Adriana Irion
A boate Kiss funcionou durante um ano - entre agosto de 2010 e agosto de 2011 - sem alvará de prevenção a incêndio.
Zero Hora verificou a falta do documento ao analisar o histórico de emissão de alvarás que consta no sistema do Corpo de Bombeiros de Santa Maria.
O primeiro alvará foi emitido pelos bombeiros em agosto de 2009. Teria de ser renovado um ano depois. Mas, conforme o histórico, só houve nova emissão de alvará de prevenção a incêndio em 11 de agosto de 2011.
ZH contatou o comandante regional dos bombeiros, Moises da Silva Fuchs, que disse que a Secretaria de Segurança é que tem todas as informações. A assessoria da secretaria informou que o dado sobre a ausência do alvará já está sendo verificado por Fuchs.
Quando ocorreu o incêndio que resultou na morte de 240 pessoas, em 27 de janeiro, a Kiss estava, mais uma vez, com o alvará dos bombeiros vencido. Em um dos inquéritos civis do Ministério Público que apuram questões relativas à boate Kiss, há um documento, assinado por um bombeiro, o capitão Alex da Rocha Camillo, que reforça a informação de que a boate não teve, por um ano, o alvará de incêndio.
Com data de 25 de outubro de 2011, o documento, encaminhado ao MP, diz:
"... informo-lhe que, conforme o solicitado, o estabelecimento boate Kiss, PPCI 3106, regularizou as pendências junto a esta seção, sendo expedido o Alvará de Prevenção de Incêndio, em 11 de agosto do corrente ano e posteriormente sendo retirado pela parte interessada no dia 18 do referido mês".
O promotor que atuava no caso à época, João Marcos Adede y Castro, disse a ZH:
- Não lembro dos detalhes, porque já faz algum tempo que estou aposentado, mas o alvará dos bombeiros estava vencido, sim. Foi regularizado em função do inquérito que instaurei.
O primeiro alvará emitido pelo Corpo de Bombeiros para a Kiss, em agosto de 2009, teve como base um Plano de Prevenção Contra Incêndio (PPCI) feito pela engenheira mecânica Jozy Maria Gaspar Enderle, proprietária da empresa Marca Engenharia. Ela depôs à polícia admitindo ter feito o plano. Disse também que foi ela que retirou o alvará junto à Seção de Prevenção a Incêndio (SPI) de Santa Maria.
Mas ZH constatou que o documento foi retirado pelo bombeiro aposentado Clandio Silva Ribeiro, que, à época, tinha um relacionamento com a engenheira. Jozy falou do relacionamento em seu depoimento. O nome de Clandio aparece no sistema dos bombeiros cinco vezes como sendo quem retirou documentos de interesse da Kiss.
Jozy também contou à polícia saber que junto à Seção de Prevenção a Incêndio dos "bombeiros existe uma relação das empresas que prestam serviços na área de prevenção contra incêndios". Ela citou nomes de empresas, entre elas, a Hidramix. Em 31 de janeiro, ZH revelou que a Hidramix, que prestou serviços à Kiss, é de propriedade de um bombeiro.
A Polícia Civil, a Brigada Militar e o Ministério Público investigam uma suposta rede de benefícios a estabelecimentos comerciais sustentada pela participação de bombeiros em empresas que atuam justamente na área de prevenção de incêndio. O MP já apurava eventual tráfico de influência desde 2011, quando abriu um inquérito civil para verificar a atuação da Hidramix.
Com a informação de que durante um ano a Kiss não teve alvará de incêndio, já são quatro situações em que a casa noturna funcionou com alguma irregularidade relativa à documentação: os seis primeiros meses de funcionamento, em que não tinha alvará de localização da prefeitura, um ano sem alvará de incêndio, um ano com licença de operação ambiental da prefeitura vencida e cinco meses com o último alvará de incêndio vencido.
VÍDEO: a homenagem aos filhos de Santa Maria
Clique na imagem e confira o perfil das 240 vítimas: