford, que mora em um apartamento recheado de artefatos asiáticos, foi descrito com menos cavalheirismo em uma ação movida pelo gabinete da procuradoria dos Estados Unidos em Manhattan.
Os advogados federais disseram que Latchford, identificado nos documentos legais apenas como "o colecionador", comprou uma estátua de guerreiro Khmer do século X, no início dos anos 70, sabendo que ela havia sido saqueada de um templo na selva durante a guerra civil cambojana.
Os advogados estão tentando ajudar o Camboja a recuperar a obra de arte, uma estátua de arenito com 227 quilos, que a Sotheby's de Nova York ainda espera vender por milhões de dólares em nome do dono atual. Para a Sotheby's e para o governo federal, o processo judicial é a mais recente batalha lançada sobre o que é justo e apropriado ao regulamentar a venda de antiguidades globais.
Para Latchford, que nega ter alguma vez sido dono da obra, o caso chamou uma atenção indesejável para uma longa carreira no emaranhado mundo de colecionadores de antiguidades, onde os dogmas da propriedade privada, preservação cultural e patrimônio nacional frequentemente entram em desacordo.
- Se os franceses e outros colecionadores ocidentais não tivessem preservado esta arte, qual seria o conhecimento sobre a cultura Khmer hoje em dia? - perguntou ele em uma entrevista.
Latchford, que é bem conhecido aqui como um empresário de fisiculturistas que dirige competições nacionais, já gastou mais de 55 anos acumulando uma das coleções de antiguidades cambojanas mais finas do mundo, muitas das quais já decoraram sua segunda casa em Londres. Ele doou muitas outras a instituições, incluindo o Museu Nacional em Phnom Penh e o Metropolitan Museum of Art. Especialistas citam os três livros dele como tesouros Khmer, escritos com a estudiosa Emma C. Bunker, como trabalhos de pesquisa cruciais.
- Os presentes dele são muito importantes por que estes artefatos ensinam aos cambojanos sua história", disse Hab Touch, diretor geral do Departamento Geral de Assuntos Culturais do governo cambojano. - Esperamos que essa generosidade dê um bom exemplo para outras pessoas.
Os promotores dos Estados Unidos, porém, disseram que sua conduta em relação à estátua na Sotheby's, conhecida como Duryodhana, foi menos louvável. O pedestal e os pés da estátua foram encontrados no chão em 2007 em um sítio arqueológico saqueado chamado Koh Ker e, nos documentos oficiais, os promotores afirmam que Latchford (que reconhece ser o colecionador sem nome da queixa federal) comprou a estátua de um negociante tailandês, que, segundo eles, o obteve de uma rede organizada de saqueadores.
Eles dizem que Latchford teria ajudado a levar a escultura para a Grã-Bretanha, auxiliando com os vistos de exportação que tinham como função esconder o que estava sendo levado de fato.
A casa de leilão Spink & Son vendeu a estátua em 1975 para um belga, cuja viúva é a dona atual. Ela consultou a Sotheby's para vendê-la em 2010, mas a venda foi suspensa quando o governo cambojano se opôs. A Sotheby's está lutando contra os esforços do governo dos Estados Unidos de apreender a estátua em nome do Camboja, argumentando no tribunal que não há evidências que a peça tenha sido saqueada ou seja propriedade do governo cambojano.
Não ficou claro nos documentos legais que evidências o governo tem para apoiar sua versão sobre Latchford, que não é réu no caso. A procuradoria dos Estados Unidos negou um pedido de entrevista.
Latchford disse que os advogados do governo, desesperados para apreender uma antiguidade de alto calibre, estavam "juntando suposições" para aumentar sua participação. - Isso é a imaginação de alguém fazendo hora extra - disse ele.
Ele disse que já quis ser dono da estátua, que ele não acredita ter sido saqueada, e que um representante da Spink em Bangcoc a obteve, com sua recomendação, do dito negociante tailandês não identificado. Mas ele disse jamais tê-la comprado. Ele reconheceu que, para registro, a Spink parece tê-la listado em seus arquivos sob o nome dele.
Os arquivos da Sotheby's parecem apoiar sua lembrança. Em e-mail em 2010, Latchford disse a um representante da Sotheby's que ele já havia sido dono da estátua, mas ele se corrigiu algumas semanas depois, muito antes de a venda da estátua se tornar um problema para os oficiais cambojanos ou para os promotores norte-americanos. "Eu chequei meus registros e notei que eu tinha a estátua de guerreiro reservada na Spink em 1970, mas nunca cheguei a comprá-la", escreveu.
Do mesmo modo, Latchford negou qualquer envolvimento na aquisição dos vistos para exportação. - Eu nunca fiz conspirações com ninguém - disse ele.
Espera-se que um juiz emita uma decisão sobre o esforço do governo de apreender a estátua em alguns meses. A Sotheby's disse que o Camboja não pode reivindicar uma estátua "que foi abandonada na selva há 50 gerações". O governo afirmou nos documentos que a estátua ainda era de propriedade cambojana por que o "Estado nunca transferiu o Duryodhana para nenhum dono privado, seja como venda, presente ou de outra maneira".
Nascido em Mumbai e educado na Grã-Bretanha, Latchford, que crê em reencarnação, disse que uma vez dois monges budistas lhe disseram que "em uma vida passada eu havia sido Khmer, e que o que eu colecionava já havia sido meu".
Latchford disse que esperava obter cidadania cambojana e planejava se aposentar em uma área perto dos templos de Angkor. Em 2008, ele ajudou a arrecadar 195 mil dólares para iluminar o Museu Nacional. Ele disse que os representantes culturais cambojanos se referiam a ele como lok kru (respeitável professor) e bong (irmão mais velho).
Porém, já havia surgido um certo ceticismo em relação a Latchford muito tempo antes de as autoridades norte-americanas se envolverem. Anne LeMaistre, que dirige o campo de pesquisa em Phnom Penh para a UNESCO, agência que promove a herança cultural, disse que, embora Latchford tenha doado os artefatos, ela estava incomodada que os livros dele tenham tantas fotos exuberantes de obras de arte Khmer que pertencem a colecionadores privados anônimos.
Um dos livros, segundo ela, é praticamente "o inventário do patrimônio cultural do Camboja". Ela e outras pessoas o culpam por não dizer ao Camboja onde os itens estão.
Latchford disse que "não seria apropriado" revelar os nomes dos colecionadores anônimos.
Questionado sobre a propriedade de possuir ou ter informações sobre tantas relíquias Khmer extraordinárias, Latchford disse que os itens estão em melhores mãos do que se fossem, de algum modo, devolvidos em massa para o Camboja.
- Qual é o custo monetário para o Camboja? - perguntou ele. - Quem vai pagar pela repatriação? Onde elas vão ficar? Apodrecendo em um depósito? Quem vai pagar pela conservação?
Questionado sobre ele considerava doar mais de sua coleção nos próximos anos, Latchford disse ter prometido isso a autoridades cambojanas. Mas afirmou: - Enquanto eu estiver vivo, pretendo aproveitar o que tenho.
The New York Times
Alegações de saques comprometem especialista em arte Khmer
Colecionador britânico é suspeito de comprar estátua saqueada de um templo na selva de Camboja
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