Brenda Madruga Freitas, 18 anos, é considerada uma das maiores promessas do remo brasileiro. Em dezembro, a atleta voltou aos treinametos após o trauma vivido em outubro. Aos poucos, retoma a rotina nas águas, enquanto batalha para diminuir a dor pela perda dos colegas.
Brenda era uma das atletas que estava no Campeonato Brasileiro de Remo, em São Paulo. Por problemas relacionados à saúde mental, retornou mais cedo para casa e não esteve na van que, há dois meses, se envolveu em um acidente, vitimando nove pessoas, entre elas o seu namorado, Henry Fontoura, de 18 anos, também remador.
— É difícil entender. Essa competição foi complicada. Eu já vinha com problemas de saúde mental e acabei tendo uma crise. Mas foi essa crise que, de certa forma, salvou minha vida e a da minha mãe. Acho que ainda tenho um propósito aqui, sabe? É estranho pensar que eu poderia estar lá. Ainda não caiu a ficha — disse Brenda.
O remo me ensinou o que é uma família, o que é uma equipe e o que é trabalhar em conjunto. O remo para mim é tudo
BRENDA MADRUGA
Atleta do Projeto Remar para o Futuro
O sentimento de gratidão por estar viva se mistura à tristeza de perder amigos e o namorado. Carregando em um colar a aliança que estava no dedo de Henry no dia do acidente, Brenda atendeu a reportagem de Zero Hora na sede do Projeto Remar para o Futuro.
— Carrego o anel porque ele (Henry) estava sempre comigo e me apoiava muito. Quando eu tive a crise em São Paulo, ele estava lá. É uma forma de sentir que ele ainda está comigo, porque sempre usava a aliança na corrente quando ia treinar. Ele me acompanhava e agora eu carrego ele em tudo que faço — disse Brenda.
A decisão de voltar aos treinos foi adiada pela saudade e pelo desejo de evitar reviver a dor, mas a vontade por competir falou mais alto.
— Foi bem desafiador retornar à água. Estava com muita saudade e, nessa volta, consigo sentir que estou com eles. É como se todos estivessem juntos comigo, remando junto. Eu me senti protegida — contou Brenda.
Eu não conseguia vir aqui. Quando vinha, ia embora mais cedo. Foi muito difícil lidar com essa sensação de vazio
BRENDA MADRUGA
Sobre retorno aos treinamentos
Integrante do Projeto Remar para o Futuro há quatro anos, quando começou a praticar o esporte incentivada pela irmã, a atleta de família humilde já conquistou vitórias em competições nacionais e internacionais. Em agosto deste ano, disputou o Campeonato Mundial de Remo no Canadá.
"Quero honrá-los"
Após passar por uma avaliação física, Brenda teve sua rotina de treinamento ajustada. Solicitou à comissão técnica um treinamento mais intenso para compensar o tempo em que ficou parada. O objetivo da atleta é melhorar seu desempenho e estar pronta o mais rápido possível para voltar a competir. Embora ainda não tenha decidido se vai participar do torneios de 2025, segue em ritmo intenso de treinamentos durante seis dias por semana.
— Quero seguir o legado deles. Quero continuar indo para a seleção para representar todos eles nas competições, porque eles merecem. Quero honrá-los.
Veja os principais trechos da entrevista
Sobre o início no projeto
Eu estou aqui há quatro anos. O meu interesse surgiu meio que de forma obrigatória, porque eu estava na pandemia e a minha irmã viu uma publicação no Facebook dizendo que o Centro Português estava com vagas abertas para um projeto de remo. Eles pediam uma altura mínima e uma faixa etária, mas eu não tinha a altura suficiente para entrar. A minha irmã me perguntou se eu queria entrar no Remo, e eu disse que não, mas ela se inscreveu assim mesmo, sem me avisar. Acabei entrando no projeto, e, como sempre gostei muito de fazer esportes e sempre fui uma pessoa muito ativa, fui me apaixonando. As parcerias aqui no projeto também foram muito legais, e acabei ficando.
Sobre a paixão pelo remo
O remo me ensinou o que é uma família, o que é uma equipe, e o que é trabalhar em conjunto. O remo para mim é tudo. Passei minha adolescência inteira aqui. Antes, eu não tinha muitos amigos, e durante a pandemia, perdi muitos deles. No remo, fiz muitos amigos novos. Eu comecei a ver todo mundo aqui como minha família. Eles me ensinaram o verdadeiro significado de estar junto, de se apoiar, de não deixar ninguém para trás.
Sobre as competições
Comecei a competir bem nova, com 16, 17 anos. Participei de Campeonato Mundial, fui campeã sul-americana e participei de outros campeonatos, como o Brasileiro e Jovens Talentos. Eu sou uma pessoa que, no ambiente competitivo, fico meio receosa, mas quando estou na hora da competição, sou focada. Eu não gosto muito de toda a burocracia que envolve, mas o que eu quero mesmo é competir, sabe?
Volta aos treinos
No início foi bem difícil, porque eu conhecia poucos dos mais novos. Conhecia três, quatro, e os que estavam no acidente, passei esses quatro anos com eles. Foi complicado voltar e ter que me reaproximar das pessoas, sem a mesma intimidade de antes. Mas, agora, estou me acostumando mais e tocando a minha vida.
Sobre ficar sem remar
Eu não conseguia vir aqui (no projeto Remar). Quando vinha, ia embora mais cedo. Mas em casa também não estava bom, porque o meu namorado estava na van e passava muito tempo na minha casa. Então, não me sentia bem em lugar nenhum. Na escola, todos os meus colegas eram do Pelotense e, no intervalo, todo mundo ia para a minha sala. Foi muito difícil lidar com essa sensação de vazio, porque tudo que eu fazia tinha a ver com eles. Estavam sempre juntos, seja aqui no Remo, na escola ou em outros lugares. Eu senti muita falta disso.
Sobre voltar mais cedo da competição
É difícil entender. Essa competição foi complicada. Já vinha com problemas de saúde mental e acabei tendo uma crise. Mas foi essa crise que, de certa forma, salvou minha vida e a da minha mãe. Ela estava comigo na viagem para me dar apoio. Eu acho que ainda tenho um propósito aqui, sabe? Eu e o João, que ficamos, ainda temos algo a cumprir. Não caiu a ficha.
Sobre não ter ficado com os colegas em São Paulo
Fiquei muito chateada. Eu tive a chance de me despedir de algumas pessoas com. Quando me despedi deles, a Ellen, que raramente chora, estava chorando, e meu namorado também ficou muito triste. Foi difícil, mas quando cheguei em Pelotas, fiquei pensando se deveria ter ficado com eles. Mas se eu tivesse ficado, poderia estar na van. E isso é difícil de aceitar, porque foi tudo tão repentino. Eu estava dormindo quando aconteceu, acordei já com a notícia. Foi um choque.
Como foi receber a notícia
Foi de manhã. Antes de falar com os meus pais, eu sonhei que estávamos todos numa rua, na chuva, e entrávamos em um galpão onde estavam ergômetros. Eu e a minha mãe, junto com o João, éramos os únicos que não estávamos remando. Perguntei ao Oguener no sonho se podíamos remar ali, e ele disse que sim. Quando acordei, meus pais estavam na sala, já sabendo do acidente, e foram bem diretos comigo. Eles disseram que todos morreram, e o único sobrevivente foi o João Milgarejo. Eles foram muito claros, porque não tinha como contar de outra forma.
Sobre futuro no remo
Quero seguir o legado deles. O Oguener treinava atletas para a seleção brasileira, e eu já fui para a seleção. Quero continuar indo e representar todos eles nas competições, porque eles merecem. Quero seguir o legado deles, honrá-los.
Sobre os treinamentos
Eu sou obcecada por treinar. Às vezes, sinto preguiça, mas, no geral, adoro treinar. Sou muito pontual, e sempre fui assim. Se me dizem para chegar em um horário, eu chego lá antes, às vezes até 30 minutos antes. Quando o pessoal chegava, eu já estava lá, recepcionando todo mundo. Não sei explicar de onde vem essa paixão por treinar, mas eu não consigo ficar parada. Ficar sem treinar me dá uma angústia. No Remo, todo mundo quer estar no topo, e eu também quero estar lá, por isso, treino mais que os outros.