Na segunda-feira, Francesco Totti não irá para Trigoria. O centro de treinamentos da Roma precisará se acostumar a viver sem seu capitão. Depois da partida de domingo, 13h (de Brasília) contra o Genoa, a curva sul do Estádio Olímpico não aplaudirá mais aquele camisa 10 tão intenso, explosivo, decisivo e apaixonado. Com a despedida do ídolo, acaba também um dos ciclos mais importantes do calcio.
Os italianos têm um nome lindo para definir profissionais do esporte que têm relações amadoras com suas equipes: bandiera (sim, bandeira). Del Piero na Juventus, Maldini no Milan, Raúl no Real Madrid, Messi no Barcelona, Giggs no Manchester United, Rogério Ceni no São Paulo, Marcos no Palmeiras são alguns exemplos. Totti vai embora da Roma. E carregará consigo a última das bandeiras.
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Jornalista da ESPN Brasil, torcedor romanista, Gian Oddi lembra uma diferença de Totti para todos os outros. O camisa 10 escolheu ficar na Roma, mesmo tendo recebido outras propostas – do Real Madrid inclusive – e quis permanecer.
– Com essa opção, sabia que não seria um multicampeão. Essa é uma decisão que torna tudo mais difícil. Uma coisa é ficar no Real, na Juventus, no próprio Milan dos tempos de Maldini, no Barcelona. Você sabe que mais cedo ou mais tarde, vai ganhar. Na Roma, não – frisa o comentarista.
Por isso, o campeonato Italiano de 2000/01 é tão valorizado. No ano anterior, a Lazio surpreendeu, ganhando o título. Pressionada pelo feito da rival, a Roma entrou naquela temporada com o pragmatismo de Fabio Capello, que tinha a solidez de Aldair, Zago e Samuel, o fôlego de Cafu e Candela, as faltas de Marcos Assunção, a dedicação de Emerson, a fome de gols de Batistuta, o poder de decisão de Nakata, Delvecchio e Montella, e a isso tudo se juntou a estrela de Totti, que em seu número 10 reunia as melhores características de todos.
– Aquela foi uma seleção montada pela direção para responder à rival. E teve em Totti o craque que precisava. Por tudo o que ele ganhou, merecia ter recebido uma Bola de Ouro – analisa Paulo Roberto Falcão, um dos maiores ídolos da história romanista.
Se não teve o drama do resultado paralelo da última rodada – a Lazio foi campeã graças a uma zebrada derrota da Juventus para o Perugia –, a conquista da Roma garantiu uma comoção na cidade. A vitória sobre o Parma de Buffon no Olímpico lotado coroou uma campanha vitoriosa do primeiro ao derradeiro domingo de futebol.
Totti fez o primeiro gol daqueles 3 a 1. Sua comemoração é um símbolo da essência do futebol: correndo para uma curva sul enlouquecida, o capitão tira sua camisa 10 e agita, quase cola nos fãs que se aglomeram na grade. Havia a representação naquele gesto aos torcedores. É como se um deles tivesse descido da arquibancada e levado o time ao ponto mais alto.
Em todas as 24 temporadas pela Roma, o torcedor da camisa 10 fez pelo menos um gol em cada uma delas. Suas atuações o levaram à seleção. Por ela, ganhou a Copa do Mundo de 2006. E o azzurro da Itália havia sido a única cor vestida por ele além do gialorosso da Roma. Agora, deixou aberto o futuro:
– A partir de segunda-feira, estou pronto para recomeçar. Estou pronto para um novo desafio – disse, na última manifestação pública.
A possibilidade de usar outro uniforme (especula-se que pode jogar no Miami FC ou de ir para China ou Arábia) não está descartada. E ela se deve ao tratamento dado por direção e comissão técnica nesta última temporada. Suas boas atuações de 2016 lhe garantiram mais um ano de contrato. Mas agora foi pouco utilizado, quase sempre entrando nos minutos finais de partidas já decididas.
– Ele poderia jogar mais tempo em alto nível. Por isso, tem essa pequena mágoa, diminuída pelo calor da torcida. Totti supera todos os atletas no quesito identificação com clube e cidade. Por isso até o reconhecimento da torcida da Lazio, que semana passada levou uma faixa para ele. Dá uma certa tristeza pensar que ele poderá usar outra camisa – lamenta Gian Oddi.
Mas vêm de Falcão as palavras tranquilizadoras:
– A torcida da Roma sabe homenagear os ídolos. Totti vai ser o que quiser lá, para sempre.
No domingo, o camisa 10 ouvirá homenagens de Beckham, Ronaldo, Messi. Nesta semana, leu (e agradeceu) o texto de Maradona, chamando-lhe de "o melhor jogador que viu em campo".
Mas é na corrida sob a curva sul, girando a camisa e colando nos torcedores que o capitão sentirá a emoção da despedida.
A última bandeira do futebol não vai mais tremular.