Há oito anos, ao discursar na Fifa quando a entidade anunciou que a Copa de 2014 seria brasileira, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva resumiu o espírito da época: o Mundial era a cereja no bolo de um país que corria a passos largos para dar certo.
Com a economia crescendo, na Copa depositaram-se a expectativa de tornar reais os números. Investimentos bilionários fariam que, em 2014, milhares de estrangeiros desembarcassem em um país renovado. Avenidas, metrôs, aeroportos e segurança não para os turistas, mas para a população de um Brasil que dava certo.
- No fundo, nós estamos aqui assumindo uma responsabilidade enquanto nação, para provar ao mundo que nós temos uma economia crescente, que somos um dos países que está com a sua estabilidade conquistada. Um país que tem muitos problemas, sim; mas com homens determinados a resolver esses problemas - disse Lula ao mundo, em Zurique.
VÍDEO: o dia em que a Copa veio para o Brasil
Agora, um ano depois que a Copa chegou ao Brasil, a sensação ao olhar para a lista de obras incompletas equivale à de ver aquele 7 a 1 estampado no placar da TV na semifinal perdida para a Alemanha. Das 28 obras de mobilidade urbana previstas no país, apenas seis foram concluídas - 22 ainda se arrastam, como as de Porto Alegre, sem cumprir a promessa de melhorar a vida da população. Metade dos 12 aeroportos com ampliação prevista está com atraso nas obras - incluído o Salgado Filho, que recebeu uma expansão modesta e depois embretou-se na discussão de ampliar ou ser substituído por um novo.
É de 2010 o documento que ilustra o sonho e a decepção: chama-se Matriz de Responsabilidades, foi assinado por governadores, prefeitos e pelo presidente Lula, e lista o que o Brasil teria de obras. Com suas atualizações posteriores, soma R$ 30 bilhões em investimentos. Ali estão novidades incríveis, como os veículos leves sobre trilhos (VLT) - uma mistura de bonde com metrô de superfície - previstos para Fortaleza e São Paulo. Nenhuma saiu do papel. Cuiabá inventou o seu VLT ainda depois disso, em 2011, deixando de lado os ônibus rápidos do projeto original e começando um projeto de R$ 700 milhões. Hoje, depois de atrasos e denúncias de irregularidades que motivaram uma CPI na Assembleia do Mato Grosso, o trem da alegria não sairá por menos de R$ 2,5 bilhões.
Ainda hoje, só 12 das 51 obras de mobilidade no país estão totalmente prontas.
Parte da discrepância entre expectativa e realidade é porque a estabilidade não estava tão conquistada assim. Em 2007, Lula mirava um crescimento da economia que chegou a 6%. Em 2014, o Brasil teve meros 0,1% de acréscimo ao PIB. A marola econômica virou tempestade. Mas isso é a fatia menor do problema. A maior é mais simples: os homens "determinados a resolver estes problemas" que o presidente citou simplesmente não foram capazes de fazê-los. Apesar das verbas abundantes, nenhum prazo acordado na Matriz foi cumprido. Em todas as cidades, os gestores foram espremidos pelos prazos e cobranças da Fifa e privilegiaram as obras ligadas diretamente às partidas. Assim, o monotrilho de São Paulo, projetado para o estádio do Morumbi, perdeu a prioridade quando as partidas foram movidas para a nova Arena Corinthians. Porto Alegre viu o entorno do Beira-Rio concluído, mas obras distantes, como a Terceira Perimetral, paradas.
Porto Alegre terá obras até depois da Olimpíada
Investimento em estádios é maior do que em mobilidade
Havia, porém, um trecho premonitório no discurso de Lula em 2007, e não era a parte que sugeria a entrega de um Brasil modernizado.
- A coisa que mais irá empolgar os jogadores, os jornalistas e os dirigentes de futebol do mundo, mais os torcedores, será o comportamento extraordinário do povo brasileiro. O tratamento que esse povo dará, estejam certos que marcará a história das Copas do Mundo - afirmava o presidente.
Foi realmente o ângulo em que o Brasil foi potência. Estrangeiros saíram extasiados pela hospitalidade e envolvimento, a criminalidade deu trégua, as cidades-sede deram show de criatividade - Porto Alegre, com seu Caminho do Gol, à frente.
Porém, isso passou. Os canteiros de obras, ainda abertos, e as pilhas de documentos nas auditorias dos tribunais de contas ficaram.
* Zero Hora