
A maior preocupação dos policiais federais que atuam na Operação Lava-Jato já não se resume ao suborno pago a diretores da Petrobras para irrigar contas de partidos da base governamental.
Isso já está mapeado. O alvo, agora, é uma planilha apreendida em São Paulo, no escritório do doleiro Alberto Youssef - o maior operador de propinas oriundas da estatal do petróleo e convencido pelos federais a virar delator.
O documento elenca 747 projetos que figuram entre as maiores obras em andamento ou finalizadas no país. Vão de hidrelétricas a dutos em estádios e aeroportos, passando por hidrovias e obras de irrigação, além de extração petrolífera.
Zero Hora teve acesso à planilha de Youssef, apreendida em 17 de março, mas só agora analisada em detalhes pela Polícia Federal (PF). No Rio Grande do Sul, a tabela lista 17 contratos firmados entre 2008 e 2012. Desses, 10 se referem à Refinaria Alberto Pasqualini (Refap), da Petrobras, em Canoas. Cinco são para construção de componentes para plataformas petrolíferas, em Charqueadas. E os últimos dois são de áreas muito diferentes: uma obra de saneamento em Porto Alegre e um projeto privado, serviço de engenharia em indústria de celulose em Guaíba (cancelado antes de começar). Somadas, as anotações do doleiro referentes a esses projetos, no lado direito da planilha, totalizam quase R$ 76,7 milhões.


Que valor é esse? Não é o orçamento das obras porque os 17 projetos gaúchos citados na planilha estavam avaliados em R$ 3,5 bilhões. Os policiais acreditam que, na maioria dos casos, o dinheiro mencionado pelo doleiro na planilha é o que ele imaginava receber, por contrato, para garantir que a empreiteira vencesse a licitação pretendida. O que a PF ainda não sabe é quanto ele lucrou e em quais casos. Os valor ambicionado representa cerca de 2,1% dos R$ 3,5 bilhões - percentual semelhante ao que Youssef afirmou, em confissão à Justiça, ser a média de propina cobrada para uma empresa garantir obras.
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Os 10 contratos da ampliação da Refap foram tocados, inclusive, por empreiteiras investigadas na Operação Lava-Jato. A maioria dos documentos foi assinada por Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, outro dos delatores do esquema de corrupção na estatal. A ampliação da refinaria foi orçada em R$ 1,59 bilhão e, após três anos de obras, acabou concluída por R$ 2,1 bilhões. Na tabela de Youssef, os registros de valores referentes a esses 10 contratos somam R$ 49,8 milhões. Ou seja, significam pouco mais de 2% do custo final da obra e podem ser referência à comissão recebida pelo doleiro (ou que ele pretendia obter).
Em alguns casos, a planilha não trata de propina e sim do valor global de obras. Um exemplo é o mineroduto da Samarco (escoamento de minério desde Minas Gerais até portos), a respeito do qual o rascunho de Youssef fala em R$ 2,2 bilhões para o projeto de 2008 - nesse caso, é o valor da obra e não da comissão do doleiro.
Polícia Federal investiga a intermediação de negócios
A planilha abrange projetos em todo o país e menciona mais de cem empreiteiras. Dos empreendimentos, 41% nada têm a ver com petróleo. As 34 páginas do documento mostram o cliente (empresa que fará a obra e poderia contratar ou contratou Youssef), o nome de um contato na firma, telefones, o cliente final (quem encomendou a obra), no que consiste o empreendimento, a data da proposta e um valor.
Os investigadores têm poucas dúvidas de que a maior parte dos valores da planilha é propina. Afinal, por que um especialista em lavar dinheiro guardaria em um cofre alguns dos principais planos de infraestrutura do Brasil, bem como menções a cifras bilionárias? E Youssef já foi condenado por crimes contra o sistema financeiro e responde a vários processos por intermediar distribuição de suborno. O que a PF quer saber é se o doleiro apenas tinha interesse nos contratos ou se já atuava na intermediação dos negócios.
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Juiz federal se diz perplexo
A planilha de Alberto Youssef deixou o juiz federal Sergio Moro "perplexo", na definição dele próprio. Isso em decorrência dos indícios de que os crimes transcenderam a Petrobras e outras estatais. O magistrado está convencido de que o doleiro pode ter criado esquema semelhante ao da petrolífera - distribuição de propinas e reforço das finanças de partidos políticos.
"Embora a investigação deva ser aprofundada quanto a este fato, é perturbadora a apreensão dessa tabela, sugerindo que o esquema criminoso de fraude à licitação, sobrepreço e propina vai muito além da Petrobras. Afinal, a única especialidade conhecida de Alberto Youssef é lavagem de dinheiro", alertou Moro, em despacho do dia 4.
O juiz se baseia na interpretação da Polícia Federal (PF) ao apreender a planilha. O policial encarregado de analisar o material é categórico.
"É claro o envolvimento de Youssef e seu grupo com grandes empreiteiras, e por meio da planilha apreendida, pode-se deduzir que Youssef tinha interesse especial nos contratos, onde de alguma forma atuava na intermediação", acrescentou Moro.
Ouvidos, alguns diretores de empresas confirmaram ter repassado quantias entre 3% e 15% dos contratos para Youssef, mas não como propina e sim como "comissão".
"Era dito no setor que ele tinha tráfego bom junto às construtoras", justificou Márcio Bonilho, diretor da Sanko-Sider, em depoimento.
E não só para empreendimentos da Petrobras. Conforme Paulo Roberto Costa, ex-diretor da estatal que virou delator na Lava-Jato, a cartelização funcionava em todas as grandes obras do país.
"Deve ter ocorrido em Angra 3, nas grandes hidrelétricas no norte do país... em rodovias, ferrovias, aeroportos, portos, saneamento básico", declarou Costa à Justiça Federal em 22 de outubro.
Youssef, também à Justiça, admitiu que 1% de cada contrato se destinava ao PP e, em alguns casos, 2% a outros partidos. Do total da propina, ele cobrava 5% como comissão para "lavar" o dinheiro.
Quase 60% da lista tem Obras da petrobras
Na planilha do doleiro, Petrobras e suas subsidiárias aparecem como cliente final em cerca de 400 projetos. É 59% do total. As demais são obras da infraestrutura brasileira, não relacionadas a petróleo. Mostra que Youssef era multitentacular.
A planilha também ressalta obras no Exterior. É o caso da instalação de uma usina de etanol na Colômbia, em 2010. A unidade recebeu o aval do Banco do Brasil, com empréstimo de US$ 223 milhões para um grupo israelense, com o compromisso de a empresa comprar tecnologia de indústria brasileira. Na tabela do doleiro, a OAS-Exportação aparece como cliente dele no projeto. No quadro com valores há o registro de R$ 4,5 milhões, supostamente, quantia que Youssef pensava ganhar no negócio.
Os percentuais médios de propina admitidos pelos delatores, em alguns casos, coincidem com o valor mencionado na planilha de Youssef. O suborno chegou a ser pago? Isso os policiais ainda querem descobrir.