
O projeto Amores Expressos levou 17 escritores a 17 cidades ao redor do mundo, com o compromisso de escrever um romance na volta, que seria editado pela Companhia das Letras.
Da série, 11 livros já foram publicados - dois deles foram recusados pela editora "oficial" . Um saiu por outro selo, outro aguarda edição. Faltam cinco, em fase de elaboração.
Os prontos são:
Barreira, de Amilcar Bettega
Filha de um imigrante turco radicado no Brasil, a fotógrafa Fátima vai a Istambul para conhecer a cidade em que seu pai passou a infância e, por lá, além de não encontrar vestígios da metrópole que pensava conhecer pelas memórias paternas, desaparece. Seu pai, Ibrahim, dedica-se a encontrar não apenas a filha sumida, mas a cidade que pensava ter mantido em suas lembranças. No cruzamento dessas duas buscas, Amilcar compõe um dos melhores romances da série, que leva uma estação adiante o que ele próprio havia feito com o belo livro de contos Os Lados do Círculo.
Ithaca Road, de Paulo Scott (2013)
Outra narrativa bastante concisa, que acompanha as andanças por Sidney de Narelle, uma skatista de ascendência maori com problemas de conexão emocional com as outras pessoas. Chamada a Sidney pelo irmão, para gerenciar um restaurante que, ela descobre só após sua chegada, está em processo de falência com suspeitas de fraude, Narelle pula de um contato a outro com seus amigos e conhecidos e vislumbra apenas na figura de uma menina autista uma possibilidade de comunicação real. Embora seja uma condensação de temas e inquietações de Scott, o romance urde frouxamente seus episódios.
Do Fundo do Poço Se Vê a Lua, de Joca Terron (2010)
Um dos livros mais longos da coleção, ambientado no Cairo e obcecado pela questão da duplicidade. No centro da narrativa estão dois irmãos gêmeos, o abrutalhado William e o delicado Wilson, com a psique de uma mulher nascida em um corpo de homem. Wilson muda de sexo e torna-se a transexual Cleo, e é o objetivo da busca de William pela cidade egípcia, caçando a irmão/irmã por quem tem uma atração obsessiva. Terron rejeita o realismo estrito preferindo um tom alegórico que, por vezes, conflita com a estrutura intrincada de sua prosa.
O Único Final Feliz para uma História de Amor é um Acidente, de João Paulo Cuenca (2010)
Cuenca é um autor que parece escrever um livro diferente a cada nova publicação - o que nem sempre é um elogio, denunciando a inconstância de propósitos do conjunto. Mas há
algo que sujbaz ao longo de toda sua trajetória: um tom fantasioso de ironia raivosa e farsa desbragada. Este livro investiga a relação do jovem Shunsuke Okuda com seu pai, o poeta obsessivo Otsuda Okuda, em uma Tóquio de seriado japonês, em meio a homens sombrios, taras exóticas e bonecas eróticas inteligentes.
Cordilheira, de Daniel Galera (2008)
Daniel Galera foi o primeiro dos viajantes do projeto a entregar seu romance à editora, e, ao contrário do que isso poderia sugerir, o livro não transparece essa rapidez. Na trama, uma jovem aspirante a escritora viaja a Buenos Aires para o lançamento da tradução de seu livro justo quando a carreira literária não mais a interessa - seu novo projeto de vida agora é ser mãe. Quando decide ficar na cidade, a jovem não apenas conhece um fã misterioso como também seu grupo de amigos, uma estranha confraria de escritores. A personalidade de Anita, a protagonista, e suas inquietações complexas são o sustentáculo do livro, mas suas interações com os demais personagens não escapam de um certo artificialismo.
O Filho da Mãe, de Bernardo Carvalho (2009)
Um dos melhores exemplares nascidos do projeto, a história de Bernardo Carvalho acompanha as trajetórias de Ruslam, um imigrante checheno vivendo em São Petersburgo, e de Andrei, jovem obrigado pelo padrasto a alistar-se no exército russo. Carvalho usa como um símbolo no romance o grande número de pontes da cidade, que funcionam como um reflexo irônico em uma trama cheia de personagens desesperados por estabelecer uma ligação (e muitas vezes sem sucesso). Embora sem o vigor de obras como Nove Noites e Mongólia, do mesmo autor, é eficiente em amarrar os destinos de Ruslam, Andrei e dos que gravitam em torno dos dois jovens fadados a cruzar o caminho um do outro.
Digam a Satã que o Recado Foi Entendido, de Daniel Pellizzari (2013)
Depois de seu romance "russo" Dedo Negro com Unha, Daniel Pellizzari apresenta sua narrativa "irlandesa" nesta rede de episódios e personagens estruturados ao longo de dois eixos principais: Magnus, um imigrante que decide ficar na capital irlandesa vivendo de algumas lorotas contadas a turistas, e Patrícia, adolescente que decide morrer. Em volta dos dois, tece-se um mosaico de outros narradores, todos a seu modo querendo alguma coisa em uma Dublin ao mesmo tempo aferrada a noções cristalizadas de suas próprias tradições e repleta de imigrantes. É o menos "literário" dos livros de Pellizzari, voltado não para a forma, mas para o modo como os personagens se interligam.
Nunca Vai Embora, de Chico Mattoso (2011)
Um inusitado casal de jovens brasileiros viaja até Cuba. Ele é um dentista sem graça; ela, uma cineasta envolvida no projeto de um documentário sobre Havana. Juntos, apesar das divergências de visão de mundo, ambos não demoram a entrar em conflito. Após uma briga, ela vai embora e o abandona no hotel da capital cubana. A primeira metade do livro é o relato dessa paixão sustentada por fascínio e paranoia, e a segunda, a da busca de Renato, o protagonista, pela amada, que desapareceu. Embora narrado com prosa ágil e dinâmica, o livro não mantém com a mesma eficácia o tom indeterminado e a falta de soluções que Amilcar Bettega constrói em Barreira, usando um mote semelhante.
O Livro de Praga, de Sergio Sant'Anna (2011)
Autor que continua entre os mais radicais da literatura brasileira, SantAnna faz deste livro um conjunto de contos que podem ser lidos interligadamente como um romance, e vê Praga como uma capital feminina, associando suas descobertas do espaço urbano a delirantes experiências eróticas. Em um tom sôfrego, por vezes tão excessivamente torturado que se torna paródico, SantAnna cria um duplo de si mesmo, Antônio Fernandes, escritor enviado a Praga em um projeto de viagens semelhante ao Amores Expressos que deu origem ao livro. Fernandes vaga pela capital checa experimentando êxtases artísticos e eróticos, em um livro que talvez seja, dentre os da série, o que provoca o mais legítimo estranhamento.
Estive em Lisboa e Lembrei de Você, de Luiz Ruffato (2009)
Este romance é praticamente um interlúdio na série Inferno Provisório, saga sobre a classe operária nacional que Ruffato estava construindo em paralelo. Buscando uma saída para a vida sem perspectivas que leva na mineira Cataguases, o protagonista Serginho resolve viajar a Lisboa para tentar a vida em uma terra que seu amigo português Pereira sempre descreveu como plena de oportunidades. A chegada, no entanto, escancara as contradições de uma sociedade mais fechada do que o seu legado histórico de nomadismo daria a entender. Embora capte bem a melancolia subjacente à condição do imigrante, o livro tem na concisão seu ponto fraco, não desenvolvendo a contento os pontos que levanta.
Desvio de rota:
Desde que Te Amo Tanto (título provisório), de Cecília Giannetti
Cecília Giannetti escreveu seu romance sobre Berlim e entregou mais de uma versão à Companhia das Letras, que recusou a obra. Agora, a autora procura uma nova editora para o material.
Como Desaparecer Completamente, de André de Leones (2010)
O goiano Leones foi enviado para São Paulo e de lá trouxe um romance fragmentado, em tom de mosaico. Para dar conta da dissolução do indivíduo na mais populosa metrópole brasileira, o romance tem mais uma rede de relações do que um enredo, e um andamento no qual é difícil isolar um protagonista, uma vez que todas as linhas narrativas são conduzidas com igual importância, em uma forma também não estabelecida (o livro é uma colagem de diálogos, e-mails, posts de internet). O romance foi entregue à Companhia das Letras, que, exercendo um direito contratual previsto no projeto, rejeitou o livro, publicado então pela Rocco. Curiosamente, Leones não obtém com seu mosaico o mesmo bom resultado que Ruffato, outro dos autores do projeto, logrou em Eles Eram Muitos Cavalos, também um romance fragmentário sobre São Paulo.