A decisão da Universidade Federal do Rio Grande (Furg) de cassar os títulos de doutor honoris causa dos militares Emílio Garrastazu Médici, Maximiano da Fonseca e Golbery do Couto e Silva alcançou repercussão nacional, despertou reações e pedidos de reconsideração.
O ato foi motivado pelo possível envolvimento "em graves violações aos direitos humanos" no período da ditadura militar. Médici foi presidente entre 1969 e 1974, Golbery foi ministro da Casa Civil e Maximiano comandou a Marinha.
A polêmica atinge principalmente a revogação das honrarias de Maximiano e Golbery pela ligação de ambos com Rio Grande. No caso de Maximiano, há relação com a Furg, prestigiada pelos estudos marítimos, em programas de pesquisa científica. Ele foi almirante de esquadra e ministro da Marinha do Brasil. Em 1963, assumiu o comando do navio Canopus e concluiu o levantamento hidrográfico da costa do Rio Grande do Sul. Também foi o idealizador do Programa Antártico Brasileiro (Proantar), cujo desenvolvimento contou com pesquisadores da Furg e de outras instituições.
Golbery é natural de Rio Grande e "foi um dos responsáveis pela vinda da sede do Quinto Distrito Naval" para o município, destacou o prefeito Fábio Branco.
As cassações foram aprovadas pelo Conselho Universitário no dia 5 de abril. A Furg afirma que a iniciativa foi ancorada nos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (CNV), atuante entre 2012 e 2014. A universidade também instalou uma Comissão da Verdade em dezembro de 2023 para identificar violações que teriam ocorrido nos tempos da ditadura militar contra docentes, funcionários e estudantes.
No caso de Maximiano, a Furg recordou, em suas justificativas, que o navio hidrográfico Canopus foi utilizado, em abril de 1964, como prisão política para 22 pessoas consideradas subversivas. Sobre Golbery, a universidade apontou que ele foi chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), o que implicou em "participação indireta nas violações de direitos humanos".
— Não é aceitável para uma instituição que tem papel central no avanço civilizatório da humanidade, como são as universidades, conceder homenagens a pessoas que comprovadamente tenham perpetrado ações que infligem gravemente direitos fundamentais do ser humano — afirmou, após a cassação, o reitor da Furg Danilo Giroldo.
Concretizado o ato, começaram as reações e repúdios. Uma das manifestações foi do atual comandante da Marinha, o almirante de esquadra Marcos Sampaio Olsen. Em ofício enviado à universidade, o militar registrou "profundo desagrado" e disse que Maximiano dedicou a vida à pesquisa oceânica.
"Insisto em apresentar os protestos de indignação da Marinha do Brasil com a cassação do referido título. Torna-se arrevesado compreender as razões de renomada instituição, imbuída de vasta experiência em estudos do mar, ignorar as contribuições de um homem honrado, progressista e com uma vida dedicada ao Brasil", diz o texto do oficial.
A Furg respondeu no dia seguinte ao comandante da Marinha, também via ofício. A universidade argumentou que o relatório final da CNV cita o uso do navio Canopus como prisão ilegal e "menciona o almirante Maximiano como pessoa implicada no cometimento de graves violações dos direitos humanos".
Assinada pelo reitor, a nota indicou a possibilidade de revisar o caso, desde que amparada por fatos novos: "Este ato não visou promover afronta institucional à Marinha do Brasil, uma vez que a Furg preza muito pela frutífera e longa trajetória de cooperação. (...) A Furg se coloca à disposição para receber elementos adicionais ainda não analisados ou não presentes em documentos oficiais públicos que afastem a responsabilidade do almirante Maximiano dos fatos apontados pela Comissão Nacional da Verdade em relação ao navio Canopus, nos comprometendo a levá-los à apreciação das instâncias consultivas e deliberativas da universidade".
O prefeito de Rio Grande enviou documento requerendo a reconsideração da decisão. "Mesmo repudiando total e incondicionalmente as práticas violentas adotadas durante o regime militar e valorizando o trabalho da Comissão Nacional da Verdade, entendemos que fatos do passado não podem ser rejulgados com premissas do presente", escreveu Branco.
Ainda ocorreram manifestações de contrariedade da família de Maximiano, do Centro de Navegação Rio-Grandense e da Câmara de Comércio de Rio Grande.
A Furg argumenta que a decisão também foi motivada por questionamentos e recomendações do Ministério Público Federal. A instituição registrou que outras universidades federais fizeram revogações de títulos pelas mesmas razões recentemente.