Tocar um negócio no Brasil requer a virtude de saber remar contra a maré. Os impostos são altos, a burocracia é sufocante e as linhas de financiamento são escassas - cenário que rende ao país a 120ª posição no ranking Doing Business, do Banco Mundial, que aponta os melhores países para se fazer negócios. Ou seja, o Brasil está lá no fim da fila no quesito de facilitar a vida de empreendedores que querem ganhar dinheiro - mas que também vão criar empregos e gerar tributos para governos.
Despreparadas para o que virá pela frente - ou simplesmente sem conseguir vencer a rotina de busca por funcionários, disputa com quem já é conhecido no mercado e cumprimento de exigências legais -, 24% das empresas fecham antes de completar dois anos, conforme o Sebrae.
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Um grupo de empreendedores tem mostrado que criatividade, conhecimento de gestão e persistência podem garantir sobrevida no início da atividade ou em momentos críticos. E, em alguns casos, deixar a empresa em destaque em seu setor.
Caminhos para crescer em cenários imperfeitos
São empresários que derrubaram as muralhas que impediam o crescimento de seus negócios ao revirar o globo em busca de novos mercados, cultivar com maestria a reputação de suas marcas e se cercar de métodos eficazes para atrair
e reter talentos.
- Há gargalos que impedem o crescimento de empresas no Brasil, isso é inegável, mas muitas das dificuldades são frutos de falhas na gestão. Se o empresário consegue organizar sua empresa e traçar uma estratégia clara, já larga na frente de muitos concorrentes - afirma Genaro Gali, professor do MBA de Gestão de Empresas da ESPM-Sul.
Quem faz uma leitura sagaz de seu negócio e das condições do mercado tem mais chance de prosperar, afirma Gali. Empreendedores de sucesso conhecem os diferenciais de seu produto e também suas fraquezas, e tratam de encontrar caminhos para crescer mesmo em cenários imperfeitos.
EXCLUSIVIDADE
Bronzatto recuperou a empresa a partir de sobras e retalhos (Foto: Carlos Macedo)
Parecia ser o fim da linha para mais uma fábrica de calçados do Vale do Sinos quando, em 2010, a Louloux tomou um calote de R$ 355 mil de um grupo de lojistas. Empresa pequena, vinha perdendo espaço para grandes marcas no varejo, e o faturamento com exportações minguava em razão do dólar baixo. A falência era iminente.
Para pagar dívidas, o diretor Cristiano Bronzatto teve de demitir funcionários e vender o maquinário. Ao final do processo, viu-se cercado de prateleiras com sobras de tecidos. Só havia um jeito de retomar o negócio: aproveitar os retalhos de coleções anteriores e fazer sapatos de forma manual. Bronzatto não sabia na época, mas estava ali sua melhor ideia desde que criara a Louloux.
- Ninguém fazia isso, era uma loucura. Mas tínhamos de recomeçar de alguma forma - explica.
Montados com material escasso e variado, os sapatos foram nascendo coloridos e com desenho arrojado. Começaram a chamar a atenção de designers e de consumidoras sedentas por novidades. A Louloux ganhou fama de exclusividade, pois cada par tem, no máximo, 35 modelos iguais.
- Quando nos demos conta, tínhamos entrado em um novo mercado, mais ligado à inovação e ao design. Isso nos protegeu da concorrência das grandes marcas - afirma Bronzatto.
Achar uma alternativa para escapar de gigantes do mercado foi a grande sacada da Louloux. A produção da empresa de Novo Hamburgo é pequena, mas rentável: os cerca de 36 mil pares vendidos por ano rendem R$ 5 milhões. O preço de um modelo chega a R$ 398.
Escaldada pela má experiência no grande varejo, a companhia optou por vender apenas em lojas próprias. Atualmente, são duas no Rio Grande do Sul e uma em São Paulo. No ano passado, a Louloux fechou uma unidade em Porto Alegre. Com a economia fraca e vendas a conta-gotas, a loja não cobria os custos de operação.
- Queremos iniciar uma expansão mais cuidadosa, com franquias e parceiros que entendam a essência do nosso negócio - projeta o empresário.
FARO
Sem chance para errar, Evandro mirou a exportação de cachaça (Foto: Lauro Alves)
Uma década separa os dias em que um martelinho da cachaça Weber Haus era vendido por R$ 0,75 nos bolichos do Interior e o momento em que americanos começaram a pagar US$ 125 por uma dose da bebida elaborada em Ivoti.
A reviravolta se deu quando quatro irmãos receberam o negócio do pai, em 2000, e decidiram mirar mais alto. A matéria-prima básica, o fubá de milho, foi substituído pela cana-de-açúcar, de maior qualidade, e barricas de carvalho aromatizadas foram importadas para maturar bebidas mais saborosas.
- Queríamos atingir consumidores que apreciassem a bebida, e topassem pagar por um produto superior - diz Evandro Weber, que se tornou diretor da empresa.
O mercado nacional não comportaria toda produção de cachaça premium. Era preciso exportar. O Brasil é um dos países mais burocráticos e caros para embarques. O frete pode custar US$ 2,3 mil por contêiner (o dobro de Cingapura), e a liberação na aduana poderia demorar 13 dias, um risco se a cachaça ficar exposta ao sol.
As primeiras encomendas foram para mercados de alto consumo, como Canadá, França e EUA, para ganhar escala e reduzir o custo por contêiner. A bebida já está em restaurantes e casas especializadas de 12 países, e há mais 18 na mira.
TREINAMENTO
Kátia forma os profissionais que querem crescer junto com a estética (Foto: Carlos Macedo)
Poucos meses depois de realizar o sonho de abrir o próprio negócio, Kátia Olsen começou a cair na real. O tempo atrás do balcão voava, a burocracia para prestar contas ao governo e a agenda de serviços na sua empresa eram sufocantes. Algo assombrava mais: a dificuldade para encontrar funcionários dispostos a crescer com a empresa. O Espaço K pretendia se firmar como uma das principais estéticas da zona sul de Porto Alegre.
- A maioria dos profissionais passava alguns meses e logo trocava para um salão que pagasse um pouco mais - lembra Kátia.
A solução foi ser formador de mão de obra. Kátia criou um centro de treinamento. Os empregados assistem a palestras, participam de cursos e recebem bolsas para estudar. Muitas capacitações ocorrem em parceria com fornecedores de cremes ou cosméticos.
E o mais interessante: funcionários aprendem também tarefas que não estão em seu radar principal. Foi o que ocorreu com Rita Vargas. Esteticista, ela queria trabalhar no Espaço K, mas não havia esse serviço. Kátia apresentou uma alternativa: Rita seria treinada e trabalharia como manicure. Quando a empresa crescesse, responderia pela área de cuidados da pele. Acordo fechado. Um ano depois, nascia o serviço de mini-spa, e Rita foi nomeada a responsável.
VISÃO
Caixa reforçado para Felipe (último à dir.) e a equipe da Beyond (Foto: Carlos Macedo)
Tomar dinheiro para tocar um negócio no Brasil pode ser angustiante. Financiamentos públicos são escassos e, muitas vezes, direcionados a grandes empresas. Sobram os bancos privados, mas os juros passam de 54% ao ano, conforme a Associação Nacional de Executivos de Finanças (Anefac). A salvação pode estar em investidores-anjo ou empresas de capital de risco, que ajudam empreendedores a dar os primeiros passos. Um porém: são rigorosos em suas escolhas. Nesse contexto, soa quase milagre que uma startup criada há menos de um ano e sem ter vendido um produto sequer tenha sido procurada por investidores dispostos a pagar R$ 1,1 milhão para entrar do negócio.
Transcorria 2014 quando Felipe Delvan, sócio da Beyond Domotics, instalada no Tecnopuc, na Capital, recebeu uma ligação de um alto executivo da Bambuza Capital, de São Paulo. Os homens do dinheiro haviam tomado conhecimento do projeto da Beyond e estavam impressionados.
- Foi uma boa surpresa. Estávamos recém testando um protótipo - lembra Felipe.
A Beyond desenvolve um sistema que automatiza as funções elétricas de uma residência, integrando tomadas e interruptores a um comando central, que pode rodar em tablet ou smartphone.
Na opinião dos investidores, produto inovador e com potencial de mercado. Além disso, traz conceitos de gestão de grandes organizações, como uma rotina de pesquisas de mercado, exibição do projeto em eventos especializados, área estruturada de vendas e administração profissional.
- Tomamos o caminho inverso: estruturamos a empresa para depois pensar no dinheiro - afirma.
O investimento da Bambuza saiu do papel, e tem financiado o início da produção da Beyond. Esta não foi a primeira capitalização. A startup já havia recebido R$ 100 mil de investidores meses antes. Com os cofres guarnecidos e uma versão final do produto,
a Beyond prepara o lançamento para agosto.