Um imigrante negro, quem diria, resolveu a Eurocopa. O chute de perna direita do cabeludo Éder, em plena Paris, deu a Portugal um título inédito e a nós uma grande oportunidade de reflexão.
Em tempos de xenofobia crescente e de tentativas de fechamento de fronteiras europeias para estrangeiros, o gol de Éder vale como um golaço. Nascido em Guiné-Bissau, na África, mudou-se para Portugal ainda criança e fez a vida na Europa, a ponto de ser convocado para o segundo maior campeonato de seleções do mundo. Foge completamente do estereótipo do europeu tradicional.
Éder bem poderia ser uma das crianças do norte africano ou do Oriente Médio que dia após dia singram o Mediterrâneo em jangadas, com pais e irmãos, sem garantia de chegada ao destino e, muito menos, de uma acolhida humanitária.
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Ou, com algum avanço, quem sabe poderia-se imaginar nele um mexicano barrado no discutível muro que o candidato republicano Donald Trump cogitou erguer na fronteira dos Estados Unidos, caso eleito presidente.
O gol de Éder, por tudo isso, dá um nó na filosofia de que a imigração traz apenas problemas, que os muros e portões tão somente protegem os nativos. Mais: torna claro como o mundo mudou, escancara uma necessidade de atualização de mentalidade.
O sentimento de arrependimento após a votação do Brexit, a saída britânica da União Europeia, veio de imediato, com uma perspectiva de encolhimento econômico e de retrocesso em diversas áreas. Para ficar apenas no campo futebolístico, a milionária Premier League teria de perder a maior parte de suas estrelas estrangeiras. Seria a volta do chuveirinho?
As tentativas de fechar portões e erguer barreiras nas fronteiras mascaram, portanto, uma realidade sem volta, a da miscigenação na Europa. Uma olhada rápida na escalação da vice-campeã França permite notar como descendentes africanos tornaram-se parte daquele país: 11 dos 23 convocados para a Euro 2016 ostentam a pele negra. Na campeã mundial Alemanha, sobrenomes nada germânicos como Podolski, Özil e Sané frequentam as convocações faz tempo. E a situação repete-se em outras seleções, sem contar as naturalizações por conveniência, a exemplo dos ítalos-brasileiros Éder (catarinense) e Thiago Motta (paulista).
Aliás, coube ao luso-brasileiro Pepe resumir o sentimento do título português, mais um de uma seleção fora do clube das tradicionais – como o Chile, bi da Copa América. Disse Pepe, de medalha no peito e no gramado do Stade de France:
– Portugal é um país de imigrantes. Um país lindo, maravilhoso. Essa vitória vai para eles todos.
*ZHESPORTES