Esta reportagem foi produzida por Ângelo Rockenbach, aluno de Jornalismo na UFRGS e um dos cinco vencedores da edição 2024 do projeto Primeira Pauta RBS
Em Porto Alegre, neste final de semana, André Munhoz, Carlos Eduardo Carneiro e Eduardo Ely só têm atenção ao futebol. Em jogo, o presente e o futuro do time deles. Mas não tem a ver com vaga direta à Libertadores nem com rebaixamento.
Os três estarão de olho na final da Copa FGF, na qual o São José precisa vencer o Ypiranga para ser campeão, salvar um ano de altos e baixos e começar 2025 com um novo cenário. A decisão ocorre às 19h do domingo (24), no Passo D'Areia, onde eles estarão ao lado de outros raros torcedores do clube porto-alegrense.
Em uma cidade dominada por Grêmio e Inter, afinal, o Zeca é o “lado Z” do futebol.
Não é fácil ser torcedor do clube. Entre a própria torcida, existe uma sensação, quase uma certeza, de que ninguém "nasce" São José. Em Porto Alegre, via de regra, se torce para algum lado da dupla Gre-Nal. Quando muito, alguma equipe de fora, caso a pessoa tenha familiares de alguma outra cidade ou região.
No caso do Zeca, os torcedores relatam alguma relação profissional ou geográfica com o Passo D'Areia. Diferentemente de Inter e Grêmio, cujos fãs estão espalhados, o São José tem sua torcida concentrada na Zona Norte.
Calcular a quantidade de torcedores do clube é complicado, seja pela imprecisão das pesquisas ou pela dificuldade de definir se alguém torce só pelo São José, sem incluir a Dupla. Não há um parâmetro oficial, só estimativas.
Por exemplo, a lista de torcedores cadastrados no programa da Nota Fiscal Gaúcha. São quase 3 milhões registrados entre colorados e gremistas. Depois deles, vem os torcedores do Brasil de Pelotas, 40,9 mil. O São José aparece em 25º, com 2.334. A média de público oscila entre 200 e 300 nas arquibancadas.
É meio solitário falar de futebol, até porque eu moro longe do clube. Geralmente o pessoal não fala muito sobre o São José. É só Grêmio e Inter, mas eu não acompanho Grêmio e Inter.
ANDRÉ MUNHOZ
Torcedor do São José
Três desses frequentadores assíduos ilustram bem essa situação. André Munhoz, 40 anos, não nasceu torcedor do Zeca. Tornou-se na vida adulta, quando cursava Educação Física e teve a oportunidade de fazer estágio dentro do clube. Sua carreira levou-o a trabalhar em outros times do estado. Nenhum deles, no entanto, cativou-o tanto quanto o São José. Hoje em dia, é presença certa no Passo D’Areia e só não foi a um jogo na temporada, contra o Volta Redonda, disputado com portões fechados, o primeiro evento após as enchentes.
— É meio solitário falar de futebol, até porque eu moro longe do clube. Geralmente o pessoal não fala muito sobre o São José. É só Grêmio e Inter, mas eu não acompanho Grêmio e Inter — lamenta.
Para aplacar essa solidão, mantém sua paixão no guarda-roupa. Lá estão dobradas as 296 camisas que compõem a sua coleção. Dessas, 131 são do São José. O funcionário dos Correios desconhece alguém que tenha uma coleção parecida. A mais antiga é de 1981, quando Wianey Carlet e Pedro Ernesto Denardin eram dirigentes. Mas estão lá a de Tarciso “Flecha Negra”, Careca, Danrlei e uma, assinada, do ídolo Fábio Rampi, o goleiro-artilheiro, de quando completou 250 jogos.
Clube de bairro
Carlos Eduardo Carneiro e Eduardo Ely são do lado Z por causa da geografia. Ambos são moradores da Zona Norte. E isso é tão decisivo que até a torcida organizada tem seus comandos em bairros ou cidades próximas à região (além do comando feminino). As outras áreas da cidade não possuem torcedores suficientes para formar um núcleo próprio.
Carneiro, 30 anos, é uma das referências do comando Leopoldina. Acompanha o time desde 2008, quando foi convidado por amigos a conhecer o Passo. Foi contaminado pelo clima de clube de bairro.
— A parte mais apaixonante de torcer por um clube considerado pequeno é também saber que não somos milhares de torcedores e que, na quantidade que estamos, vamos fazer a diferença sendo em jogo em casa ou fora — descreve.
Ely, 24 anos, somou à geografia uma questão pessoal. Foi pela proximidade que fez do Passo D'Areia seu primeiro estádio, em um São José x Inter, mas do lado colorado. Mais tarde, aproximou-se do azul e branco por profissão. Estudante de jornalismo, juntou as tarefas de reportagem com o gosto pelo time. E, em suas pesquisas, descobriu que seu avô era um dos fundadores do clube, lá em 1913.
— Isso me trouxe uma realização pessoal por estar em contato com o esporte e ver que o clube abria essa porta. É uma realidade diferente, o contato direto com o jogador. Em Grêmio e Inter, dificilmente vai ter essa proximidade — fala Ely.
O ponto de encontro
Munhoz, Carneiro e Ely têm um ponto de encontro. Um local que é a realização do sonho do casal André Palacio, 57 anos, e Nanra Branco, 43. Eles sempre quiseram ter um lugar que conversasse com a cultura do São José e da Zona Norte. Na pandemia, a oportunidade apareceu. E nas instalações do Passo D'Areia, embaixo da arquibancada, construíram o Empório do Zeca, um restaurante identificado com o clube.
O espaço caiu no gosto da torcida e passou a ser o ponto de encontro em dias de jogos. Seja para fazer churrascos antes das partidas ou para assistir aos jogos pela TV, é também o lugar de onde partem as caravanas para os confrontos fora de casa.
Para Palacio, o restaurante é mais do que um trabalho. Nascido e criado no IAPI, ele tem ligação longeva com o clube da Zona Norte. Seu pai era sócio do Clube de Regatas Almirante Barroso, quando se fundiu com o São José.
— Comecei a frequentar o clube com seis, sete anos e começou essa paixão pelo São José. Vi o Passo D’Areia crescer, as reformas e tudo mais — conta.
A geografia, a profissão e as raízes juntaram os três. E, para eles, domingo é dia de Empório, arquibancada, nervosismo e esperança em um 2025 melhor.
A final
A Copa FGF, que em 2024 homenageia Zagallo, termina neste domingo (24), no Passo D'Areia. O Ypiranga venceu o jogo de ida por 2 a 1 em Erechim e só precisa de um empate para ser campeão. Ao São José, serve vitória por dois ou mais gols de diferença. Se ganhar por um, leva a decisão para os pênaltis. Quem levantar o troféu leva junto uma vaga para a Copa do Brasil de 2025.
O São José tem a chance de terminar melhor uma temporada de altos e baixos. Eliminado nas quartas de final pelo Caxias, a campanha no Gauchão deste ano foi razoável. A enchente acabou afetando o desempenho na Série C, levando a equipe ao rebaixamento. Na Copa FGF, sob o comando de Rogério Zimmermann, o time emendou 14 jogos de invencibilidade até a derrota no jogo de ida da final.
Em termos de futuro, a presença na competição nacional daria um fôlego aos cofres. Em 2024, a Copa do Brasil pagou R$ 787 mil só pela participação na primeira fase. Com esse valor, seria possível montar um time bastante competitivo para o início da temporada.
Ouça a reportagem em áudio:
Copa FGF — Final (jogo de volta)
- São José x Ypiranga, domingo (24), às 19h, no Passo D'Areia