
Natural de Cruz Alta, Patricia Pranke, 53 anos, é uma das maiores especialistas em células-tronco no Brasil. Professora da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) desde 1995 (veja ao fim do texto o currículo), ela se tornou, no fim de setembro, vice-reitora. Agora, será braço direito do reitor, Carlos André Bulhões, após conturbada consulta na qual ambos foram nomeados pelo presidente Jair Bolsonaro apesar de ficarem em terceiro lugar – receberam três dos 77 votos dos conselheiros, enquanto o ex-reitor Rui Oppermann e a ex-vice-reitora Jane Tutikian ganharam 47 votos. Em entrevista a GZH, Patricia Pranke defende atrair verbas por meio de parcerias público-privadas, manter a universidade pública e gratuita e afirma que os adversários, pelas regras, nem poderiam se reeleger.
Eu gostaria que a senhora se descrevesse. Quem é Patricia Pranke?
Sou professora da UFRGS há 25 anos e pesquisadora. Construímos um instituto conhecido no Brasil, o Instituto de Pesquisa com Células-Tronco, com o qual conseguimos muitas parcerias para a UFRGS em pesquisas de células-tronco, engenharia de tecidos e medicina regenerativa. Também sou membro do Conselho da América da Sociedade Mundial de Engenharia de Tecidos. A gente tem trazido ao Brasil essa tecnologia mais eficiente de engenharia de tecidos e medicina regenerativa. Muito legal também para trazer à administração um pouco dessas relações internacionais.
De onde veio a vontade de ser candidata e vice-reitora?
Essencialmente, sou pesquisadora, mas isso veio da vontade de ajudar a UFRGS a mudar. As alternâncias são importantes para garantir a democracia. Somos todos professores, iguais, e todo mundo pode colaborar. Estamos reitor e vice-reitora, é só uma posição burocrática. Estamos aqui para servir à comunidade. Sou uma servidora pública.
Na campanha, a chapa de vocês falou em modernizar a UFRGS. Quais seriam algumas das ações concretas que a senhora gostaria de implementar?
A universidade é plural, temos várias áreas e nenhuma é melhor do que a outra. Todas são fundamentais. Algumas podem captar verbas externas, em parcerias. Há vários pesquisadores que têm parceria com a Petrobras, uma entidade importante que pode ajudar a financiar pesquisa. A universidade tem que facilitar essas parcerias, obviamente mantendo a neutralidade da pesquisa, porque o pesquisador é autônomo. Há outros grupos (faculdades) que não têm essa facilidade de buscar verba, aí a universidade tem que bater na porta e pedir verba ao Ministério da Educação. Isso tem que continuar, ninguém pensa em fazer algo de diferente. Na questão da covid, quantas parcerias têm sido feitas com o setor privado para desenvolver produtos importantes e equipamentos de proteção individual?
A evasão escolar na UFRGS é semelhante para brancos e negros, mas negros largam mais os estudos em cursos como Engenharia Civil. No geral, levam mais tempo para finalizar a graduação porque precisam trabalhar. Qual ação vocês planejam para reduzir a evasão dos mais vulneráveis?
Faz 12 dias que a nova administração tomou posse, mas a Prae (Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis) vai tratar de assuntos estudantis e ações afirmativas, que é uma preocupação que tem que ser muito bem vista, justamente para ajudar a diminuir a evasão escolar. Ações afirmativas são fundamentais, e a gente tem que manter esses alunos dentro da universidade. O momento da pandemia é crítico. O pessoal está fazendo um mapeamento. Precisamos identificar esses alunos e ver como a administração pode ajudá-los.
Há alguma iniciativa de outra universidade que vocês pensam em trazer à UFRGS?
Fiz um mestrado na Unicamp, uma universidade fantástica em inovação, e eles fazem muita parceria com empresas incubadas. Às vezes, um projeto ganha uma patente e royalties, o que ajuda a própria universidade, que também ganha parte dos royalties. Isso é muito semelhante a modelos de universidades americanas e europeias, onde é muito incentivado que professores e ex-alunos tenham empreendedorismo. Uma coisa não anula a outra: fazer parcerias não impede a universidade de continuar pública, gratuita e de qualidade, algo pelo qual nós lutamos. Sou fruto de uma universidade pública e gratuita e vou lutar até os últimos dias para isso. Provavelmente, eu não teria me formado se não estivesse em uma universidade pública e gratuita. Como professor, a gente tem que lutar pelo ensino público.
Como a senhora recebe as críticas feitas de que o mandato de vocês é ilegítimo porque não foi o primeiro nem o segundo lugar na lista tríplice?
Eu me informei com advogados. No momento em que assinamos o documento, não aceitar a nomeação seria ilegal. Se um governo decide não nomear o primeiro da lista, não quer dizer que a pessoa não tem que assumir. E há outro ponto: o Estatuto e Regimento da UFRGS, no artigo 28, está escrito assim (lê o documento): "O mandato do reitor, exercido em regime de dedicação exclusiva, será de quatro anos, sendo vedada a reeleição para o período imediato". É o que está escrito aqui. A Constituição deu à UFRGS autonomia. Embora exista uma lei federal que permita a recondução de cargo ao reitor, a Constituição defende a autonomia da universidade, e a autonomia da universidade colocou, no regimento, que a reeleição é vedada para o período imediato. Quem pretende defender a autonomia da universidade não deve se candidatar à reeleição, porque, em nome da autonomia, a UFRGS decidiu vedar a reeleição imediata. É legítima a reeleição, pelo que está aqui (aponta para o documento)?
Mas sobra ainda o segundo lugar.
Aí entra a prerrogativa do presidente de nomear. O que estão questionando é que o primeiro nome da lista não foi nomeado. O presidente pode nomear qualquer nome da lista tríplice. Assinamos um documento dizendo isso.
Protestos da comunidade acadêmica afirmaram que a eleição da sua chapa seria um golpe e uma intervenção. Incomoda à senhora ser associada a esses termos?
O que é ilegítimo? Será que ilegítimo não seria uma reeleição? Temos que seguir o que está escrito na lei da UFRGS, que diz que a reeleição é vedada para o período imediato. Dizer que o primeiro nome da lista é o que tem que ser – será que isso é o legítimo?
Durante a campanha, o reitor mencionou não deixar a reitoria filiada a um tipo de pensamento ou visão. A senhora acha que há um aparelhamento ideológico na UFRGS?
No Estatuto e Regimento da UFRGS, na página 12, artigo 4, está escrito (lê o documento): "É vedada à universidade tomar posição sobre questões político-partidárias, bem como adotar medidas baseadas em preconceitos de qualquer natureza". O gestor não pode tomar nenhuma decisão, a universidade é plural. Agora, as pessoas levantam as bandeiras que quiserem. Mas uma administração não pode.
Mas os professores, a senhora acha que há algum tipo de aparelhamento?
Cada professor faz o que ele quer, eles são livres. Eu estou falando em nome da administração central, que não pode tomar posição partidária. Temos que ser abertos a todos. Vivemos uma democracia, as pessoas manifestam o que quiserem, são livres para levantar as bandeiras que quiserem, mas a gestão não pode fazer isso. Mas as pessoas são livres.
O reitor declarou a GZH que vocês pretendem revisar o sistema de paridade na eleição para a reitoria, que dá mais peso para professores do que para funcionários e estudantes. O que vocês querem mudar?
Vai ser feita uma estatuinte (processo de discussão sobre o Estatuto de uma universidade, que é a “Constituição” interna) para definir isso. A comunidade acadêmica vai discutir isso e vai chegar à conclusão, em um trabalho que deve ser feito com calma. A administração central está lá para apoiar que isso seja feito. São pessoas da própria universidade que ajudarão a organizar essa estatuinte – professores envolvidos há muito tempo nessa causa participarão.
Como a senhora, uma mulher na ciência, vê o cenário atual de pesquisa no país?
Já estamos acostumados a fazer milagres com o pouco recurso que temos. Teremos que nos reinventar no pós-pandemia e tentaremos não deixar a pesquisa em segundo plano. Temos que incentivar que as coisas sejam feitas no Brasil para não sermos tão dependentes do Exterior. Foi o que fizeram grandes países que tomaram as rédeas de sua economia, como Alemanha, Coreia e Japão. Temos que incentivar o Brasil a produzir de seus insumos. Quanto mais produzirmos aqui dentro, mais barato será para nós, mais rápido chegará o produto.
Isso depende de ministérios. Dentro do campo de atuação da UFRGS, o que vocês pretendem fazer, pensando que o orçamento está apertado, o Brasil enfrenta uma crise econômica e há uma fuga de cérebros?
Temos que fazer um levantamento das contas internas e fazer contenção de despesas para ver onde há gasto supérfluo e onde há gasto necessário. E temos que tentar trazer verbas (por parceria) ou do próprio ministério, obviamente. Temos recebido demandas de professores, com projetos e parcerias, é preciso desburocratizar.
Como a senhora vê a hipótese de cobrar mensalidade de estudantes de maior renda na UFRGS?
Não é algo que "eu" veja, isso tem que ser discutido com o Conselho (Universitário). Minha opinião, como gestora, é de que estamos ali só para organizar as coisas. Como disse, temos que lutar por uma universidade pública e gratuita, principalmente porque tem alunos que não podem pagar. Agora, se a comunidade achar ou se o Conselho achar que isso é algo que tem que ser conversado, vai ser conversado.
Mas a senhora é vice-reitora, tem um cargo importante... Como a senhora vê isso?
Estamos ali para organizar as reuniões e o Conselho tomar uma decisão nesse aspecto. Estamos mais como organizadores do que emitindo opinião. Temos que respeitar a opinião da maioria.
Daqui a quatro anos, qual é o legado que a senhora quer deixar?
Não entrei nessa por cargo nem vaidade. É porque a gente acha que algumas coisas podem melhorar na UFRGS. Seria tão bom que tivéssemos várias candidaturas. Quero ajudar a tentar traçar esse caminho para que novos grupos possam se candidatar, com uma discussão salutar, aberta a todas as correntes de pensamento, porque ninguém é dono da verdade. Temos que respeitar a todos, de um lado ou de outro, porque somos todos professores. Quando a gente chega na casa de alguém, a gente não pergunta para qual time ela torce. Não interessa isso, interessa a pessoa. Todos são servidores.
Currículo acadêmico
- Graduada em Farmácia e em Bioquímica pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
- Mestre em Ciências Médicas pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
- Doutora em Biogenética e Biologia Molecular pela UFRGS, com doutorado sanduíche no Laboratório de Células-Tronco do New York Blood Center, nos Estados Unidos.
- Realizou pós-doutorado na Philipps-Universität Marburg, na Alemanha. Hoje, é professora da graduação da Faculdade de Farmácia e da pós-graduação em Fisiologia da UFRGS.