Rafael Macedo e Daniel Cargnin espelham-se em ídolos dos tatames

Antônio Carlos Pereira fita o dojô da Sogipa e volta mais de 10 anos no tempo. Para Kiko, os acontecimentos de 2007 continuam vivos, tanto em suas memórias quanto nos painéis afixados nas paredes que cercam o tatame da equipe de judô da Sogipa, um dos clubes mais premiados do país na modalidade.

Naquela temporada, o técnico orientava dois atletas que entraram para a história do judô brasileiro, João Derly e Tiago Camilo. No Mundial do Rio, a dupla conquistou o título de suas respectivas categorias, o gaúcho Derly no peso leve (até 66kg) e Camilo, no meio-médio (-81kg) – mais tarde, o judoca paulista passaria a competir entre os médios (-90kg). No mesmo ano, ainda ganharam o ouro no Pan do Rio.

Hoje, os dois ex-judocas são inspiração para uma nova dupla que promete manter acesa a tradição do clube de formar campeões: o gaúcho Daniel Cargnin e o paulista Rafael Macedo.

Há tantos pontos em comum nas trajetórisa dos judocas que até mesmo um criativo roteirista poderia surpreender-se com as coincidências. Além de treinarem no mesmo tatame, sob ordens do mesmo treinador, os quatro já foram campeões mundiais sub-21.

Ouro dos leves em Zagreb, na Croácia, em 2017, Cargnin luta na mesma categoria que consagrou o ídolo Derly. Campeão mundial sub-21 de 2014 em Miami (EUA) ainda entre os meio-médios, Macedo subiu de categoria e hoje briga por medalhas na mesma divisão em que Camilo, sua maior referência nos tatames, encerrou a carreira após os Jogos do Rio 2016.

– O Daniel lembra muito o Derly. É aguerrido, destemido. Não aceita cair nem em treino. Já o Rafael é muito técnico, assim como Camilo, e tem um repertório grande. Quando foi campeão mundial, venceu cada luta com um golpe diferente – destaca Kiko.

Para o técnico, os dois pupilos não vão ficar apenas na promessa:

– No judô, geralmente, quem é campeão sub-21 confirma no adulto. Foi assim com o Derly, com o Camilo, com a Mayra (Aguiar).

Judocas da nova geração mais cotados a disputar em Tóquio a primeira Olimpíada da carreira, os dois já provaram uma espécie de degustação nos Jogos em 2016, quando desempenharam o papel de sparrings de atletas brasileiros que lutariam no Rio. A experiência, além de alimentar a vontade de disputar o evento, despertou na dupla a mesma ambição que impulsionou a carreira de seus ídolos. Para Cargnin e Macedo, a mera participação nos Jogos de 2020 não é um objetivo em si.

– Não quero ser apenas um atleta de seleção, mas sim um atleta que vai chegar a uma Olimpíada com chance de medalhar – afirma Cargnin, 20 anos. – Até conquistar uma medalha (nos Jogos), o judoca nunca pode se sentir confortável.

– Óbvio que participar de uma Olimpíada já é uma realização, ganhar uma medalha ainda mais. Mas quero ser campeão, ser diferente. Não que o atleta que só participou de Olimpíada ou ganhou medalha (bronze ou prata) é comum. Ele é diferenciado. Mas quero ser o diferenciado entre os diferenciados – completa Macedo, 23 anos.

O judô entrou muito cedo na vida dos dois. Ao lado do irmão mais velho, João Pedro, hoje também da Sogipa, Rafael começou a praticar o esporte aos quatro anos, em São José dos Campos (SP), por influência do pai, Jefferson, um faixa preta que chegou a disputar campeonatos nacionais.

Já o porto-alegrense Daniel foi levado aos tatames pela mãe, Ana Rita, aos seis anos. Até a adolescência, ainda dividia as atenções com o futebol – era lateral-direito da escolinhas do Grêmio. Até que um dia Ana Rita aconselhou o filho a se dedicar a apenas uma das atividades.

– Fiquei indeciso por um tempo. Qual criança não sonha em ser jogador de futebol? Mas minha mãe me incentivou a continuar no judô, pois ela percebia que eu estava me tornando uma pessoa melhor – conta Cargnin, que, aos 14 anos, deixou as chuteiras e passou a treinar na Sogipa, a convite de Kiko. – Fiz a escolha correta, não só pelos resultados. Sou mais feliz nos tatames. Mesmo se tivesse certeza de que seria um grande jogador de futebol, eu optaria pelo judô.

No clube, acompanhou o final de carreira de Derly, com quem teve a oportunidade de treinar e ouvir ensinamentos. Diverte-se em especial com uma “lição” do bicampeão:

– Certa vez estava treinando com o Derly, e o Kiko me incentivava: “Vai, empurra ele para fora do tatame”. Pois empurrei ele para fora do tatame. Então, virei de costas, tranquilo. Quando vi, o Derly me jogou lá na arquibancada (risos). Ele me disse: “Na luta, nunca vire de costas para o adversário”.

Veja fotos de Daniel Cargnin

No final de 2013, foi a vez de Macedo aceitar o chamado do técnico. O irmão já treinava na Sogipa, o que, aliado ao noivado com Manoella Costa, também lutadora do clube, facilitou sua adaptação a Porto Alegre:

– Em São Paulo, treinava muito judô, na Sogipa, comecei a treinar mais a parte física. Ganhei mais peso, mais força, mais musculatura. Fiquei mais completo. Kiko estimula muito a competitividade. Isso serve de incentivo. Você está cansado, e olha a Mayra, o (Felipe) Kitadai (bronze em Londres 2012), “morrendo” mas sem parar de treinar.

Veja fotos de Rafael Macedo

Dos dois jovens judocas, Macedo é quem está mais perto hoje de integrar a equipe brasileira em Tóquio, mesmo que figure em posição mais baixa no ranking mundial do que Daniel. O paulista é o atual 33º colocado dos médios, mas é o número 1 do Brasil nessa categoria – apenas os 22 mais bem ranqueados garantem vaga direta nos Jogos, mas só um atleta por país pode competir na mesma faixa de peso na Olimpíada. Já Cargnin ocupa a 19ª posição do ranking, mas ainda vê a sua frente o paulista Charles Chibana, o 11º da lista da Federação Internacional de Judô (IJF). Antes de 2020, Daniel e Rafael esperam conseguir a vaga na equipe brasileira que disputará o Mundial de Baku (Azerbaijão), em setembro deste ano.

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