Qual é o tempo necessário para a carreira de um atleta de alto rendimento decolar? No caso de Almir Cunha dos Santos, o sucesso pode chegar em 10 anos. Ou em meses – tudo é uma questão de perspectiva.
Até 13 de janeiro deste ano, o mato-grossense de 1m92cm era um desconhecido representante da equipe de atletismo da Sogipa, o tradicional clube de Porto Alegre que virou referência em outro esporte, o judô. Com resultados modestos no salto em altura, prova de sua preferência desde que ingressara na escolinha em Peixoto de Azevedo, cidade de 30 mil habitantes quase na divisa com o Pará, ele se preparava para testar seu potencial em outro salto. Em vez de pular de costas, pularia para frente.
Ao ser inscrito em uma competição no rigoroso inverno de Kent, nos EUA, Almir ultrapassou a simbólica barreira de 17 metros no salto triplo e conquistou uma improvável vaga no Mundial Indoor de atletismo, que seria disputado em menos de dois meses em Birmingham, na Inglaterra. Não menos importante, seu salto de 17m6cm o levou à liderança do ranking mundial da prova em pista coberta na temporada 2017/2018. Aos 24 anos, Almir Júnior, como é conhecido pelos colegas de clube e agora também fora de seu círculo de amizades, entrava no radar da elite do atletismo.
Duas semanas depois, o sogipano venceria outro torneio em um acanhado ginásio no Estado americano de Ohio. Mas os testes de fogo viriam em fevereiro, na Europa. No dia 8, o brasileiro participou do meeting de Madri, na Espanha. Mesmo competindo contra um campeão olímpico, o português Nelson Évora (ouro em Pequim 2008), e um dos cinco triplistas do planeta que já saltaram para além dos 18 metros, o cubano Pedro Pablo Pichardo, Almir não se intimidou. Melhorou em quase 30 centímetros sua marca e venceu com 17m35cm. Cinco dias depois, uma nova vitória reafirmou sua ascensão meteórica, saltando dois centímetros a mais, em Liévin, na França.
Assim, o brasileiro chegava ao Mundial na inesperada condição de candidato a medalha. E o garoto que começou a levar o esporte a sério porque também gostava de viajar não decepcionou em solo britânico. Mesmo ressentido de uma forte gripe que prejudicou sua preparação, Almir faturou a prata em Birmingham, outra vez superando seus próprios limites: 17m41cm. De novo bateu Évora, bronze. Por apenas dois centímetros, ficou atrás do americano Will Claye, dono de duas pratas olímpicas e novo bicampeão mundial indoor.
Além da única medalha brasileira no Mundial, Almir levou para casa prêmios distribuídos pela Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt) e pela federação internacional (Iaaf) que totalizaram R$ 120 mil. Até então, ele havia faturado no máximo US$ 300 (R$ 975 no câmbio atual) em cachês por torneio e, poucos meses atrás, fizera uma vaquinha para comprar um par de tênis decente para competir no Exterior. Após a prata na Inglaterra, quatro grandes fornecedoras de material esportivo travaram um leilão para calçar os pés de Almir e remunerá-lo pela exibição de suas marcas.
O que muitos se perguntam agora é qual o limite do triplista que já deixou de ser uma promessa para despontar entre as maiores esperanças de medalha do Brasil nos Jogos Olímpicos de Tóquio. Almir ainda apresenta falhas técnicas na execução dos saltos – portanto, para quem sempre prefere valorizar a metade cheia do copo, existe uma boa margem de evolução. Almir comenta:
– Quando me dizem que ainda tenho muito o que melhorar, eu só penso: “Que ótimo”.
Conforme José Haroldo Loureiro Gomes, o Arataca, o técnico que farejou o potencial de um guri de 15 anos em uma competição escolar em Maringá (PR), o planejamento já está traçado: o objetivo é que Almir desembarque no Japão, em 2020, registrando saltos regulares na casa de 17m70cm a 17m80cm – na Olimpíada do Rio 2016, o americano Christian Taylor conquistou o ouro com 17m86cm, enquanto Claye foi prata com um salto 10 centímetros mais curto e o chinês Bin Dong levou o bronze com 17m58cm.
Para atingir essas metas, obstinação e perseverança certamente não faltarão ao atleta que já incorporou hábitos gaúchos – “gosto e preparo o chimarrão e sei cantar o hino do Rio Grande do Sul” – e não se assusta mais com o frio que até hoje mantém viva a lembrança de seu primeiro inverno no Estado, em 2009.
– Ainda bem que cheguei a Porto Alegre no verão, então fui me acostumando aos poucos (à troca de estações). Tinha dois casacos, mas não foram suficientes. Sofri muito naquele inverno. Se eu tivesse chegado aqui com aquele frio, talvez não ficasse – conta Almir. – Mas não queria voltar para lá (Peixoto de Azevedo) sem conseguir vencer na vida. Lembro de amigos e conhecidos que saíram para tentar a carreira de jogador de futebol e que acabaram retornando sem sucesso. Não queria isso para mim.
Após sua chegada ao Estado, demorou dois anos para visitar os pais, o ex-garimpeiro e hoje taxista Almir Pereira dos Santos, 60 anos, e a dona de casa Conceição de Maria Brandão Cunha, 50, na cidade natal, uma jornada de um dia inteiro que inclui voos de conexão até Cuiabá e ainda um cansativo deslocamento de carro a partir de Sinop (MT). O atleta submete-se a uma rotina regrada que, entre outras abdicações, praticamente o exclui de eventos sociais prosaicos como sair com amigos à noite. Bebidas alcoólicas, refrigerantes e guloseimas estão riscados do cardápio.
– Quanto maior o poder de renúncia, maior é o poder de realização – é o mantra de Arataca.
O técnico adquiriu um papel central na vida de Almir. Quando o então adolescente pediu uma chance para treinar no clube, Arataca decidiu testar sua força de vontade. Prometeu que, se ele conseguisse autorização dos pais e viajasse até Cuiabá (MT), um deslocamento de carro por estradas de terra batida que levava até 14 horas, pagaria a passagem de avião a Porto Alegre. Acostumado à desistência de atletas diante dos primeiros obstáculos, o treinador foi surpreendido com uma ligação 10 dias depois:
– Estou indo, professor – avisou Almir.
– Quando tu vens? – quis saber Arataca.
– Estou a menos de 30 minutos do aeroporto de Cuiabá.
Foi o técnico que também instigou o ex-especialista do salto em altura a buscar uma guinada em sua carreira. No segundo semestre de 2016, Almir foi convidado aos Jogos Abertos do Interior, em São Paulo. Para ganhar uns trocados a mais, decidiu disputar três provas de saltos: em altura, em distância e o triplo. Neste último, sem treinamentos regulares, conseguiu um surpreendente segundo lugar, apenas um centímetro a menos do que o salto de Jean Casimiro Rosa, que no ano anterior havia representado o Brasil no Mundial de Pequim.
– Taí, essa é a tua prova – asseverou Arataca.
Em 2017, Almir passou a se dedicar integralmente ao triplo. Uma lesão no pé esquerdo, no entanto, o afastou de competições importantes do calendário nacional, como o Troféu Brasil. Em setembro, saltou 16m86cm em um campeonato no estádio de atletismo da Sogipa. O resultado animou Almir e Arataca, que começaram a acreditar na vaga olímpica. Daí por diante, sua trajetória já é conhecida.
Antes de se preparar para competições como a Liga Diamante, circuito da Iaaf que paga prêmios de US$ 500 mil aos campeões de cada prova, o vice-campeão mundial do salto triplo indoor aproveitou uma breve folga em seu calendário para rever o pai, em Peixoto, e a mãe, que agora vive em Boa Vista (RR). Desta vez, voltou para sua cidade com a sensação de dever cumprido: Almir venceu, sim, na vida.