Parece que a nova moda entre os “humoristas” brasileiros é fazer comentários racistas disfarçados de piada para virar notícia. Não pode ser por acaso. E também nunca é a primeira vez. E mais: nunca falta fã-clube pra relativizar.
Durante a Copa, o youtuber Julio Cocielo, com quase 17 milhões (milhões!) de inscritos em seu canal, fez um comentário racista sobre o jogador Mbappé, da seleção vencedora da França, inferindo que ele “faria um arrastão daora” porque corria muito. Outros jogadores brancos também corriam, e, no entanto, não ocorreu a ninguém compará-los com assaltantes. Mas, insistem alguns, não é racismo, pois racismo é crime. Sim, é. Mas dificilmente existe. Pois: o racismo é estrutural e estruturante, ou seja, ele mantém as estruturas como estão. E elas só estão boas para privilegiados que sequer conseguem começar a entender onde está o erro em um comentário racista. É só um comentário, eles dizem. Não matou ninguém, eles insistem. Mas, olha, esse pensamento e a manutenção dele matam sim, e matam muito. Quando uma violência vem fantasiada de humor é ainda pior, pois aqueles que defendem o direito de oprimir vão dizer que estão sendo... silenciados. Era só uma piada! Isso sim é quase engraçado: homens brancos, que sempre disseram o que queriam, onde queriam e para quem queriam se sentindo oprimidos por não poder mais ofender minorias. Pode incluir aí, além de racismo, homofobia, transfobia, misoginia. Outro idiota, o Rafinha Bastos, foi lá defender o colega, dizendo que todos os influenciadores gostam dele e que ele tem um coração enorme! Todos os influenciadores eram provavelmente homens brancos, é claro. É de cair os butiá do bolso mesmo.
E quando pensamos que, ao menos, esse episódio possa ter servido para educar alguns outros em sua ignorância, vem outro do mesmo grupinho comparar o filho do Will Smith, Jaden Smith, com um flanelinha, porque ele estaria malvestido para os padrões dele. Rodrigo Fernandes, vulgo Jacaré Banguela, apagou esse e outros tweets logo depois, mas é sempre com aquele peso de nossa, que exagero etc. Mesmo depois que um conhecido publicitário negro explicou pacientemente o problema do discurso, ele deu a entender que estava escutando e aprendendo mas “discordava de alguns comentários”. Meu pai do céu, minha mão do vento, meu pé do chão, não é possível: qual a dificuldade de descer do palanquinho do privilégio?
Todo branco aprendeu a ser racista porque é assim que a sociedade opera. Todo homem aprendeu a ser machista, toda a mulher aprendeu a reproduzir essa lógica de masculinidade tóxica, todos normalizaram a cisgeneridade porque “sempre foi assim”. Alguns conseguem repensar e nadar contra a corrente, mas a ordem imposta é essa. E não adianta bater no peito para se defender; melhor é colocar a mão na consciência e tentam localizar onde estão esses comportamentos na sua vida, onde eles se escondem e como você pode fazer para que eles sejam banidos da sua vida e do seu jeito de pensar. Como mulher branca e cisgênero, me incluo nesse exercício.
E se você está horrorizado com “a patrulha do politicamente correto”, bom, já deixo a dica que aí mesmo é um bom lugar pra começar. Se está chamando de patrulha é porque está com medo de ser pego num “deslize”? Fica a reflexão – melhor pensar antes de deixar sair injúria pelos dedos.
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