Veio como vêm muitas das descobertas em ciência - por acaso - o momento eureca de Fernando Kreutz, pesquisador da PUCRS.
- Estava fazendo um experimento que tinha planejado com 12 tubos, mas sobraram células, então fiz com 15. Nesses três a mais, pensei, vou botar um outro reagente, esperando que não funcionaria. Deu um resultado totalmente fora da curva - diz Kreutz, fundador da FK Biotec.
Fora da curva estava um jeito de dedurar as células do câncer de próstata para o sistema imunológico. Respeitar dados inesperados possibilitou a Kreutz criar uma vacina que mobiliza o próprio corpo do paciente contra o tumor. Contamos com um exército que atua em três fases. Antes de atacar o inimigo - seja uma batéria, um vírus ou uma célula -, ele primeiro precisa identificar que tem coisa errada. Depois vem a proliferação de soldados e a destruição do alvo.
O problema é que, mesmo quando enxerga, meio míope, uma ou outra célula tumoral, o sistema imunológico chega tarde e com poucas tropas. Enfrenta-se também um adversário versátil: o tumor está sempre se adaptando ao meio, favorecido pela diversidade de células que o compõem. Uma vacina americana, ao custo de US$ 92 mil, canaliza o sistema imune contra um tipo de célula, o que já garante sobrevida de quatro meses. Agora a vacina desenvolvida no Rio Grande do Sul promete metralhar toda a fauna tumorosa.
- Mudamos a superfície da célula, como se a "pintássemos". Assim, aqueles alvos, dentro das células, são expostos ao sistema imunológico. Conseguimos fazer a ponte entre a identificação e a expansão da defesa do organismo - afirma Kreutz, acrescentando que a solução brasileira terá preço menos salgado, ombreando o custo de uma quimioterapia de primeira linha, entre R$ 20 mil e R$ 50 mil, na previsão atual.
A vacina foi aplicada ao longo de cinco anos em 26 pacientes, que também receberam tratamento convencional (radioterapia e hormônios). O índice de mortalidade foi de 9%. Entre as 22 pessoas tratadas apenas com radioterapia e hormônios, o índice foi de 19%, precisamente o que a literatura médica previa.
- Em um grupo não vacinado, a chance é de que um em cada cinco pacientes morra de câncer de próstata. Entre os vacinados, a chance é de um em cada 11 - compara Kreutz.
A cura bioquímia está demonstrada estatisticamente: em 48% dos não vacinados a doença desapareceu, contra 85% entre vacinados.
- Terapias usando vacinas existem várias, mas a nossa tecnologia é completamente diferente. Sabe-se há anos que o tumor não induz resposta imunológica, mas como mudar isso? A gente descobriu uma forma. É uma sacada elegante, como dizem lá fora - completa Kreutz, que já abriu uma empresa no Canadá para difundir a terapia também no mercado norte-americano.
Ciência que vira produto
Com um olho na ciência e o outro no mercado, o professor fundou na PUCRS o Mestrado Profissional em Biotecnologia, que busca orientar a pesquisa para a resolução de problemas:
- Posso fazer uma descoberta, publicar em uma revista importante e deu pra bola. Pegar a tecnologia e implementar na sociedade é um desafio maior e mais complexo, e nem todo pesquisador tem esse viés. Um artigo na minha gaveta não ajuda ninguém, e mudar isso passa por uma mudança na formação.
A rede de atividades em torno da FK Biotec, contando as parcerias com universidades, envolve 40 pesquisadores, dentre eles 22 doutores. Além da vacina, o grupo trabalha com nanotecnologia, células-tronco e imunodiagnóstico, desenvolvendo kits para detectar vírus como hepatite e HIV.
A previsão é de que a vacina leve de três a cinco anos para estar disponível ao público. Isso porque o estudo de mortalidade precisa ser repetido com uma amostra maior. Na próxima fase, serão mais de 400 pacientes.