Se a união faz a força, ela também pode produzir cenoura, rabanete, repolho, alface, salsinha e muitas outras plantas alimentares, condimentares e medicinais. Foi o que aconteceu no Colégio Estadual Professora Edna May Cardoso, da Cohab Fernando Ferrari, em Santa Maria, onde o engajamento de alunos, pais, professores, vizinhos e instituições da região tem permitido, desde 2018, a manutenção de uma horta comunitária. O projeto deu tão certo que, de lá para cá, inspirou outros – a escola já ganhou um minhocário e, mais recentemente, tem investido na criação de um sistema de captação de água da chuva.
Por si só, a ideia da horta já é fruto de uma parceria comunitária – na época, a Unidade Básica de Saúde Walter Aita, que fica ao lado do colégio, propôs a criação do espaço no pátio da escola como parte de um projeto de promoção da saúde mental entre pessoas idosas. Aos poucos, o terreno, que estava em desuso, foi ganhando novas cores e parceiros. O Colégio Politécnico da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) disponibiliza dois bolsistas para o auxílio técnico sobre práticas de produção de alimentos e o Departamento de Diagnóstico e Pesquisa Agropecuária (DDPA), do governo do Estado, oferece oficinas também visando o apoio técnico.
O resto do trabalho no terreno de 30 metros por 80 fica com os moradores e a comunidade escolar. Atualmente, cerca de 30 pessoas participam dos cuidados com a horta.
— Qualquer membro da comunidade pode vir, plantar e cultivar na horta. A contrapartida é deixar o espaço limpo e organizado para a escola fazer os estudos ali junto com alunos e professores — destaca o diretor do colégio, Alan Patrik Buzzatti.
Foi Alan que idealizou o espaço em 2018 e convidou os vizinhos a participarem do projeto. O aposentado Carlos Silveira atendeu ao chamado e se tornou voluntário.
— Vou lá e faço as coisas. Faço o preparo da terra e o plantio. Eventualmente, alguma professora me pede para preparar um canteiro, eu preparo e ela vai lá plantar com a turma. Depois eles colhem e levam para casa — conta Carlos.
O aposentado diz que, hoje, dificilmente compra algum legume ou verdura no supermercado – normalmente, o que planta em casa e na horta comunitária é suficiente. Já plantou batata-doce, açafrão, beterraba, alface, repolho, radicci, cebola, temperinho verde, cebolinha, couve e muitos outros alimentos. Além do dinheiro economizado, valoriza a troca de experiências com os vizinhos.
O que é jornalismo de soluções?
É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.
— Vamos trocando conhecimentos sobre o cultivo, conversando, pesquisando na internet sobre qual a melhor lua para plantar, essas coisas. Demanda uma certa disposição para participar, mas é muito bom. É importante se envolver com alguma coisa, não ficar só na frente de casa olhando as pessoas passarem — analisa Carlos.
O projeto tem também duas mães de alunos da escola que são aliadas de peso – Juliana de Almeida Costa, que é farmacêutica e especialista em plantas medicinais, e Macarena Santamarta Rodriguez, que é engenheira florestal e trabalhou por anos em assentamentos rurais.
Ambas se aproximaram do projeto principalmente durante a pandemia, atraídas pela possibilidade de realizar atividades ao ar livre. Juliana, que é casada com Alan, passou a levar os dois filhos para a horta.
— Começamos a ir nos dias de folga, como alternativa para sair de casa, assim como outros pais de alunos que eram nossos amigos e começaram a contribuir com a horta e entendê-la como uma alternativa e um espaço de promoção de saúde mental. É um privilégio ter esse espaço. É algo que me emociona – comenta Juliana.
A farmacêutica trabalhou durante 14 anos em projetos de extensão rurais, ensinando sobre plantas medicinais a mulheres e estudantes de escolas. Já fez a dissertação de mestrado sobre o assunto e, hoje, este também será o tema de sua tese de doutorado. No entanto, sua relação e a relação de sua família com as plantas vai muito além das salas de aula:
— Minha filha (Cecília), que tem seis anos, resiste a comer salada. Mas, se for uma alface que ela plantou, ela come. Só de as crianças se apropriarem dos canteirinhos já é muito legal, porque é outra relação que se estabelece.
Macarena ministra aulas de educação ambiental para os estudantes do primeiro e do segundo ano do Ensino Fundamental da escola. As atividades integram outras áreas de conhecimento, como Matemática, Geografia, Língua Portuguesa e até Língua Espanhola.
— É um trabalho muito legal, porque acontece de forma continuada. Aí, o aprendizado vai se dando no tempo das crianças, que é muito importante respeitar. Mas é tão importante para elas quanto para nós, para os funcionários da escola. É um processo educativo para todo mundo que está inserido – ressalta a engenheira florestal, que considera o fato de ser um trabalho coletivo como algo muito educativo.
Em suas aulas, costuma levar os pequenos para passear pela escola. Além da horta comunitária, passam pelo minhocário, também conhecido como composteira. Lá, resíduos orgânicos são colocados em uma terra cheia de minhocas, o que facilita a decomposição e produz húmus e fertilizante líquido. Os vizinhos são convidados a levar seus resíduos orgânicos para o minhocário do colégio.
Captação de água
A novidade na escola é a criação de um sistema de captação de água da chuva. Por enquanto, ele é bem simples – foram instalados dois canos em dois pontos de saída da água que se acumula na calha da quadra esportiva da instituição de ensino, que desembocam em uma caixa d’água de 2 mil litros, usados principalmente na horta. Mas a ideia é ampliar. A escola busca doações de duas caixas d’água de 15 mil litros cada, além de tela para o cercamento da horta. Com essas duas caixas, o colégio se tornaria autossustentável e poderia ajudar a comunidade em épocas de seca.
— Desde novembro do ano passado, já captamos 50 mil litros de água. A crise hídrica foi um processo bem intenso no final do ano passado aqui em Santa Maria e conseguimos disponibilizar essa água para os moradores fazerem a limpeza das suas casas e outros afazeres que demandam água não potável – relata o diretor Alan.
Agora, com a supervisão do professor Felipe Rechia Santos, de Matemática, os alunos se envolverão em um projeto para qualificar esse sistema de captação de água. O trabalho ficará principalmente com os estudantes do Ensino Médio, que farão cálculos e medições para analisar qual o potencial de captação de água nas estruturas da escola e projeções de medição da chuva que cai na região. A turma do sexto ano também acompanhará o desenvolvimento dos estudos.
— O potencial é muito grande de captação. Se captássemos água da escola toda, ela seria autossuficiente em água. Claro que não é água potável, mas daria para manter a escola tranquilamente, com o funcionamento dos banheiros, a irrigação da horta e a limpeza do colégio — estima Felipe, que calcula um potencial de captação de 120 mil litros de água por mês dentro da instituição.
Todos os entrevistados destacam o potencial que as escolas – especialmente as estaduais, que costumam ter grandes pátios – têm para a captação da chuva. Essa captação geraria uma economia nas contas, ainda a ser calculada pelo professor Felipe.