Após ser exonerado da presidência do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) pelo ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, Marcus Vinícius Rodrigues disse à Rádio Gaúcha que sua saída era "inevitável" após a publicação da portaria que suspendia por dois anos a avaliação de alfabetização de crianças – um dia depois, o Ministério da Educação (MEC) recuou e revogou a decisão.
— Como a repercussão foi muito negativa, tinham que achar um culpado — afirmou nesta quarta-feira (27).
A decisão pela demissão ocorreu já na segunda-feira, depois de discussão dele com Vélez. O ministro alegou não ter sido informado da suspensão da avaliação. O pedido para que a avaliação fosse suspensa, no entanto, partiu de dentro do MEC. Segundo o ex-presidente do Inep, o Ministério da Educação enfrenta problemas de gestão.
— O ministro Ricardo é uma pessoa do bem, que tem boa vontade, mas é gerencialmente incompetente.
Confira, abaixo, a entrevista concedida às jornalistas Andressa Xavier, Carolina Bahia e Rosane de Oliveira:
Andressa Xavier - O senhor foi demitido ontem (terça-feira, 26). O que foi dito para o senhor, qual foi o contexto dessa saída?
Marcus Vinícius Rodrigues - Esse atrito que culminou na minha demissão começou no início do governo, quando o ministro Ricardo tentou me apresentar nomes para compor a diretoria do Inep que não tinham perfil gerencial, e sim um perfil ideológico muito forte, que, na minha visão, não é compatível com uma instituição educacional. Então, quando eu rejeitei esses dois nomes, nós começamos a ter um atrito, que culminou nessa portaria.
Segundo ele, esse foi o motivo da demissão, o que não tem nenhum sentido. Havia uma comissão da Secretaria da Alfabetização, juntamente com uma comissão do Inep, estudando essa portaria há aproximadamente três semanas. Quando eu tive acesso a ela, me chamou atenção o fato de não termos a inclusão da medição da alfabetização, e alertei isso para os diretores. Depois disso, pedi para que eles cobrassem do secretário da Alfabetização (Carlos Nadalim) e isso foi feito, ele confirmou que realmente não teria. Com a experiência de gestor que tenho, isso me acendeu uma luz vermelha, e pedi aos diretores que pedissem para o secretário da Alfabetização isso por escrito. Eles não se sentiram à vontade, só que, em termos de hierarquia, têm uma posição bem menor, e então, por bem, eu achei melhor ligar para o secretário Nadalim e pedir um documento sobre isso e ele mandou um ofício que é muito claro e diz que não era para fazer a medição. Dentro das minhas atribuições legais, publiquei a portaria. Como a repercussão foi muito negativa, tinham que achar um culpado.
O que o ministro não sabia era que eu tinha tomado o cuidado de pedir isso por escrito. Depois disso, tivemos uma conversa não muito amigável. Não teve erro na portaria, foi uma instrução do ministério e está documentado. Diante disso, a minha saída era inevitável.
Rosane de Oliveira - Sua saída foi mais uma que ocorreu no MEC nesses três meses de governo e a sensação que se tem é que o ministro da Educação é o mais complicado de todos. Houve um anúncio de que todo o problema do MEC era a ideologia, mas as pessoas que estão caindo são as que este governo indicou. O senhor que passou lá por dentro, vê alguma esperança de que se resolva, ou o ministro não tem mesmo o controle de um ministério tão importante como é o da Educação?
O ministro Ricardo é uma pessoa do bem, que tem boa vontade, mas é gerencialmente incompetente. Ele nunca gerenciou nada na vida e vem de universidade pequena, do interior do Paraná. Ele não teve oportunidade de estudar em boas escolas. Além de toda a deficiência de sua educação, ainda nenhuma foi em gestão ou educação. Se me perguntam se há esperança, minha resposta é não.
O ministro é uma pessoa do bem, que tem boa vontade, mas é gerencialmente incompetente. Ele nunca gerenciou nada na vida
Se parar para perceber, nesse período não saiu nenhuma notícia ruim do Inep, todas que saíram durante a minha gestão eram positivas. Isso porque o Inep funcionou com diretoria nomeada por mim, todos de minha confiança, sem nenhuma posição ideológica e sem nenhuma posição de incompetência gerencial. O problema não é só o ideológico, posso até ter essa vertente ideológica, mas o problema é que o Inep hoje não sabe gerenciar. O Ricardo não conseguiu aprender o que é um programa, e eu não estou desmerecendo o professor Ricardo. Porque se a senhora me preguntar se eu sei conceber um plano de alfabetização, eu vou dizer para senhora que eu não sei. Eu sei medir, sei estabelecer indicadores, sei trabalhar com resultados, cada um dentro da sua área. Eu penso que um ministério da importância do da Educação, de um governo que eu trabalhei desde julho, com toda a força, de um governo que vejo como sendo a esperança do Brasil, mas que, infelizmente, algumas posições foram ocupadas por pessoas que não têm a menor noção do que é um planejamento, do que é uma reunião de trabalho.
Eu tive vários encontros com o ministro Ricardo, mas sentar em uma mesa de reunião, sentamos uma vez, para discutir a vinda de uma pessoa de Portugal para o Brasil durante cinco minutos. Mas reunião gerencial, com plano de ação, eu nunca tive nenhuma. E entenda, não foi só o Inep que não teve nenhuma reunião gerencial com o ministro, nenhuma das autarquias tiveram. Aí a senhora me pergunta, vai mudar com o ministro Ricardo? Não. Ele é um pensador. Não sei se a senhora já conseguiu ler os livros do ministro Ricardo. Às vezes é até gostoso da gente ficar deitado numa rede, e eu estou usando um tempo cearense, porque sou cearense, mas uma coisa é trabalhar com essa visão e a outra é dirigir a educação do Brasil. Eu espero que o presidente Bolsonaro, que se empenhou e arriscou pra chegar onde chegou, entenda isso. Eu vou continuar trabalhando pelo governo. Vou me ausentar, provavelmente, momentaneamente, até que as coisas se resolvam.
Carolina Bahia - Até que ponto o chamado "guru ideológico" do governo, Olavo de Carvalho, tem peso no que está sendo feito dentro do ministério da Educação? Porque a informação que temos em Brasília é que existe, também, uma disputa de poder entre um grupo ligado ao Olavo de Carvalho e outro grupo, indicado de maneira técnica, como o senhor, ou indicado pela ala militar. Existe isso dentro do ministério da Educação, essa briga por poder e liderada pelo grupo do Olavo de Carvalho?
Não, não. O Olavo de Carvalho realmente tem pessoas do lado, mas não existe essa tendência. Eu não vejo o professor Ricardo como refém do Olavo. O professor Ricardo é refém dele próprio, das próprias limitações de gestão, de uma formação deficiente que ele tem, de um não conhecimento do que significa a educação no Brasil.
Eu não vejo o professor Ricardo (Vélez Rodriguez) como refém do Olavo (de Carvalho), o professor Ricardo é refém dele próprio, das próprias limitações de gestão, de uma formação deficiente, de um não conhecimento do que significa a educação no Brasil.
Nunca foi perguntado ao professor Ricardo se ele já visitou uma escola no Nordeste, nunca foi perguntado se ele realmente sabe cantar o hino do Brasil, você entende? Eu venho de uma região do Ceará onde a gente tem uma posição nacionalista muito forte. Então, a falta de conhecimento real do Brasil, não de conhecimento histórico, porque se a senhora quiser discutir história do Brasil com ele, ele discute, todos os autores, o que eu não teria condições de fazer, mas eu já fui no meu Cariri, no Ceará, na sua região, inclusive, passei o Natal nesse ano em Gramado. Assim, essa parte regional, em que a gente identifica realmente as deficiências e, a partir daí, programamos as necessidades do planejamento, ele não conhece, então fica muito difícil. Os militares, a ala militar, a ala do Olavo, a ala dos ex-alunos que ele colocou, têm uma influência falsa, o problema é nele.
Carolina Bahia - O senhor diria que, hoje, não existe um plano para a educação dentro do MEC, de curto, médio ou longo prazo?
Não, não tem. Nunca fui chamado para participar dessa discussão. No Inep, nós tínhamos isso, estamos fazendo planejamento estratégico. Por que estou fazendo isso? Porque sou gestor. No Inep, eu consegui reduzir, para a própria aplicação do Enem, alguma coisa em torno de R$ 30 a R$ 40 milhões porque eu contratei consultores e pessoas para poder trabalhar nesse sentido.
Quando ele (Vélez) foi nomeado para essa posição, já sabiam que não teria condição de fazer isso, porque ele nunca conheceu um planejamento estratégico, um plano de ação e, para dirigir o MEC, eu não preciso de um educador, eu não preciso de um pensador, eu preciso de um gestor.
A primeira coisa que eu fiz no Inep foi planos de trabalho, com 32 ações, e a primeira reunião que eu fiz com os diretores foi para aumentar o plano de trabalho. Eu tenho uma reunião por semana com todos esses diretores para saber onde cada item se encontra em termos de desenvolvimento. Agora, de quantas reuniões eu participei com esse formato, com esse texto, dentro do MEC, com a presença do ministro? Não participei. Isso é culpa do ministro. Quando ele foi nomeado para essa posição, já sabiam que ele não teria condição de fazer isso, porque ele nunca conheceu um planejamento estratégico, nunca conheceu um plano de ação e, para dirigir o MEC, eu não preciso de um educador, eu não preciso de um pensador, eu preciso de um gestor. Se esse gestor tivesse vínculo e conhecimento na área educacional, ótimo. Mas se não tiver, vai se tocar. Eu entrei no MEC sem ser um educador, e o trabalho no Inep está lá para qualquer especialista analisar. São só três meses, mas foi feita muita coisa.
Andressa Xavier - Falando em Inep e pensando que tem Enem em novembro, como sua saída pode prejudicar a aplicação do exame ou o que se planeja para ele daqui para frente?
Nós temos uma equipe técnica no Inep muito boa. Eu cheguei a dizer ontem e penso aqui que, dos 400 servidores que tem no Inep, acho que pelo menos cem teriam a condição de ocupar a posição de ministro da Educação e dar ao Brasil um resultado bem melhor do que o que nós estamos tendo. Eu penso que a equipe é muito boa, penso que o planejamento que nós iniciamos com foco no Enem desse ano foi um bom planejamento. E se quiser dar sequência, não sei se o ministro vai achar conveniente colocar o pessoal dele dentro da diretoria, o que, até então, eu tinha conseguido impedir, eu só lamento. Meu sentimento é de preocupação, de impotência em termos de oportunidade tão importante para mudarmos o Brasil. Estamos investindo tanto dinheiro na educação e colocarmos à frente da educação pessoas sem uma maturidade de gestão, o termo seria até incompetentes como gestores.
Rosane de Oliveira - Para você que conhece o ministério por dentro, qual é saída? Tem esperança para o Brasil? Sei que o senhor já disse que o MEC está sem comando, mas, fora da substituição do ministro, tem saída? Ou resolve se ele for substituído?
Sim. Olha, eu apresentei um plano para trabalhar com os alunos com aplicativos, com uma estrutura muito interessante, inclusive essa estrutura eu iria aplicar no Enem desse ano, que é o acompanhamento dos candidatos. Acho que podemos fazer a mesma coisa com os alunos a partir da sexta série. Mas é preciso ter pessoas que façam isso, que tenham vontade política. O nosso presidente Bolsonaro tem essa vontade política. Nosso presidente incentiva, mas não temos estrutura.
Hoje, antes da senhora me ligar, eu recebi a ligação de um colega do MEC extremamente preocupado. Ele disse, "Marcus, não estamos conseguindo repor os cargos. Estamos com vários cargos abertos no MEC e as pessoas não estão querendo ir para o MEC". Chegamos em uma situação que eu nunca vi no Brasil, de cargos disponíveis e as pessoas não quererem ocupar essas gratificações superiores porque ninguém sabe quanto tempo vai ficar lá. Na secretária-executiva tivemos três ou quatro mudanças em três meses. Se chegamos no MEC hoje não sabemos a quem nos dirigir, ao ponto de o ministro, em uma saída emergencial, usar um secretário no comando de duas secretarias. Isso é pitoresco e triste, porque vem de um governo que nós acreditamos.